De que forma os conflitos religiosos na europa influenciaram a ida para a América do norte

De que forma os conflitos religiosos na europa influenciaram a ida para a América do norte

Ensaio de análise macro-histórica da violência religiosa

Bruno Cardoso Reis

Texte intégral

1É frequente a afirmação de que ο homem é um animal cultural, ou mesmo mais especificamente religioso. Não menos frequente é a ideia de que ο homem é por excelência um animal violento. Qual a relação entre uma e outra destas dimensões é uma questão que se tornou particularmente premente na sequência dos ataques de 11 de Setembro de 2001 aos EUA por Islamistas radicais do grupo Al-Qa'ida.

2Nós propomo-nos abordar ο problema do ponto de vista de saber qual é ο papel das religiões na segurança internacional numa perspectiva macrohistórica, simultaneamente de longa duração e global. Esta abordagem, ainda que difícil, parece-nos importante, apesar dos limites impostos por um texto desta natureza não nos permitirem senão avançar algumas pistas sob a forma de ensaio do que poderá ser uma abordagem histórica da violência religiosa na longa duração, um tema evidentemente muito rico e de grande complexidade. Mas ο critério fundamental na escolha da escala de uma análise deve ser ο da sua adequação ao tema que se pretende abordar e a esse nível parece-nos inegável a pertinência desta opção, pois só assim se poderá escapar a generalizações e comparações abusivas a partir de um par de exemplos ou de um período que bem pode revelar-se atípico. Finalmente, mesmo num estudo mais aprofundado, não poderíamos, tratando-se do estudo de grupos humanos, para mais extremamente vastos, almejar alcançar leis absolutamente determinadas, mas apenas tendências e distinções significativas. Que relação se pode estabelecer entre religião e violência no decurso da história humana? Será que existe realmente algo que possamos designar como violência religiosa? Todo ο texto que se segue poder ser lido como uma tentativa de responder a ambas as questões.

  • 1 R. Scott APPLEBY, The Ambivalence of the Sacred, (Nova Iorque: Rowman and Littlefield, 1998).
  • 2 Ο texto continua disponível online numa revista brasileira, cf. José SARAMAGO, «O Factor Deus», Pol (...)
  • 3 Salmon RUSHDIE, «A war that presents us all with a crisis of faith», The Guardian, 3.11.2001.

3A verdade é que é difícil encontrar dois conceitos mais abrangentes e complexos do que os de religião e violência. Por isso, não espanta que frequentemente as tentativas de resposta a esta questão insistam na ambivalência, na ambiguidade da relação entre ambos. Um dos livros de referenda recentes sobre estas questões, intitula-se precisamente The Ambivalence of the Sacred1. Depois do terrível ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001 haverá talvez muitos que considerem que ficou definitivamente desfeita qualquer ambiguidade. Os terroristas islamistas terão deixado claro que as religiões promovem a violência, ou mesmo, que seriam historicamente as grandes responsáveis pela violência no mundo. Ο texto de José Saramago, publicado no Público e também na imprensa brasileira, «O Factor Deus», foi talvez a afirmação com mais impacto deste tipo de teses em português2. Mas teve grande eco internacionalmente um texto de teor parecido mas algo mais nuanceado da autoria de um outro romancista, Salman Rushdie3.

  • 4 William MALEY (ed.), Fundamentalism Reborn? Afghanistan and the Taliban (Londres: Hurst, 1998), p.7 (...)

4Porém, a fragilidade deste tipo de abordagem «óbvias» fica claro quando ambos ignoraram nos seus argumentos, por exemplo, a contribuição do empenho revolucionário anti-religioso, do jacobinismo da Revolução Francesa, até ao comunismo de Estaline, Mao e Pol Pot, ou ao nazismo de Hitler, em muitos dos episódios mais violentos da história contemporânea. Na verdade, os próprios talibã, apontados como ο exemplo acabado do papel contemporâneo da religião na promoção da violência extrema, tiveram como um dos seus elementos constitutivos mais importantes os membros da facção khalq dos comunistas afegãos, que viram aí uma oportunidade de regressar ao poder, fornecendo um elevado número dos oficiais que enquadraram ο movimento e cuja experiência de combate foi essencial na inesperada capacidade militar revelada pelos talibã na guerra civil afegã.4

  • 5 Cf. Emilio GENTILE, Le religioni della politica. Fra democrazie e totalitarismi, (Bari/Roma: Laterz (...)

