O humus incorpora carbono por quê

Confira o capítulo do livro microbiologia do solo sobre transformações do carbono no solo , escrito por Elke Jurandy Bran Nogueira Cardoso Fernando Dini Andreote

O humus incorpora carbono por quê
O humus incorpora carbono por quê

Introdução 

A vida como nós a conhecemos está baseada numa estrutura de carbono, o elemento essencial e em maior abundância em toda estrutura celular. Por esse motivo este é o elemento de maior demanda para a formação de novas célula e consequentemente mais abundantemente necessário para a nutrição de plantas, animais e microrganismos dos solos. 

Na biosfera, os grandes reservatórios de carbono estão sob a forma de combustíveis fósseis, ou na forma de carbonatos dissolvidos nas águas oceânicas. No entanto, a fração do carbono do solo suscetível a ser utilizada no processo nutricional dos organismos que ocupam este nicho ocorre principalmente sob a forma de carbono orgânico. Os teores de C em formas orgânicas (C orgânico) no solo estão diretamente relacionados à biosfera, sendo originados primariamente por meio do processo da fotossíntese (6CO2 +6H2 O + energia → C6 H12O6 + 6O2 ) (CAMPBELL, 2000), são assimilados e posteriormente incorporados à matéria orgânica do solo (MOS) (Figura 6.1).

O humus incorpora carbono por quê
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O termo MOS se refere a todos os compostos que contêm carbono orgânico (CO), incluindo microrganismos vivos e mortos, resíduos de plantas e animais parcialmente decompostos, produtos de sua decomposição e substâncias orgânicas microbiológica e/ou quimicamente alteradas (CARDOSO et al., 1992). Esse conceito é muito abrangente, determinando uma composição extremamente complexa, em função da mistura de diferentes compostos e à grande variedade de processos naturais de degradação e síntese que ocorrem na sua formação (SILVA et al., 2010; SANTOS et al., 2008). 

O carbono constitui aproximadamente 58% da composição da MOS (SILVA; MENDONÇA, 2007). Apesar de representar pequena parte (0,5 a 5 %) quando comparada à fração mineral, a MOS é de suma importância para os sistemas agrícolas e florestais devido aos diversos benefícios produzidos nas propriedades químicas, físicas e biológicas do solo. Como propriedade biológica, a maioria dos organismos do solo, os quais constituem quase a totalidade da fração viva da MO, utiliza os compostos orgânicos da MOS como fonte de energia e nutrientes para a realização dos processos de transformação do C, incluindo a mineralização, imobilização e a formação de substâncias húmicas (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

Neste contexto, os compartimentos da MOS, incluindo teores de C, índices de biomassa microbiana e atividade enzimática no solo têm sido utilizados como indicadores da qualidade do solo. Esse termo é conceituado como a capacidade do solo em manter a produtividade biológica, a qualidade ambiental e a vida vegetal e animal saudável no sistema terrestre (DORAN; PARKIN, 1994; MIELNICZUK, 1999). Dessa forma, tais atributos do solo são utilizados por serem sensíveis ao tipo de manejo e às alterações causadas no solo, além de serem facilmente determináveis. A partir desses é possível inferir sobre a condição de determinado sistema e tomar decisões visando a minimização dos impactos negativos causados no solo. 

As Transformações do Ciclo do C no Solo 

As transformações do C no solo compreendem, essencialmente, duas etapas: a fixação do C-CO2 e a regeneração, os quais são regulados por processos de oxidação do C, que regulam os fluxos de CO2 para compostos orgânicos e destes para CO2 e CH4 , determinando entradas e saídas de C (Tabela 6.1), correspondendo, respectivamente, à fonte e dreno de C no sistema solo-atmosfera (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006; SILVA; MENDONÇA, 2007). 

A fixação do C-CO2 atmosférico é efetuada pelos organismos fotossintéticos – plantas, algas, e bactérias autotróficas. Esta etapa finalizase na síntese de compostos hidrocarbonados de complexidade variável: carboidratos, hemiceluloses, celuloses, ligninas, proteínas, óleos, ácidos nucleicos e outros polímeros. Estes compostos retornam ao solo como forma de resíduos vegetais, sendo utilizados pelos organismos que regeneram o C-CO2 durante as reações de oxidação respiratória, utilizando a energia que lhes é indispensável para manutenção e crescimento (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

A regeneração corresponde às diferentes etapas de decomposição das substâncias carbonadas por meio da atuação dos microrganismos do solo. Esta etapa inicia-se pela entrada de C no solo, a qual está relacionada, principalmente, com o aporte de resíduos da biomassa aérea e radicular das plantas, liberação de exsudatos radiculares, lavagem de constituintes solúveis da planta pela água da chuva e transformação desses materiais carbonados pelos macro e microrganismos do solo (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).

