Quais são os saberes que integram o conhecimento profissional do professor?

Durante o século XX, alguns grupos de professores e pesquisadores da área de educação passaram a criticar a racionalidade técnica predominante sobre as atividades educacionais, por exemplo, os saberes mobilizados pelos docentes. Segundo a educadora Ana Monteiro, eles elaboraram diversas pesquisas, procurando superar a “relação linear e mecânica entre o conhecimento técnico-científico e a prática na sala de aula”.[1]

           A partir desses estudos, foram criados e estudados os saberes docentes, os quais buscam compreender a complexidade e especificidade do saber formado durante o exercício da docência. Segundo a Professora Célia Nunes, algumas das causas que concorreram à emergência do “saber docente” foram “o movimento de profissionalização do ensino e suas conseqüências para a questão do conhecimento dos professores na busca de um repertório de conhecimentos, visando a garantir a legitimidade da profissão, havendo a partir daí uma ampliação tanto quantitativa, quanto, posteriormente, qualitativa desse campo”.[2]

           Segundo António Nóvoa, este novo tratamento manteve-se contrário aos estudos anteriores que restringiam a docência a um agrupamento de habilidades e métodos, fazendo com que o docente perdesse a sua identidade. Essa nova fase dos estudos sobre a profissão docente passou a posicionar o professor como o foco central dos estudos e das discussões sobre o campo educacional. De acordo com o autor, os intelectuais envolvidos nesse novo movimento começaram a observar a constituição do trabalho docente, enfocando as diferentes dimensões de sua trajetória – individual, profissional, entre outras. A partir dessa “virada” nas pesquisas, é possível ver como os saberes construídos pelos professores ganharam mais reconhecimento, o que anteriormente não era tão destacado.[3]

           Entre os autores que têm estudado este tema e contribuído para a apreensão do que é a categoria “saber docente”, merecem destaque: Tardif, Lessard, Lahaye, Perrenoud, Schön, entre outros. Tardif, Lessard e Lahaye atentam ao fato de que o saber docente é “plural, estratégico e desvalorizado, constituindo-se em um amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência”.[4]

No que tange aos saberes profissionais, é necessário, em primeiro lugar, que o professor encontre a sua identidade, o que o caracteriza como profissional, tendo sempre em mente que é preciso entrelaçar essa identidade com as necessidades muito particulares de cada escola e de cada turma ou aluno com que trabalha. Para tal, é de extrema importância que se tenha uma cabeça aberta a novas formas de desenvolvimento de seu trabalho e de condução das relações sociais inerentes à prática docente, seja com seus pares, com os alunos, ou com a instituição em que trabalha. Só é possível conhecer o que é efetivamente benéfico para o desenvolvimento profissional a partir do contato com experiências diversas.

A partir daí, surge a importância de uma autorreflexão constante sobre o modo como se dá a aprendizagem da profissão docente, que ocorre, em grande proporção, dentro do espaço escolar, observando se há uma necessidade de mudança para atingir a imagem que se tem do que seria um professor ideal, ou do professor “que se quer ser”. Essa imagem tende a ser formada especialmente a partir do contato com outros docentes, observando tanto os caminhos por eles escolhidos que funcionaram, como aqueles que falharam na perspectiva de um exercício saudável e funcional da profissão.

           Fica clara, portanto, a importância das relações interprofissionais, na medida em que sejam produtivas tanto para a formação do docente e crescimento de sua carreira profissional, quanto para identificar o que é necessário em cada contexto para que haja um desenvolvimento efetivo de práticas educacionais. Além do mais, tendo em vista que o desenvolvimento profissional se dá em larga escala no próprio exercício e contato com a profissão e com outros profissionais, ressalta-se que a teoria pura e simplesmente não basta, sendo essencial encontrar meios de articulação entre o léxico teórico e a prática.

           Por fim, dentro da formação do profissional docente, aparecem três esferas, que dizem respeito aos valores pessoais de cada professor, aos valores profissionais, ligados mais propriamente ao desenvolvimento da profissão, e aos valores organizacionais, que se referem ao contexto político e institucional (da escola) em que o docente se encontra. Todas estão ligadas. Não se pode, ou pelo menos não se deve, ser um profissional que não condiz com os seus princípios pessoais, ou que não se submete às normas pré-estabelecidas pela instituição em que trabalha e ao próprio contexto político em que se encontra. No primeiro caso, há grande probabilidade do surgimento de uma insatisfação pessoal tanto com a profissão quanto consigo mesmo, já que essas duas esferas estarão em conflito intenso. Já o segundo caso pode levar a uma impossibilidade do exercício da profissão. Se não há quem contrate o profissional devido à sua insubordinação aos pressupostos políticos e institucionais mais gerais, não há meios de se exercer o ofício. Logo, é preciso achar um balanço entre essas esferas.

