Por que a taxa de mortalidade infantil é maior no Norte e Nordeste?

A Síntese de Indicadores Sociais 2010, divulgada nesta sexta-feira (17) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelou que o número de crianças que morrem antes de completar um ano –ou seja, a taxa de mortalidade infantil– no Nordeste é duas vezes maior do que no Sul e no Sudeste e superior à registrada no país.

O estudo baseia-se em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 –na qual foram entrevistadas mais de 400 mil pessoas, em 154 mil casas– e nas pesquisas de Informações Básicas Municipais 2009 e de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009), entre outros levantamentos.

No Brasil, a cada mil crianças nascidas vivas, 22,5 morrem antes de completar um ano. No Nordeste, a taxa de mortalidade sobe para 33,2, a mais alta entre as regiões do país. No Sul e Sudeste, que possuem os melhores indicadores, 15,1 e 16,6 crianças morrem, respectivamente, sem completar um ano de idade, a cada mil nascidas vivas. No Centro-Oeste a taxa de mortalidade é de 17,8 e no Norte, de 23,5.

Estados
Entre 1999 e 2009, a taxa de mortalidade no Brasil caiu de 31,7 mortes por mil crianças para 22,5, o que representa uma variação de 29%. O Estado de Alagoas possui a taxa mais elevada, com 46,4 mortes por mil crianças nascidas vivas, seguido por Maranhão (36,5), Pernambuco (35,7) e Paraíba (35,2).

Na ponta oposta do ranking estão o Rio Grande do Sul, com 12,7 crianças mortas a cada mil nascidas vivas, São Paulo (14,5), Santa Catarina (15) e Distrito Federal (15,8), de acordo com o estudo do IBGE.

Mundo
A taxa de mortalidade infantil no Brasil é considerada média segundo os parâmetros da Unicef. A organização considera alta a taxa maior ou igual a 50 mortos por mil nascidos vivos; média, a taxa entre 20 e 49 mortos; e baixa, a taxa inferior a 20.

Segundo relatório da Unicef publicado em 2009, com dados de 2008, a África possui uma taxa de mortalidade infantil de 79 mortes por mil nascidos vivos, o pior desempenho entre as regiões do mundo –na América Latina e o Caribe, a taxa é de 19 mortes. No mundo, entre 1990 e 2008, a mortalidade infantil caiu de 62 para 45 mortes por mil nascidos vivos.

A Unicef também estabelece parâmetros para observar a taxa de mortalidade entre crianças menores de cinco anos. Nesse indicador, a taxa de mortalidade no Brasil era, em 2008, de 22 mortes para cada mil crianças, o que fez o país ocupar a 100ª posição em um ranking com 188 países.

De acordo com a Unicef, os piores indicadores foram registrados no Afeganistão, com 257 mortes para cada mil crianças de até cinco anos, e em Angola (220 mortes). O país com o melhor desempenho é a Suécia, com 3 mortes em 2008.

A mortalidade infantil e na infância é um dos principais indicadores que subsidiam a qualidade da Saúde para gestantes, recém-nascidos e crianças menores de 5 anos. De acordo com o Cenário da Infância e Adolescência 2021, da Fundação Abrinq, a taxa de mortalidade infantil — menores de 1 ano — é de 12,4 para cada 1.000 nascidos vivos e a mortalidade na infância — menores de 5 anos — é de 14,4 para cada 1.000 nascidos vivos. 

O indicador é preocupante, uma vez que 65,8% dos óbitos de crianças menores de 1 ano poderiam ser evitados, sendo 54,6% por melhorias na assistência à mulher durante a gravidez, parto ou recém-nascido, 6,4% por meio de ações de tratamento e diagnóstico adequados e 4,8% por ações de promoção à Saúde. 

De acordo com a meta 3.2 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Brasil precisa, até 2030, enfrentar as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos, objetivando reduzir a taxa da mortalidade infantil para no máximo cinco por 1.000 nascidos vivos e a mortalidade na infância para no máximo oito por 1.000 nascidos vivos. 