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Decomposição da MOS 

No processo de decomposição os microrganismos atuam como transformadores, enquanto os macrorganismos, representados especialmente por invertebrados macroscópicos ou microscópicos, atuam como reguladores do processo. Dessa forma, micro e macrorganismos atuam interativamente constituindo a cadeia trófica, em que os reguladores têm a função de trituradores dos materiais orgânicos, atuando como predadores e parasitas, enquanto fungos e bactérias são essencialmente decompositores primários (SANTOS et al., 2008). 

A decomposição é conceituada como a quebra do material orgânico particulado, geralmente na forma de polímeros (compostos químicos de estrutura molecular complexa), em compostos solúveis que são absorvidos pelas células microbianas. Após trituração dos resíduos pelos macrorganismos, os microrganismos entram em contato com o material orgânico restante. A decomposição do material orgânico ocorre em função do grau de degradabilidade do resíduo que é relacionado à sua quantidade relativa e constituição química, o que infere sobre a recalcitrância do composto (SANTOS et al., 2008). 

A fração composta por substratos prontamente decomponíveis (ou C lábil) tende a se transformar rapidamente em CO2 e biomassa microbiana e, em seguida, são transformados os componentes químicos mais resistentes e a própria fração da nova biomassa morta. O processo perdura por meses ou anos até a completa degradação e mineralização dos constituintes orgânicos. No entanto, a decomposição de resíduos com constituição mais complexa pode distinguir estádios com diferentes características quanto à dinâmica do processo, na qual distinguem-se: frações que se decompõem rapidamente (<1 ano), frações com taxa de decomposição intermediária (<10 anos) e aquelas recalcitrantes, que praticamente não se decompõem, exigindo mais de 100 anos para se decompor (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

Mineralização da MOS 

A ação de enzimas extracelulares sobre macromoléculas resulta na liberação de substâncias de baixo peso molecular (monômeros) durante os processos de degradação, as quais são absorvidas e metabolizadas por células microbianas, transformando-as em formas inorgânicas. Este processo procede à decomposição, constituindo-se essencialmente na mineralização da MO, a qual ocorre simultaneamente com a imobilização de nutrientes minerais, atendendo à demanda nutricional da microbiota (Figura 6.2) (CARDOSO et al., 1992; MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).

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Produção e oxidação do metano 

Um aspecto de grande importância no ciclo do C é a produção (metanogênese) e a oxidação do CH4 (metanotrofia) no solo (Figura 6.2.). O gás metano é um dos principais gases que contribuem para o efeito estufa, tendo um potencial de armazenamento de calor (efeito estufa) trinta vezes maior do que uma molécula de dióxido de carbono (MCCAUGHEY, 1997).

O processo de metanogênese é baseado na respiração anaeróbia, que ocorre em condições muito redutoras (-200 mV), a qual resulta na produção de CH4 , que também pode ser produzido em solos aeróbios, através de microssítios anaeróbios. Nestas condições, os microrganismos fermentadores produzem ácidos graxos, compostos aminados e aromáticos que são utilizados por redutores de H que usam estes compostos como aceptores de elétrons formando H2 e CO2, os quais são utilizados pelas arquéias metanogênicas (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

As arqueias metanogênicas são encontradas no filo Euryarcheota e podem ser divididas em dois grupos principais: i) hidrogenotróficas grupo mais comum entre as metanogênicas, constituídas de organismos quimiolitotróficos que utilizam o H2 e o CO2 para a produção do metano; ii) acetoclásticas, que utilizam o acetato resultante da degradação da matéria orgânica para a produção de metano, sendo responsáveis por cerca de dois terços da biogênese do metano produzido anualmente na Terra (ARONSON; ALLISON; HELLIKER, 2013; CONRAD, 1999; MADIGAN et al., 2012). 