           Daí vem a ideia de que um professor bom, é bom em uma escola determinada. Não quer dizer que um professor só possa ser bom em um formato de organização educacional, mas que, caso os valores pessoais do professor e os organizacionais da instituição em que trabalha condigam, há uma maior probabilidade de que o profissional docente exerça sua profissão com maior excelência, justamente graças à compatibilidade entre os ideais da escola e do próprio professor.

           Sobre os saberes disciplinares, Tardif mostra de que forma a prática docente absorve conhecimentos “definidos e selecionados pela instituição universitária”. Estes saberes são obtidos através da formação - inicial e contínua - dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pelas faculdades. De acordo com Tardif, os saberes disciplinares “correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no interior de faculdades e de cursos distintos. Os saberes disciplinares (...) são transmitidos nos cursos e departamentos universitários independentemente das faculdades de educação e dos cursos de formação de professores”.[5]

           Próximo aos saberes disciplinares, encontra-se os saberes curriculares. Tardif define os saberes curriculares como os conhecimentos que “correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita”.[6] Os saberes curriculares são apresentados nos programas escolares que os docentes deverão compreender para aplicar nas salas de aula.

           No artigo "Saberes experienciais e curriculares: refletindo a formação e a práxis do professor das séries iniciais do Ensino Fundamental", de Naiara de Araújo Sotero e Maria Luzirene Oliveira do Nascimento, é interessante a abordagem sobre o desenvolvimento da concepção de educação através dos saberes curriculares. Os saberes curriculares são "resultado da organização de conteúdos e/ou conhecimentos produzidos cientificamente que constituem as disciplinas", e que se manifestam através dos programas escolares desenvolvidas pelas escolas. Esses programas orientarão os professores na forma de avaliar, conduzir a aula, ensinar, por isso, é importante que avaliem os conteúdos oferecidos pelos programas para adequar ao seu método de ensino. Outra questão importante tratada no artigo é a teoria x prática. Há o discurso de dicotomia entre teoria e prática, mas na realidade ambos são inseparáveis, pois a formação do professor não exige apenas fundamentação teórica, mas também práticas adquiridas durante sua formação.[7]

           Seguindo a divisão dos saberes docentes ressaltada anteriormente, a última parte a ser analisada está relacionada aos “saberes da experiência”. Os saberes experienciais correspondem aos conhecimentos obtidos pelo professor ao longo de sua prática profissional. De acordo com Tardif, “são saberes que brotam da experiência e são por ela validados. Incorporam-se à vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser”.[8] Atualmente, grande parte dos docentes aprendem a trabalhar na prática, tentando, errando e colhendo as lições de seu ofício para futuros acertos. Segundo o autor, “essa aprendizagem, freqüentemente difícil e ligada àquilo que denominamos sobrevivência profissional, quando o professor deve dar provas de sua capacidade, ocasiona a chamada edificação de um saber experiencial, que se transforma muito cedo em certezas profissionais, em truques do ofício, em rotinas, em modelos de gestão da classe e de transmissão da matéria”.[9]

           Em relação aos outros saberes, os experienciais possuem algumas peculiaridades. Ao contrário dos conhecimentos oriundos do campo profissional, curricular e disciplinar, segundo a pesquisadora Ana Monteiro, os saberes da experiência “não provêm das instituições de formação ou dos currículos, esses saberes não se encontram sistematizados no quadro de doutrinas ou teorias: eles são saberes práticos (e não da prática: eles não se aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela e são partes constituintes dela enquanto prática docente) [...] são a cultura docente em ação”.[10]

           O apontamento feito por Ana Monteiro está relacionado a uma linha de estudo desenvolvida nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, a qual procura analisar o “currículo oculto”, isto é, o conjunto de competências ou disposições que se adquire na escola através da experiência e familiarização, em contraste com os conhecimentos obtidos através de procedimentos pedagógicos explícitos ou intencionais.[11]

           Tardif aponta que os cursos de formação para o magistério são universalmente idealizados segundo um “modelo aplicacionista do conhecimento”. Durante anos, os estudantes assistem a aulas baseadas em disciplinas e constituídas de conhecimentos proposicionais. Como parte integrante do curso, eles se dirigem ao estágio para que possam “aplicar” esses conhecimentos. O autor conclui que, ao terminar a formação pedagógica desses alunos, eles passam a trabalhar individualmente, aprendendo seu ofício na prática e percebendo, na maior parte das vezes, que esses “conhecimentos proposicionais” não se aplicam bem em sua ação cotidiana como docente.[12]