Tais índices mostram que o país está acima do estipulado pela Agenda 2030. Ao analisar os indicadores por região, o cenário fica ainda mais alarmante: as regiões Norte e Nordeste superam a taxa nacional, conforme mostram os gráficos abaixo. 

Por que a taxa de mortalidade infantil é maior no Norte e Nordeste?
Por que a taxa de mortalidade infantil é maior no Norte e Nordeste?

Combater a mortalidade infantil e na infância é um dos principais objetivos da Fundação Abrinq, que promove iniciativas como o Programa Mortalidade Zero, cujo objetivo é diminuir o número de mortes por causas evitáveis em Sergipe. 

Para isso, a instituição fortalece as políticas públicas locais e promove formações aos profissionais de Saúde, bem como estimula a criação de grupos de gestantes e a implantação de comitês de mortalidade infantil. Esta última ação é fundamental para entender o motivo dos óbitos que poderiam ser prevenidos e, assim, propor melhorias e soluções para os municípios e estados evitarem novos casos. 

Para explicar o que é um comitê de mortalidade infantil e como ele pode ajudar o país a melhorar os indicadores relacionados à Saúde, a Fundação Abrinq conversou com a Cristine Bonfim, integrante do Comitê Estadual de Prevenção e Redução da Mortalidade Infantil e Fetal (CEMFI), pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco. Confira a entrevista completa: 

O que é um comitê de mortalidade infantil? 

Os comitês de mortalidade fetal e infantil consistem em uma estratégia para a melhoria da organização da saúde materna e infantil, com vistas à melhoria da qualidade dos cuidados durante a gravidez, parto, nascimento e acompanhamento durante o primeiro ano de vida, com o propósito de reduzir as mortes evitáveis, bem como contribuir com a melhoria da qualidade dos registros de estatísticas vitais — nascimentos e óbitos infantis.

Trata-se de organismos de natureza interinstitucional, multiprofissional, tem caráter técnico-científico, sigiloso, educativo e não coercitivo ou punitivo. 

O CEMFI, por exemplo, é um órgão interinstitucional, multiprofissional, confidencial, consultivo e propositivo, com o objetivo de monitorar a ocorrência dos óbitos fetais e infantis, identificar as circunstâncias e os determinantes da mortalidade para propor medidas para a melhoria da qualidade da assistência à saúde visando a prevenção e redução da mortalidade. 

O que ele faz na prática? 

Todos os óbitos fetais e infantis são investigados nos serviços de saúde que prestaram assistência ao caso e pelos municípios no tocante a investigação domiciliar e ambulatorial para avaliar toda a linha de assistência desde a atenção primária até a secundária e terciária. No caso do CEMFI essa investigação é realizada pela vigilância do óbito. Todas as circunstâncias de ocorrência dos óbitos são analisadas na perspectiva da possibilidade de prevenção. A partir daí é possível propor medidas de prevenção e realizar correções nos dados dos sistemas de informações de estatísticas vitais, além da divulgação de informações. 

O comitê se reúne mensalmente para discutir a situação da mortalidade fetal e infantil. 

Por que o comitê é relevante para controlar os óbitos por causas evitáveis? 

Diversos estudos realizados pelo país demonstraram que a maior parte, cerca de 80%, dos óbitos fetais e infantis são evitáveis. Então, ao investigar, identificar as causas, a cadeia de eventos que levaram ao óbito e as eventuais falhas na assistência, pode prevenir outras mortes por causas similares, promover a correção dos problemas que contribuíram para aquela ocorrência, sugerir mudanças de protocolos, além de atuar de forma educativa para sensibilizar os profissionais diretamente envolvidos na assistência. 

Ele possui influência na saúde pública de qualidade? 