Para a detecção, quantificação e classificação destes microrganismos em diferentes ambientes, a utilização de métodos independentes de cultivo são muito utilizados, a região codificadora da isoenzima de metil-coenzima M redutase (MRT) é expressa em todos os organismos metanogênicos através do gene funcional mcrA α (LUTON et al., 2002). 

No entanto, solos agrícolas aerados podem atuar como dreno de CH4 da atmosfera, a partir da utilização do CH4 por bactérias metanotróficas (Figura 6.2.). As bactérias metanotróficas constituem um grupo único de microrganismos, fisiologicamente distinto por sua habilidade em utilizar o CH4 como única fonte de C e energia com a capacidade de oxidá-lo biologicamente, proporcionando uma grande economia de energia em comparação com a assimilação de carbono por organismos autotróficos. Estas representam um importante papel no fluxo líquido de metano no sistema solo-atmosfera, formando uma barreira biológica no solo (TESSARO, 2012; COSTELLO; LIDSTROM, 1999; MADIGAN et al., 2012). 

O metano é oxidado primordialmente em condições aeróbicas, porém em ambientes sem oxigênio, a oxidação do metano pode ser realizada através de um consórcio entre as arquéias metanogênicas e as bactérias redutoras de sulfato (ARONSON; ALLISON; HELLIKER, 2013; MADIGAN et al., 2012).

As bactérias metanotróficas são classificadas filogeneticamente em oito gêneros que se enquadram em duas classes, Alphaproteobacteria (possuindo o tipo II de metanotrofia) e Gammaproteobacteria (possuindo o tipo I de metanotrofia). Os tipos I e II de metanotrofia são funcionalmente distintos, sendo ativos com diferentes concentrações ótimas de oxigênio, metano e nitrogênio (HANSON; HANSON, 1996; MADIGAN et al., 2012). 

De maneira geral, os organismos metanotróficos utilizam como primeiro passo para a oxidação do metano a incorporação de átomos de oxigênio em compostos de carbono, o que é realizado por meio da atividade da enzima metano monooxigenase (MMO). Assim, os métodos independentes de cultivo podem nos proporcionar a melhor avaliação da diversidade utilizando como marcador o gene que codifica a subunidade alfa desta enzima, o gene pmoA (COSTELLO; LIDSTRON, 1999). 

Natureza e Biodegradação de Constituintes Orgânicos do Solo 

Uma vez que a MOS se constitui na fonte energética dos organismos, além da quantidade, comumente alterada pelas práticas de manejo, a qualidade do material orgânico adicionado tem forte influência no tamanho das populações e na atividade dos organismos do solo, de modo a influenciar diferentemente a ciclagem dos nutrientes neste ambiente. Dessa forma, a decomposição dos resíduos orgânicos varia em função do potencial de assimilação dos microrganismos e de sua persistência no solo (recalcitrância do resíduo orgânico), os quais são inerentes à estrutura química das moléculas, à bioquímica no que diz respeito às enzimas e rotas de degradação e à capacidade degradadora da microbiota (CARDOSO et al., 1992; MOREIRA; SIQUEIRA 2006; SANTOS et al, 2008). 

Alguns fatores relacionados à composição química dos compostos orgânicos adicionados ao solo favorecem o processo de decomposição, como o baixo teor de lignina ou de compostos fenólicos, alto teor de materiais solúveis e de nitrogênio e partículas de tamanho reduzido com baixa relação C/N. Os principais compostos químicos tidos como substratos para a microbiota são a celulose, hemicelulose e lignina, apresentados brevemente abaixo. 

Celulose é o polissacarídeo de maior ocorrência natural, representando a maior parte do CO2 fixado pelas plantas. Formada por cadeias de unidades de glicose, ligando-se ao C4 da unidade seguinte por uma ligação de glicosídeo ou ligação β-1,4. Sua decomposição no solo ocorre por ação de enzimas (celulases) produzidas por uma vasta e diversa população fúngica (destaque para os gêneros Trichoderma, Chaetomium, Penicillium, Aspergillus, Fusarium e Phoma) e diversas bactérias aeróbicas e anaeróbicas (DENG; TABATABAI, 1994; MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

