Quem é o narrador

Mestra em Literatura e Crítica Literária (PUC-SP, 2012)
Graduada em Letras (PUC-SP, 2008)

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O narrador protagonista narra uma história do ponto de vista de quem é o personagem principal. Todas as ações narrativas giram em torno dele e, portanto, trata-se de uma produção notadamente subjetiva. Ao ser o ponto central da narração, esse tipo de narrador tem conhecimento privilegiado de toda a história e articula as informações do jeito que lhe convém.

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas e em Dom Casmurro, o escritor Machado de Assis adota o estilo de narrador protagonista. Tanto Brás Cubas quanto Bentinho, os respectivos narradores, tentam manipular inclusive o que leitor pensa sobre os demais personagens, afinal, a voz dos dois narradores imprimem também juízo de valor e opiniões particulares e subjetivas sobre todas as ações narrativas.

Comumente os narradores protagonistas criam uma espécie de autobiografia ficcional. Essa categoria de narrador consegue obter autonomia em todas as partes estruturais da narrativa. A sua voz tem o poder de julgar e criticar os fatos narrados; o tempo narrado não diz respeito à linearidade da cronologia; o tempo possível é aquele que coincide com a ação narrativa, ou seja, o momento em que criação literária acontece.

Por esse motivo, o narrador protagonista investe no movimento pendular entre passado e presente, havendo espaço também para algumas projeções de futuro. O tecido narrativo é o espelhamento da memória do narrador, com suas lembranças muitas vezes imprecisas e labirínticas, mas que ainda assim não podem ser questionadas já que mesmo apresentando uma visão parcial e limitada da história, não há quem faça um contraponto ao narrador, logo, o ponto de vista dele é o único ao qual o leitor tem acesso.

O processo de articulação da narração pelo narrador é denominado foco narrativo. Se o foco narrativo recai sobre o ponto de vista do narrador personagem é evidente que a narrativa em primeira pessoa confere ao texto um caráter confessional, o que aproxima o leitor da obra e o pacto de leitura se dá, primeiramente, num diálogo direto com o narrador.

Como toda categorização apresenta suas exceções, é necessário observar o narrador personagem Riobaldo, do livro Grande Sertão: Veredas. O narrador criado por Guimarães Rosa, embora seja autodiegético, ou seja, narra a própria história, é um caso à parte na literatura brasileira. Riobaldo narra a história dele de uma forma que, pela articulação primorosa da linguagem literária do escritor, parece que ele mesmo - narrador - descobre a verdade à medida em que vai narrando. Tanto é, que a cada descoberta o discurso do narrador e de surpresa e espanto, o mesmo efeito e a mesma proporção que causa no leitor.

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Tipos de narradores

Referência:

SEIDEL, Verônica Franciele. A atuação do narrador protagonista em Dom Casmurro. Revista Linguasagem, v.22, n.1, 2015. Disponível em <http://www.linguasagem.ufscar.br/index.php/linguasagem/article/view/28>. Acesso em 02 mar. 2019.

Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/redacao/narrador-protagonista/

Você conhece os principais tipos de narradores que um texto literário pode ter? E também sabe o que é foco narrativo? O ato de narrar histórias acompanha a trajetória do homem há muito tempo. Inicialmente se manifestando de forma oral, a narração era conduzida por um contador de histórias, que trazia aos ouvintes lendas, contos, fábulas, seja em 1ª pessoa ou em 3ª pessoa do discurso, ou seja, ele podia se colocar na história contada como um participante das ações, no caso de se narrar em 1ª pessoa, ou como alguém que está de fora dos acontecimento e os transmite a outros.

Com o surgimento da escrita, essas narrativas passaram a ser registradas no papel e, com o passar do tempo, outras histórias foram sendo escritas, o que exigiu de seus escritores criatividade para comporem enredos com personagens, tempo, espaço e narrador atrativos ao público leitor. Assim, esse aperfeiçoamento da narração, ao longo do tempo, possibilitou o desenvolvimento de variados tipos de narrador, os quais não podem, hoje, serem caracterizados unicamente como de 1ª ou de 3ª pessoa.

Leia também: Epopeia – gênero clássico que deu origem às narrativas atuais

Quem é o narrador
Conhecer os tipos de narrador existentes facilita a compreensão de textos literários.

Foco narrativo

Os textos narrativos têm como elementos básicos de sua constituição a presença de personagens, tempo, espaço e narrador, os quais compõem o enredo da história narrada. Em relação ao narrador, os estudos literários tendem a englobá-los dentro da categoria “foco narrativo”.

Esse conceito diz respeito ao enfoque dado pelo autor à voz que narra, ou seja, se a ênfase é dada a uma voz narrativa em 1ª pessoa, diz-se que o foco narrativo é de 1ª pessoa, ao passo que se a ênfase é dada a uma voz narrativa em 3ª pessoa, diz-se que o foco narrativo é de 3ª pessoa. Esses dois focos narrativos principais, porém, podem apresentar vertentes diferentes, o que resulta em tipos de narrador distintos.

