Quais foram os resultados do Plano Cruzado?

O Plano Cruzado: balanço e perspectivas

Fabrício Augusto de Oliveira

Professor de Economia da UNICAMP e membro do Centro de Estudos de Conjuntura do IE-UNICAMP

Artigo escrito antes das medidas econômicas tomadas pelo governo após as eleições de novembro de 1986, a análise que aqui se apresenta sobre o Plano Cruzado mantém toda sua validade. De fato, a explicação dos limites estruturais que existem para a implantação de um modelo de desenvolvimento heterodoxo necessitam ser melhor compreendidas.

1. Objetivos e precondições

Certamente o dia 28 de fevereiro de 1986 figurará, com destaque, na história do pensamento econômico brasileiro. Nessa data, com o propósito de erradicar da economia o crônico processo inflacionário que emitia visíveis sinais de saltar de um patamar de 230%, registrado entre 1983-85, para o atemorizante índice de 350-400% ao ano, o governo editou o Plano de Estabilização Econômica (PEE), que ficou conhecido como Plano Cruzado. Cirurgia brilhante para extirpar do organismo econômico o câncer da inflação, o Plano teria o condão não somente de alterar os rumos da economia brasileira mas também os destinos da própria sociedade.

O diagnóstico governamental foi de ser a inflação brasileira, àquela altura, de natureza predominantemente inercial. Em outras palavras, isto significava que a inflação presente explicava-se pela inflação passada, que se reproduzia através da existência de mecanismos formais e informais de indexação da economia. Nesse sentido, a causa da inflação era a própria inflação. Para eliminar esse componente de caráter inercial da inflação, dois pontos se tornaram nucleares no Plano: a desmontagem dos mecanismos de indexação da economia e o congelamento de seus preços. Mas, para seu êxito, exigia-se que os fatores primários da inflação, refletidos sob a forma de choques de oferta ou de demanda, estivessem sob controle, de forma a não exercerem pressões altistas de preços. A este respeito, a avaliação do governo foi bastante favorável.

Por um lado, a situação externa apresentava-se relativamente tranqüila para o país após as tempestades que marcaram o período 1981-84. Obtendo saldos comerciais crescentes nas suas relações com o exterior, o Brasil dispunha das divisas necessárias para honrar os juros da dívida externa, o que lhe dava poder de barganha para rejeitar os acordos de monitoramento de sua economia pelo FMI. Ademais, as reservas internacionais haviam sido recompostas ao nível de US$ 8 bilhões, e o país se beneficiava do declínio da taxa de juros externa e da queda dos preços do petróleo no mercado internacional. Como predominava, à época, um grande otimismo em relação ao crescimento da economia mundial, ficava descartada, pela conjugação de todos esses fatores, a eventualidade de a economia vir a ser submetida às adversidades de um choque externo — uma maxidesvalorização, por exemplo — capaz de comprometer o sucesso do Plano.

A nível interno, a situação não parecia diferente. As contas públicas encontravam-se, acreditava-se, razoavelmente equilibradas, o que assegurava a ausência de pressões inflacionarias originárias de déficits públicos. A agricultura, cuja estimativa de quebra de safra decorrente da seca que assolou o país no final do ano de 1985 atemorizou os gestores da economia pelas suas previsíveis pressões altistas, teve, em função do replantio realizado, reavaliado o seu desempenho, que revelou não constituir problema na dimensão anteriormente prevista. Além disso, um eventual choque inflacionário de demanda estava, também acreditava-se, refreado pelo pacote de arrocho crediticio editado em janeiro de 1986.

A crença de que as condições da economia se encontravam maduras para a aplicação de um choque heterodoxo que elidisse os mecanismos de correção dos preços responsáveis pela inflação de caráter inercial abriu, assim, as portas para o governo editar o Plano de Estabilização Econômica. Com ele, extinguiu-se a correção monetária — o mais poderoso instrumento de indexação da economia — e congelaram-se, por tempo indeterminado, os salários e os preços, além de ter se estabelecido uma paridade fixa para a taxa cambial.

Para os salários, até então reajustados pelo critério de "picos" do IPC, estabeleceu-se uma sistemática de sua correção pela média de variação desse índice nos últimos seis meses, somando-se, ao resultado obtido, um abono de 8% para os salários em geral e de 15% para o salário mínimo para o seu congelamento. Já os preços, porque acreditava-se no equilíbrio de seus valores médios reais, foram congelados sem nenhuma correção. Somente a taxa de juros permaneceria como variável solta no modelo, dada sua importância para evitar crises de abastecimento e para permitir ao sistema financeiro ajustar-se de forma menos traumática à nova situação.