Hemicelulose é um polissacarídeo constituído por arranjos de pentoses (como xilose e arabinose), hexoses (como a manose, glicose e galactose) e, algumas vezes, por ácidos urônicos (como o glucurônico e galacturônico). Exemplos de hemicelulose são as xilanas, mananas e galactanas. Muitas enzimas estão envolvidas na sua degradação, as quais são produzidas por fungos e bactérias, sendo as actinobactérias um grupo de destaque neste processo no solo (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

Lignina é um polímero natural, derivado de grupos fenilpropanóides denominados C6 C3 ou, simplesmente, unidades C9, repetidas de forma irregular, que, têm sua origem na polimerização desidrogenativa do álcool coniferílico. As ligninas são formadas a partir de três precursores básicos, que são os álcoois p-cumarílico, coniferílico e sinapílico (BUDZIAK et al., 2004). Apresenta elevada recalcitrância em função do seu alto peso molecular e à estrutura tridimensional que confere alta estabilidade química. Ganha ainda importância neste ponto a ocorrência de anéis aromáticos compondo sua estrutura. Sua decomposição é realizada por lacases e peroxidases. A lignina em materiais ligno-celulósicos protege a celulose e a hemicelulose das enzimas que digerem os polissacarídeos, cujos monômeros entram na célula microbiana e sofrem degradação; por isso o teor deste componente se relaciona inversamente à taxa de decomposição dos materiais vegetais. A degradação da lignina no solo se dá principalmente por grupos especializados de fungos pertencentes à ordem Agaricales (Basidiomicetos) e por alguns Ascomicetos, dentre os quais os mais eficientes e mais estudados são Pleurotus ostreatus, Phanerochaete versicolor e o Phanerochaete chrysospirum (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

Esses componentes sofrem alterações diferenciadas no solo, por exemplo, celulose e hemicelulose são degradados rapidamente, diminuindo-se suas porcentagens em relação à da serapilheira originalmente depositada, enquanto a lignina aumenta devido à sua recalcitrância e as proteínas se acumulam devido à formação de biomassa microbiana que é rica nestes constituintes (CARDOSO et al., 1992; MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).

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Relações do C: Imobilização e Mineralização 

A contribuição da microbiota do solo na ciclagem de nutrientes, imobilizados em sua biomassa, pode ser predita por meio de suas proporções em relação às formas totais desses nutrientes. Assim como a relação C/N, as relações C/P, C/S e P/S da biomassa microbiana podem ser utilizadas para indicar como estas influenciam a disponibilidade desses nutrientes no solo. As relações mais estreitas podem resultar em maior mineralização desses nutrientes, enquanto relações mais largas podem levar à imobilização dos mesmos (Tabela 6.2) (PAUL; CLARK, 2007). 

De modo geral, haverá mineralização líquida desses nutrientes quando as relações C/N, C/P e C/S forem, respectivamente, menores que 30, 200 e 300 (Tabela 6.2). Isso indica que o requerimento relativo de N pelos microrganismos é maior que o de P, que por sua vez, é maior que o de S, bastando apenas que o resíduo orgânico adicionado ao solo tenha uma relação C/N superior a 30 para que o processo de imobilização de N predomine em relação à mineralização deste nutriente. Considerando as formas de N, P e S, conclui-se que, durante o processo de mineralização de MOS, a taxa de liberação desses elementos será distinta, fazendo com que os processos de acúmulo e mineralização de C e N sejam distintos daqueles do P e S (Tabela 6.2) (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).

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Quando os processos de mineralização predominam em relação aos de imobilização, a MOS funcionará como fonte de nutrientes, aumentando a disponibilidade destes às plantas. Em contrapartida, quando a imobilização prevalece sobre a mineralização, a MOS passa a reter o nutriente, diminuindo sua disponibilidade para as plantas. A maior disponibilidade de substrato resulta no incremento da biomassa microbiana, a qual reflete em temporária imobilização de C (PAUL; CLARK, 2007). 

Biomassa microbiana 

A biomassa microbiana (BM) é a principal constituinte da MOS viva, excluídas as raízes e animais maiores que 5 x 10 µm. Corresponde a valores entre 1 e 5 % do carbono orgânico total (COT) em solos tropicais, sendo composta, principalmente, por bactérias, fungos, actinomicetos, nematóides e protozoários (STEVENSON, 1994). 