           Embora os saberes experienciais possuam essas particularidades, eles não se encontram, de modo algum, isolados dos outros saberes. Baseado nas palavras de Tardif: “Os saberes experienciais adquirem também uma certa objetividade em sua relação crítica com os saberes disciplinares, curriculares e da formação profissional. A prática cotidiana da profissão não favorece apenas o desenvolvimento de certezas “experienciais”, mas permite também uma avaliação dos outros saberes (...). Os professores não rejeitam os outros saberes totalmente, pelo contrário, eles os incorporam à sua prática, retraduzindo-os porém em categorias de seu próprio discurso”.[13]

           A partir da análise de cada parte, é possível observar não só a complexidade, mas também a pluralidade que envolve e constitui os “saberes docentes”. Para concluir, é importante relacionar ao ensaio a contribuição de Tardif ao afirmar que: “o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos”.[14] Portanto, é de extrema importância que o docente colete e absorva - o máximo possível – os conhecimentos oriundos do campo profissional, disciplinar, curricular e experiencial, os articulando e dando sentido ao seu ofício. É essencial que o professor reveja a condução e a reflexão de sua ação cotidianamente, além de manter a eficiência em mobilizar os saberes no ato de ensinar.

∙ Bibliografia

MONTEIRO, Ana. Professores: entre saberes e práticas. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001.

NÓVOA, António. Os professores e as histórias da sua vida. In: Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1995.

NUNES, Célia. Saberes Docentes e Formação de Professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001.

SOTERO, Naiara de Araújo; NASCIMENTO, Maria Luzirene Oliveira do. Saberes experienciais e curriculares: refletindo a formação e a práxis do professor das séries iniciais do Ensino Fundamental. Campina Grande, REALIZE Editora, 2012.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

TARDIF, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas consequências com relação à formação do magistério. Revista Brasileira de Educação, jan./mar., n. 13, 2000.

[1] Ana Monteiro. Professores: entre saberes e práticas. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001, p. 129.

[2] Célia Nunes. Saberes Docentes e Formação de Professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001, p. 27-28.

[3] António Nóvoa. Os professores e as histórias da sua vida. In: Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1995.

[4] Ana Monteiro. Professores: entre saberes e práticas. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001, p. 130.

[5] Maurice Tardif. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014, p. 38.

[6] Idem.

[7] Naiara de Araújo Sotero e Maria Luzirene Oliveira do Nascimento. Saberes experienciais e curriculares: refletindo a formação e a práxis do professor das séries iniciais do Ensino Fundamental. Campina Grande, REALIZE Editora, 2012.

[8] Maurice Tardif. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014, p. 38-39.

[9] Maurice Tardif. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas consequências com relação à formação do magistério. Revista Brasileira de Educação, jan./mar., n. 13, 2000, p. 14.

[10] Ana Monteiro. Professores: entre saberes e práticas. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001, p. 131.

[11] Ana Monteiro. Professores: entre saberes e práticas. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001, p. 125.

[12] Maurice Tardif. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas consequências com relação à formação do magistério. Revista Brasileira de Educação, jan./mar., n. 13, 2000, p. 18.

[13] Maurice Tardif. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014, p. 53.

[14] Idem, p. 39.


Quais são os saberes essenciais para um professor?

(1998) apresenta uma visão do ensino numa concepção onde vários saberes necessários ao ensino são mobilizados pelo professor: o saber disciplinar, o saber curricular, o saber das ciências da educação, o saber da tradição pedagógica, o saber experiência e o saber da ação pedagógica.

O que envolve o conhecimento profissional do professor?

O conhecimento pedagógico é o domínio do conhecimento profissional mais geral que se relaciona com os princípios e estratégias de organização do ensino do professor, as diferentes maneiras como os alunos aprendem e as melhores formas de organizar e gerir o ambiente da sala de aula.

Quais são as características dos saberes profissionais dos professores?

Mas os saberes profissionais dos professores não são somente personalizados, eles também são situados, isto é, como dizíamos anteriormente, cons- truídos e utilizados em função de uma situação de trabalho particular, e é em relação a essa situação particular que eles ganham sentido.

Quais são os saberes do conhecimento?

Saberes do Conhecimento São aqueles saberes, adquiridos pelo educador, relacionados ao conteúdo que será ensinado em sala de aula, ou seja, são os conhecimentos do conteúdo disciplinar, que será repassado aos alunos.