Assim, pretensamente neutro do ponto de vista da distribuição da renda, o Plano ainda contou, para o seu êxito, com o inesperado apoio espontâneo da população, que acabou se transformando em seu principal guardião. No primeiro mês de sua vigência — março de 1986 —, o país, que em fevereiro se vira às voltas com uma inflação de 14,36%, conheceria um inusitado processo de deflação com o crescimento negativo do IPC da ordem de -0,11 %. Com esse resultado, que coroava o êxito do Plano, as autoridades econômicas reiteraram, prontamente, o objetivo da inflação zero.

2. Os efeitos positivos

Além de ter provocado um processo de deflação no primeiro mês de sua vigência e de manter o processo inflacionário em níveis bastante reduzidos nos que se seguiram, o Plano teve o mérito de alterar profundamente o comportamento dos agentes econômicos, de alterar as suas posições em relação à geração e à apropriação da renda, e de contribuir para restaurar algumas regras de funcionamento do sistema econômico adulteradas pelo processo inflacionário e especulativo.

Assim, através do processo de desindexação da economia, pôs-se cobro aos ganhos financeiros facilmente obtidos com a existência da inflação e com o processo especulativo, e ampliou-se o horizonte de oportunidades para o investimento produtivo e para os ativos reais da economia. Nas palavras de Carneiro e Miranda, em seu ensaio sobre a política econômica da Nova República, logo após a implantação do Plano, Cruzado manifestou-se uma clara preferência por ativos reais como imóveis, ações ou mesmo pelo consumo, em detrimento dos ativos financeiros, principalmente da caderneta de poupança. Fechava-se, com isso, o grande cassino em que fora transformado o país.

O congelamento de preços contribuiu, por sua vez, para recolocar nos trilhos o distorcido processo de concorrência intercapitalista. Sob o acicate da inflação criaram-se e consolidaram-se os mecanismos de repasses contínuos de preços nos diversos elos da cadeia produtiva, o que acabaria inibindo o processo de concorrência e, por extensão, os estímulos à modernização. Nessa situação, não apenas deixava-se de obter ganhos de produtividade com inovações tecnológicas, como o preço final do produto, ao ser fixado de acordo com os custos do produtor marginal, propiciava às empresas mais eficientes a obtenção de elevados sobrelucros. O congelamento, ao corrigir esta distorção, e a desindexação, ao eliminar a base da especulação financeira, criaram as condições para que o país transitasse para um novo modelo de desenvolvimento e enveredasse por uma trajetória de crescimento auto-sustentado.

3. Os primeiros tropeços do Plano

A euforia consumista que se seguiu após o Plano deixou antever sérios problemas de abastecimento que, entretanto, acreditava-se, passíveis de correção, à medida que terminassem as negociações sobre as margens de descontos nas vendas a prazo que percorriam o elo fornecedores de matérias-primas/indústria/ varejo;que as empresas retomassem seus investimentos expandindo a oferta; e que o consumo arrefecesse, perdendo seu ímpeto inicial. A permanência dessa situação de desequilíbrio entre a oferta e a demanda por mais tempo mostrou, entretanto, que nem tudo era róseo no Plano Cruzado e que algumas correções eram inadiáveis.

Em primeiro lugar, confirmou-se que à época do congelamento a idade dos preços era distinta, ou seja, de que eles teriam sido congelados num momento em que alguns tinham sido recentemente reajustados e outros estavam à beira de sê-lo, o que sancionou o seu desequilíbrio relativo. Essa defasagem não somente comprometeria a lucratividade dos setores que foram surpreendidos com seus preços em atraso, mas também, e por causa disso, sua própria capacidade de investimentos, impossibilitando-os de expandir adequadamente sua capacidade produtiva de forma a atender a demanda ampliada. Como de uma forma geral os níveis de capacidade de produção da economia se encontravam — à exceção da indústria de bens de capital sob encomenda — próximos de seus limites, não fica difícil perceber as dificuldades para reequilibrar a oferta e a demanda caso não fossem feitas algumas correções nos preços dos setores que se encontravam prejudicados.