Embora o número de bactérias normalmente seja superior ao de fungos, estes, pela maior massa corpórea, respondem por cerca de 60 a 80 % da biomassa microbiana. A biomassa microbiana é essencial nos processos de decomposição de resíduos, atua na estabilização de agregados do solo e na formação da MOS humificada, além de representar fonte lábil de nutrientes às culturas (DICK et al., 2009). 

A biomassa microbiana atua essencialmente como agente de decomposição dos resíduos adicionados ao solo onde concorre com as plantas pelos nutrientes, podendo inclusive causar imobilização temporária, principalmente de N. Também funciona como um compartimento que libera rapidamente os nutrientes às plantas pelo processo de mineralização dos resíduos e morte dos organismos (SILVA et al., 2010), representando uma fonte lábil de nutrientes às culturas (DICK et al., 2009). Além disso, contribui para a estabilização de agregados do solo e a formação da MOS humificada ou húmus. Nos processos de decomposição e mineralização o destino inicial do C proveniente dos resíduos orgânicos é o C da biomassa microbiana, o qual pode passar posteriormente para formas mais estáveis de C no solo, sendo a maior parte perdida para a atmosfera como CO2 (CARDOSO et al., 2011). 

O C associado à biomassa microbiana representa um dos compartimentos da MOS com menor tempo de ciclagem; 2,5 anos em condições de clima temperado e 0,25 anos em condições de clima tropical úmido (SILVA et al., 2010), com tendência de a biomassa microbiana ser maior em camadas mais superficiais pela maior disponibilidade de matéria orgânica, água e outros nutrientes. 

A biomassa microbiana está diretamente relacionada aos teores de MOS e à fertilidade do solo, e por isso responde rapidamente às práticas que levam ao decréscimo ou acréscimo da MOS. No sistema de plantio direto, por exemplo, a biomassa microbiana é favorecida pelo aumento do teor de MOS, em função da ausência de revolvimento do solo, pela ênfase à rotação de culturas e à implantação de vegetação de cobertura de solo em períodos em que o solo não é utilizado para culturas comerciais (SILVA et al., 2010). Frequentemente estes fatores podem afetar o crecimento vegetal, o qual é normalmente favorecido em condições de baixo revolvimento do solo, conforme pode se visto na Figura 6.3. 

Para qualquer subárea da Ciência do Solo, é interessante determinar as quantidades de C que compõem a biomassa microbiana, uma vez que este parâmetro é considerado um indicador da qualidade do solo facilmente determinado.

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Enzimas do Solo 

As transformações bioquímicas no sistema solo-planta são dependentes ou relacionadas à presença das enzimas, as quais têm participação essencial nos ciclos dos elementos no solo. 

As enzimas mais comumente analisadas são aquelas ligadas aos ciclos da MOS e dos macronutrientes C, N, S e P, como β-glicosidase, invertase e galactosidase, as quais desempenham papel fundamental na liberação de açúcares de baixo peso molecular, que são importantes fontes de energia imediata para os microrganismos; as celulases, responsáveis pela hidrólise da celulose, além das desidrogenases, as quais indicam o estado metabólico da biomassa microbiana, dado o seu relacionamento direto com a atividade de oxidação da MOS (TÓTOLA; CHAER, 2002). 

Outras importantes enzimas envolvidas em reações de transformações no solo são as hidrolases e oxirredutases que controlam os processos de decomposição dos materiais orgânicos e transformações inorgânicas, além das transferases e liases, que se relacionam às principais catálises que ocorrem no solo. Essas quatro classes destacam-se pelas enzimas que promovem a quebra de ligações químicas, reações de oxirredução, transferências de constituintes e adição ou remoção de grupos químicos, representando a base das transformações químicas do solo (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 

Estudos relacionados ao fracionamento físico do solo indicam a predominância da atividade de várias enzimas como catalase, desidrogenase, urease e protease nas microunidades estruturais com diâmetros menores que 50 µm, indicando que a atividade enzimática apresenta forte relação com o estado de agregação do solo. Neste contexto, vale destacar que enzimas livres também podem formar complexos com colóides húmicos, estabilizando-se na superfície de partículas de argila ou da MOS (BOYD; MORTLAND, 1990), mantendo-se ativas por períodos variáveis (TÓTOLA; CHAER, 2002). 