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    Tipos de narrador

    • Narrador personagem

    O narrador personagem é aquele centrado no foco narrativo em 1ª pessoa do discurso. Na narrativa, esse tipo de narrador participa das ações que constituem o enredo da história narrada. Observe um trecho do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis:

    “Tudo o que contei no fim do outro Capítulo foi obra de um instante. O que se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que ela raspasse o muro, li estes dous nomes, abertos ao prego, e sim dispostos:

    BENTO

    CAPITOLINA

    Voltei-me para ela; Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo, devagar, e ficamos a olhar um para o outro... Confissão de crianças, tu valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não falamos nada; o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se, apertando-se, fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto.”

    Nesse trecho do capítulo XIV, intitulado “A inscrição”, o narrador personagem Bentinho relembra, na fase adulta, o início de sua paixão por sua vizinha de infância Capitu. Como se nota nos verbos e nos pronomes utilizados, a 1ª pessoa discursiva é evidente. Além dessas marcas linguísticas subjetivas, o leitor tem que ter que mente que o narrador personagem, por participar dos fatos que narra, ao mesmo tempo em que transmite mais veracidade ao que conta, também tende a ser mais parcial, ou seja, ele se torna menos confiável, já que só narra o que vivencia, o que vê, o que sente. Isso faz com que sua visão não alcance o todo, não penetre nas percepções psicológicas de outros personagens. No caso de Dom Casmurro, por exemplo, o leitor é levado a crer que o narrador personagem, o Bentinho, foi traído por Capitu, pois tem-se, nessa narrativa, somente a percepção subjetiva dos fatos a partir da visão enciumada do protagonista.

    Veja também: Memórias Póstumas de Brás Cubas – romance machadiano com um narrador inusitado

    • Narrador observador

    O narrador observador, assim como o narrador personagem, é centrado no foco narrativo em 1ª pessoa do discurso. Distingui-se do narrador personagem, pois o narrador observador participa da história não como um personagem protagonista, mas como um coadjuvante que vê o que narra, mas sem ser o centro do enredo. Observe um trecho do romance O nome da rosa, cujo enredo é ambientado na Idade Média.

    “O tempo que estivemos juntos não tivemos oportunidade de levar vida muito regular: mesmo na abadia velamos à noite e caímos cansados de dia, nem participamos regularmente dos ofícios sagrados. Contudo, em viagem, raramente ficava acordado após as completas e tinha hábitos parcos. Algumas vezes, como aconteceu na abadia, passava o dia inteiro movendo-se no horto, examinando as plantas como se fossem crisóprasos ou esmeraldas, e o vi andando pela cripta do tesouro admirando um escrínio cravejado de esmeraldas e crisóprasos como se fosse uma touceira de estramônio. Outras vezes permanecia o dia todo na sala grande da biblioteca folheando manuscritos como a procurar neles nada além que o próprio prazer (enquanto ao nosso redor se multiplicavam os cadáveres dos monges horrivelmente assassinados). Um dia encontrei-o passeando no jardim sem objetivo aparente, como se não precisasse prestar contas a Deus de seus atos. Na Ordem haviam-me ensinado um modo bem diverso de dividir o meu tempo, e eu lhe disse isso. E ele respondeu que a beleza do cosmos é dada não só pela unidade na variedade, mas também pela variedade na unidade.”

    No romance O nome da rosa, obra do italiano Umberto Eco lançada em 1980, o personagem secundário, Adso de Melk, narra, na velhice, os fatos protagonizados por seu mestre, o frei Guilherme de Baskerville. Assim, nessa narrativa, o leitor só tem acesso à narração e à descrição de fatos vistos pelo narrador observador quando este era um jovem aprendiz que participava de forma secundária das ações que constituem o enredo ficcional. Assim como o narrador personagem, o narrador observador acaba tendo uma visão subjetiva, parcial dos fatos que narra.

    • Narrador onisciente

    O narrador onisciente é aquele cujo foco narrativo é centrado na 3ª pessoa discursiva. Espécie de “deus” que tudo sabe e tudo vê, esse tipo de narrador sabe o passado, o presente e o futuro de cada personagem na narrativa, bem como seus pensamentos e estados emocionais. Na literatura brasileira, o romance Vidas secas, de Graciliano Ramos, figura como um importante exemplo de obra narrativa em que o narrador predominante é o onisciente. Veja um trecho.

    Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade.

    Começou a arquejar penosamente, fingindo ladrar. Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava: certamente os preás tinha fugido.

    Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas.[...]

    Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meninos. Estranhou a ausência deles.”

    Nessa passagem do clássico de Graciliano Ramos, a cachorra da família de retirantes nordestinos, chamada Baleia, é subjetivada pelo narrador, que lhe atribui consciência. Após levar um tiro de seu dono, Fabiano, que decide matá-la por representar uma despesa a mais para uma família já muito empobrecida pela seca, a cadela tem sua consciência desvendada pelo narrador, como no trecho “Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite?”.