Sim. Identificar falhas na assistência tem um papel importante para a melhoria da linha de cuidado materno infantil. No entanto, a sensação entre os que compõem o comitê é que os problemas de Saúde persistem e são sempre os mesmos. Isso ocasiona um certo sentimento de frustração entre os integrantes. Mas a persistência no objetivo de reduzir a mortalidade fetal e infantil e melhorar a assistência mantém o comitê resiliente. 

Quais profissionais integram ou podem integrar o comitê?

Participam do comitê integrantes de instituições governamentais e da sociedade civil organizada.

Fazem parte [no caso do CEMFI] da composição integrantes de diversas áreas da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, como vigilância epidemiológica, saúde da criança, saúde da mulher, atenção primária, Mãe Coruja, entre outros. Além da Secretaria, tem-se os conselhos municipais de saúde e os de direitos da criança, Conselho Regional de Enfermagem (COREN), Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (CREMEPE), instituições de pesquisa, universidades, entre outros. 

Considerando que o comitê é multiprofissional, vários profissionais podem participar desde que indicados por uma das instituições que o compõem. Atualmente, temos no comitê enfermeiras, médicas e sanitaristas.

Trata-se de um órgão obrigatório nos municípios e estados? 

A Portaria nº 72 de 11 de janeiro de 2010 estabelece a obrigatoriedade da vigilância do óbito fetal e infantil nos serviços públicos e privados que integram o Sistema Único de Saúde. Essa mesma Portaria não estabelece a obrigatoriedade para a implementação de comitês. 

Considerando a importância que ele tem para a prevenção do óbito fetal e infantil, monitoramento e contribuição para a qualidade da assistência, é fortemente recomendada a sua implantação nos municípios e estados. 

No âmbito estadual é uma situação de mais fácil operacionalização. Já nos municípios, considerando as diferenças de porte populacional, econômicas e sociais, é mais complicado. Uma alternativa é que os municípios se juntem e formem comitês regionais. 

Como as cidades podem implementar um comitê do zero? 

Pela sensibilização dos profissionais de saúde, gestores, instituições públicas e entidades da sociedade civil, pois eles irão participar da composição do comitê. Essa sensibilização pode ser feita mediante seminários, oficinas e palestras e, nesses encontros, é importante destacar os objetivos e o caráter educativo, confidencial e não punitivo do órgão. 

Outra estratégia importante é conhecer a experiência de outros comitês, os êxitos, a forma de funcionamento e a operacionalização, obviamente adequando às realidades locais. 

Para a oficialização do comitê é necessária a publicação de Portaria/ Resolução instituindo o órgão e a elaboração do regimento interno com os objetivos, finalidades, competências, atribuições e funcionamento. 

Por que a região Nordeste apresenta a maior taxa de mortalidade infantil?

As duas principais causas nessa faixa etária são problemas originados no nascimento ou nos primeiros dias de vida, como falta de oxigenação no parto ou prematuridade, e más-formações congênitas. Juntos, os dois grupos de patologias provocaram 29,1 mil óbitos - 80% do total.

Qual região tem a maior taxa de mortalidade infantil?

No ranking dos estados que concentram maior taxa de mortalidade infantil estão Roraima (20,69%), Amazonas (19,77%), Acre (18,04%), Amapá (16,78%), Sergipe (16,76%) e Bahia (15,27%).

Qual é a taxa de mortalidade infantil na região Nordeste?

A taxa de mortalidade no Nordeste apresenta queda de 45,3% passando de 26,5 por mil nascidos vivos, em 2000, para 14,5 mortes por mil nascidos vivos em 2014.

O que explica as elevadas taxas de mortalidade infantil do Nordeste bem como sua queda nos últimos anos?

Causas da Mortalidade Infantil Precariedade e falta de investimento dos sistemas públicos de saúde. Carência de saneamento básico. Falta de assistência e acompanhamento das gestantes (pré-natal, neonatal, pós-natal) Ausência de políticas públicas efetivas nas áreas da educação e saúde.