Situação mais grave, nesse sentido, era a das empresas estatais. Utilizadas à exaustão em tempos precedentes como instrumento de política macroeconômica de curto prazo, o congelamento surpreendeu-as com seus preços exacerbadamente defasados e suas finanças completamente deterioradas. Produtoras de insumos básicos para alimentar o aparelho produtivo e com seus níveis de capacidade praticamente esgotados, era imperiosa a retomada de seus investimentos — base de expansão do investimento privado — para evitar o crescimento desequilibrado da economia e eliminar os seus gargalos potenciais. Suas dificuldades financeiras, entretanto, têm limitado essa retomada na dimensão necessária, além de exercerem fortes pressões sobre as contas públicas à medida que, na ausência de correção de seus preços e tarifas, o Tesouro tem aumentado fortemente os subsídios a elas destinados.

Pelo lado do consumo, somente em agosto/setembro ele revelaria sinais de desaceleração, talvez mais devido à escassez dos produtos do que à maior preferência pela poupança. O fato é que desde o segundo semestre de 1985 o consumo vinha se expandindo céleremente devido ao aumento dos salários reais obtidos pelos trabalhadores e à expansão do emprego. O pacote fiscal-tributário de dezembro de 1985, que entrou em vigor este ano, ao reduzir em termos globais o Imposto de Renda retido na fonte em 50%, contribuiu ainda mais para aquecê-lo ao expandir a renda disponível da sociedade. O Plano Cruzado, ao pôr cobro à ilusão monetária e desestimular as aplicações financeiras acabou provocando grandes saques também nas cadernetas de poupança, cujos recursos foram dirigidos para o consumo. E mais: pretensamente neutro, acabou promovendo expressiva re-distribuição de renda, favorecendo os salários mais baixos da economia. Assim, o consumo, já aquecido desde o segundo semestre de 1985, foi amplificado com a redução do Imposto de Renda retido e os efeitos positivos do Plano Cruzado. Essa exacerbação do consumo, numa situação de quase rigidez da oferta no curto prazo, acabou se traduzindo em grandes filas nos supermercados, cobranças de ágios sobre os preços, escassez de produtos onde os exemplos mais notórios e visíveis foram os casos do leite e da carne bovina. O primeiro teve seus preços congelados com uma defasagem de cerca de 40%, atravessando o período da entressafra, quando os custos se elevam. Para corrigir essa situação, o governo acabou concedendo um subsídio de 30% aos produtores, o que, embora tenha melhorado o seu problema, está longe de normalizá-la. No tocante à carne bovina, a situação foi mais complexa porque à expansão da demanda, de 30-35% desde meados de 1985, correspondeu uma retração da oferta interna, pois, no nível em que o seu preço foi congelado, o preço do insumo (o boi magro) acabou tornando-se, ainda que sancionado pelos próprios pecuaristas que apostaram contra o tabelamento de preços, mais caro que o produto final (o boi gordo). As insistentes ameaças do governo, seguidas de efetiva desapropriação, inicialmente de 2 mil bois no mês de outubro, acabaram garantindo o abate de 20 mil bois/dia no país, o que era a meta estabelecida pelas autoridades governamentais que pretendem regularizar o abastecimento interno com o aumento das importações.

Numa perspectiva mais ampla, as autoridades econômicas presas ao ingênuo objetivo de inflação zero têm procrastinado o enfrentamento dos problemas que surgiram ou foram amplificados com o Plano Cruzado acarretando sérias implicações para os propósitos do crescimento auto-sustentado e para viabilizar o programa de prioridades sociais da Nova República. A tentativa de correção de alguns preços da economia via redução ou isenção fiscal (leite, carne, cigarros, etc.) ou de aumento de subsídios para as estatais (RFFSA, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT, etc.) apenas tem agravado a situação das contas públicas, ampliando o déficit, sem equacionar de vez o problema e permitir a recuperação da capacidade de investimentos do setor público. Por outro lado, a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) teve por objetivo ampliar a poupança privada para viabilizar a implementação do Plano de Metas, elaborado para remover os pontos de estrangulamento na área de infra-estrutura econômica e insumos básicos e materializar o programa de prioridades sociais, além de desaquecer a demanda de alguns setores, mostrou-se tímido e insuficiente para ambos os propósitos. Ademais, o recurso às importações que vem sendo utilizado para garantir o abastecimento interno tem reduzido, embora não comprometedoramente, os saldos comerciais da balança comercial. Mas caso haja a provável necessidade de desviar as exportações de alguns produtos (aço, por exemplo), para atender as necessidades internas ou de ampliar suas importações, o país poderá ver comprometida a sua capacidade de pagamento de juros externos e tornar-se, dessa forma, vulnerável às pressões para aceitar o monitoramento do FMI e para abrir seu mercado aos investimentos estrangeiros nas áreas por estes mais cobiçadas (informática, por exemplo). Finalmente, a política monetária arrochada que vem sendo implementada para, através da elevação da taxa de juros, desaquecer o consumo e incentivar a poupança financeira, tem engendrado efeitos perversos sobre o custo da dívida pública e, portanto, sobre o déficit governamental e o nível de investimentos produtivos. Não parecem ser estes os caminhos mais adequados a serem percorridos para se fazer a correção de rotas do Plano Cruzado e viabilizar os objetivos de crescimento e de prioridade social propostos pela Nova República.