    Acesse também: Prosa – estrutura básica que comporta diversos gêneros narrativos

    Exercícios resolvidos

      Questão 1 - (Universidade da Amazônia – 2008) Leia o trecho a seguir:

      [...] “Ia andando. De duas em duas casas, no quarteirão, era este aquele, um, dois, até três, não fazia tanta falta, fazia? E Libânia? Teria feito igual? Não. Nunca. Ou capaz? Com Antônio, este do xarão já nem mais o papel. Ou não? O coração diminuía. Tanto nele confiavam e agora nada mais que um gatuninho de doces. Que contas prestaria? Explicar como? “ […]

      (Dalcídio Jurandir, Belém do Grão-Pará, p. 233)

      A) Privilegia a construção do mundo interior das personagens.
      B) Registra eventos pitorescos do cotidiano da cidade por meio dos pensamentos e das atitudes da personagem.
      C) Usa no texto tipos pitorescos da cultura e da linguagem regional como marca da segunda geração modernista.
      D) Centra na ação intensa vivida pela personagem o desenrolar do texto.

      Resolução

      Alternativa A. O uso reiterado de interrogações que expressam o pensamento dos personagens, isto é, do discurso indireto livre, revela que o autor de Belém do Grão-Pará privilegia a construção do mundo interior dos personagens na construção narrativa, ao invés de focar na descrição pitoresca do cotidiano da cidade.

      Questão 2 - Assinale o que for INCORRETO em relação aos elementos do conto “92”, de Dalton Trevisan, transcrito a seguir.

      92
      Tarde de verão, é levado ao jardim na cadeira de braços – sobre a palhinha dura a capa de plástico e, apesar do calor, manta xadrez no joelho. Cabeça caída no peito, um fio de baba no queixo. Sozinho, regala-se com o trino da corruíra, um cacho dourado de giesta e, ao arrepio da brisa, as folhinhas do chorão faiscando – verde, verde! Primeira vez depois do insulto cerebral aquela ânsia de viver. De novo um homem, não barata leprosa com caspa na sobrancelha – ea sombra das folhas na cabecinha trêmula adormece. Gritos: Recolha a roupa. Maria, feche a janela. Prendeu o Nero? Rebenta com fúria o temporal. Aos trancos João ergue o rosto, a chuva escorre na boca torta. Revira em agonia o olho vermelho – é uma coisa, que a família esquece na confusão de recolher a roupa e fechar as janelas?
      TREVISAN, Dalton. 92. In: Ah, é? 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994. p. 67.

      A) A voz narrativa é de primeira pessoa. Trata-se de um narrador-protagonista, a personagem João, que relata o momento em que sofre um "insulto cerebral"– acidente vascular cerebral –, acontecimento que o impede de retornar ao interior da casa.

      B) As indicações temporais cumprem importantes funções na estrutura narrativa, especialmente a de imprimir verossimilhança e movimento ao relato. O conto em foco, embora sua natureza seja predominantemente psicológica e os fatos estejam intimamente ligados ao estado de espírito do personagem, apresenta marcas cronológicas da passagem do tempo, como se observa no trecho: "Primeira vez depois do insulto cerebral aquela ânsia de viver".

      C) Embora não existam diálogos na narrativa, o narrador, ao empregar o discurso indireto livre, permite que a voz do personagem aflore no texto. Espécie mista de discurso – indireto e direto –, o indireto livre concilia de tal forma as falas do narrador e de João que elas se confundem na enunciação, como se observa no excerto: "… é uma coisa, que a família esquece na confusão de recolher a roupa e fechar as janelas?".

      D) Alguns elementos revelam-se importantes na estrutura narrativa por identificarem-se com o estado emocional do personagem. Na situação inicial da narrativa, apesar do desconforto ao ser deixado no jardim ("palhinha dura", "capa de plástico", "apesar do calor, manta xadrez sobre os joelhos"), João mostra-se tranquilo e a natureza reflete esse sentimento: "Sozinho, regala-se com o trino da corruíra, um cacho dourado de giesta e, ao arrepio da brisa, as folhinhas do chorão faiscando – verde, verde!". No final, o espaço, modificado pelo agente transformador da situação de equilíbrio inicial – o temporal –, apresenta íntima conexão com o estado emocional do personagem, que, sentindo-se abandonado, "revira em agonia o olho vermelho…".

      Resolução

      Alternativa A. A alternativa incorreta é a A, isso porque a voz narrativa não é de primeira pessoa; trata-se de um narrador observador em 3ª pessoa.

      Quem é o narrador de um texto?

      Em um texto narrativo, é o narrador quem determina o foco, isto é, o ponto de vista.

      Qual é o nome do narrador?

      O narrador personagem é um tipo de narrador que participa da história e por isso, recebe esse nome. Ele pode ser o personagem principal (narrador protagonista), ou mesmo um personagem secundário (narrador testemunha). Isso vai depender de sua atuação e aparição na trama.

      O que é o que significa narrador?

      Significado de Narrador Quem relata uma situação ou acontecimento, real ou imaginário. Televisão. Quem faz a narração de: narrador esportivo. [Literatura] O próprio autor, uma das personagens ou quem expõe a trama de uma narrativa (romance, novela, conto).