As enzimas são essenciais nos ciclos dos elementos no solo e, como são sintetizadas principalmente pelos organismos que nele crescem, as condições que favorecem a atividade microbiana, como adubação orgânica, presença de vegetação (rizosfera) e rotação de culturas, também favorecem a atividade enzimática (TABATABAI, 1994) que frequentemente se correlaciona positivamente com a produtividade ou qualidade do solo. Por esta razão e por serem muito sensíveis a mudanças no solo (DICK et al., 1994), as enzimas são consideradas bons indicadores de qualidade do solo (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006; TÓTOLA; CHAER, 2002; VASCONCELLOS et al., 2013).

Estudo de caso 

Brandani (2013) comparou diferentes manejos do solo em cultivos de cana-de-açúcar (manejo convencional com e sem queima, adubação orgânica há quatro e 12 anos) e uma área sob vegetação nativa e quantificaram o C da biomassa microbiana (CBM) pelo método de extração-fumigação conforme Vance et al. (1987). Nesse estudo, o CBM mostrou ser uma variável sensível ao tipo de manejo dado ao solo, evidenciando-se para os sistemas conservacionistas (adubação orgânica e colheita sem queima) valores de CBM próximos aos teores observados para a vegetação nativa (Figura 6.1). Os teores de CBM variaram de 144,21 a 608,51 µg/g de solo, observando-se diferença significativa (p < 0,05) entre as áreas avaliadas. Considerando as áreas cultivadas com cana-deaçúcar sob diferentes manejos, o maior teor foi observado para o sistema de adubação orgânica adotado há 12 anos (506,61 µg/g solo) e o menor para a área sob manejo com queima (144,21 µg/g solo). Esses resultados corroboram os trabalhos de Galdos et al. (2009), Signor (2010) e Barbosa (2010), nos quais também foram observados maiores teores de CBM em solos sob sistema de colheita de cana-de-açúcar sem queima. 

Em relação ao manejo com adubação orgânica, Barbosa (2010) também observou que o sistema de cultivo orgânico comparado ao convencional promoveu aumentos significativos no CBM, com incremento de 115 % em relação à cana sem queima e 157 % em relação à cana queimada. No entanto, o maior teor de C da biomassa microbiana foi observado para a área de mata nativa (608,51 µg/g solo). Teores elevados de CBM, (618 e 401 µg/g solo, respectivamente) também foram observados por Galdos et al. (2009) em uma vegetação nativa e por Gama-Rodrigues et al. (1997, 2005) em plantios de eucalipto. 

Alguns fatores são responsáveis pelas condições mais favoráveis ao desenvolvimento microbiano em condições de vegetação natural, como o menor revolvimento do solo, a maior quantidade e qualidade de resíduos aportados ao solo, a maior quantidade de raízes e melhores condições de umidade e temperatura (FIALHO, 2006).

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Fonte

BRANDANI, C. B.; SANTOS, D. G. dos; TRANSFORMAÇÕES DO CARBONO NO SOLO In: CARDOSO, Elke Jurandy Bran Nogueira ; ANDREOTE, Fernando Dini. Microbiologia do solo. [s.l.]: Universidade de São Paulo. Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2016. Disponível em: <https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/109>. Acesso em: 22 set. 2022.

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Daniel Vilar

Agrônomo e produtor de conteúdo na Agriconline

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O que o húmus resulta?

Ele fornece nutrientes para as plantas, regula as populações de micro-organismos e torna os solos férteis. O húmus também é fonte de carbono, nitrogênio, fósforo, cálcio, ferro, manganês, entre outras substâncias essenciais para o crescimento saudável dos vegetais.

Como é constituído o húmus?

Húmus é o produto resultante da matéria orgânica decomposta, a partir do processo digestório das minhocas, formando uma compostagem natural, agregando ao solo os restos de animais e plantas mortas e também seus subprodutos.

Qual é a função do húmus no solo?

O húmus aumenta a capacidade de troca catiônica do solo (a famosa CTC), daí sua capacidade de armazenar nutrientes por quelação – desas forma os nutrientes permanecem disponíveis para as plantas, mas são mantidos no solo e impedidos de serem lixiviados pela chuva ou irrigação.

Quais são as características do húmus?

Húmus é a matéria orgânica depositada no solo, que resulta da decomposição de animais e plantas mortas, ou de seus subprodutos. O húmus se forma através de um processo natural, produzido por bactérias e fungos do solo, e agentes externos como a umidade e a temperatura contribuem para a humificação.