4. A necessidade de reforma do cruzado

Os resultados obtidos com o Plano Cruzado representam o sonho que todo economista cobiça materializar através de algum lance genial de política econômica: eliminar a inflação sem submeter o país aos maleficios da recessão e promover, ao mesmo tempo, uma significativa re-distribuição de renda. Movidas as primeiras peças, impõe-se, entretanto, a necessidade dos lances seguintes para que se removam os óbices e se consolidem os objetivos obtidos. Isso implica, no caso em tela, abandonar a posição de vincular o êxito do Plano à obtenção de inflação zero e fazer as correções necessárias sem perder o controle do processo inflacionario e sem comprometer o processo de crescimento e os ganhos obtidos pelas camadas de renda mais baixa com a redistribuição de renda ocorrida. Uma revisão dos preços em desequilíbrio, inclusive das empresas estatais, teria o condão de recompor a capacidade de investimentos de alguns setores e aumentar o autofinanciamento das empresas públicas com efeitos inflacionários apenas transitórios. Com isso, a expansão da oferta pode caminhar no sentido de reequilibrar-se com a demanda, ao mesmo tempo que a intensificação dos investimentos públicos, além de reduzir as incertezas que inibem os investimentos privados, constituiriam garantias de que a economia não cresceria de forma desequilibrada e que os gargalos potenciais de infra-estrutura econômica e insumos básicos começam a ser enfrentados.

Lado a lado com isso seria necessário avançar nas questões fundamentais para o crescimento auto-sustentado, como a redefinição do mecanismo de financiamento do setor público e privado, o que coloca como exigência reformas na área financeira, tributária e administrativa, que constarão da agenda da Assembléia Nacional Constituinte. Necessário, também, será adotar uma postura mais agressiva em relação à dívida externa, cujos encargos têm representado uma drenagem de recursos para o exterior da ordem de 5% do PIB, o que reduz, dramaticamente, a capacidade de investimentos do país.

Apesar dos problemas existentes, o Plano Cruzado reintroduziu as esperanças na sociedade brasileira. Fazer uma correção de sua rota é, assim, mais que necessário para que elas não desfaleçam. E, embora o trabalho pareça hercúleo, deve-se ter em mente que, dado o primeiro passo, os demais são conseqüências. E, ainda, que a construção de uma sociedade mais justa exige coragem, trabalho e sacrifícios. A adoção das medidas necessárias para reformar e completar á estratégia implícita no Plano Cruzado constitui o grande desafio que se apresenta.

Quais foram os resultados do Plano Cruzado?

Quais foram os efeitos do Plano Cruzado?

O Plano Cruzado teve o efeito imediato de aumentar o poder aquisitivo da população. A inflação, que no primeiro ano do governo Sarney havia chegado a 225,16%, em pouco tempo passou a apenas 2%. O país foi tomado por um clima de euforia.

Quais foram as principais medidas do Plano Cruzado e qual o seu resultado?

A solução encontrada pela equipe econômica formada por Sarney encontra-se no “Plano Cruzado”, anunciado em fevereiro de 1986, cujas principais medidas eram: congelamento de preços; substituição da moeda corrente do país, do cruzeiro para o cruzado (daí o nome do plano); gatilho salarial, uma medida de aumento dos ...

Qual foi o principal objetivo do Plano Cruzado?

O Plano Cruzado tinha como objetivo acabar com essa inflação inercial e criar bases para investimentos na produção e um novo ciclo de desenvolvimento. O nome formal do ajuste era Plano de Estabilização Econômica (PEE).