5Todavia, haverá também quem diga, ainda que provavelmente não Saramago, que ο comunismo é na verdade uma religião – vide ο conceito amplamente divulgado, se bem que, mais uma vez, ambíguo, de religiões de substituição5. Ο que ilustra perfeitamente a complexidade dos dois conceitos fundamentais para a nossa análise – ο de religião tanto quanto ο de violência. Uma complexidade que tem pelo menos a virtualidade de nos chamar a atenção para ο perigo das generalizações apressadas a respeito da relação entre estes dois fenómenos. Mas que é insatisfatório como ponto de chegado para uma reflexão sobre esta questão.

  • 6 Há, além disso, ο problema prático, de que por mais que lhes digam para não ο fazer, as pessoas de (...)

6Começaremos portanto por procurar esclarecer melhor de que forma entendemos estes dois conceitos de religião e violência, relacionando estas duas realidades com ο problema do poder em geral e do Estado em particular, que são fundamentais para compreender este par conceptual central na nossa abordagem. Procuraremos, em seguida, desenhar em traços muito genéricos ο que entendemos serem os elementos específicos que permitem compreender e identificar a violência religiosa, e eventualmente apontar pistas senão para controlar ao menos para desenhar os seus mecanismos fundamentais. Pois, pretender que ο passado encerra de forma linear lições prontas a usar no presente é uma ingenuidade. Mas negar a priori que ο seu estudo possa ter qualquer utilidade prática não é, nem menos dogmático nem mais realista ou pertinente6.

Religião, poder e violência

  • 7 Seguimos Edgar MORIN, Ο Paradigma Perdido, (Mem-Martins, Europa-América, 1990), pp.98-101. Mas a me (...)

7Ο homem é um animal simbólico por excelência, na mesma medida em que é um animal social e político. Com isto queremos significar que é um facto que ο homem éο único animal que produz e manipula símbolos como parte essencial da sua existência e condição da sua sobrevivência. A importância única da linguagem verbal e não verbal em todas as manifestações históricas conhecidas da espécie humana é a demonstração disso mesmo. A cultura, como eixo organizador desta dimensão simbólica, é uma ferramenta fundamental da sobrevivência das sociedades humanas, e implica a existência de uma sociedade organizada para a sua transmissão e manutenção, sendo que esta última seria impossível de manter em toda a sua complexidade sem esta dimensão simbólica e cultural. A sociedade e ο Estado, como forma mais estruturada de organização da mesma, são ο resultado das dimensões gregária e cultural do homem. Quanto às religiões, elas foram, logo que vemos emergir Estados e com eles os primeiros registos históricos, ο primeiro e durante muito tempo ο único sistema de organização desta dimensão simbólica do homem. Da duplicidade da própria experiência humana – corpo e mente, material e simbólico – emergiu em todos os grupos humanos conhecidos alguma forma básica de religião sob a forma de animismo, ou seja, de crença de que também ο mundo que nos rodeia tem uma dimensão dupla, concreta e espiritual, material e consciente. Isto a par da convicção de que era possível usar uma linguagem simbólica para dialogar com esses espíritos da natureza de forma análoga à usada para dialogar com os outros humanos7. As religiões surgem, portanto, na nossa definição, delimitadas por uma noção de além não necessariamente, e certamente não inicialmente, no sentido de um transcendente à margem da natureza ou de um ser supremo único, mas antes de uma alteridade espiritual plural exterior ao homem.

8Relativamente a esta questão sempre complexa da definição de religião, é importante deixar claro que ainda que consideremos compreensível e provavelmente necessário, dado ο carácter dominante durante tantos séculos do fenómeno religioso no campo simbólico, considerar a forma como as religiões influenciaram as doutrinas não religiosas e anti-religiosas dos últimos séculos – caso do comunismo. Ao ponto de alguns teóricos falarem, como já referimos, de religiões de substituição. A verdade é que não pensamos que doutrinas que se afirmam explicitamente como a-religiosas ou anti-religiosas e que recusam qualquer alteridade relativamente à realidade material devem ser forçadas a integrar ο molde conceptual do religioso. Isto não significa que não haja zonas cinzentas na definição do religioso, como em todas os exercícios de determinação de um conceito, mas também aqui importa evitar a falácia de dizer que tudo é cinzento.

  • 8 Cf. Malcolm M. HAMILTON, The Sociology of Religion, (Londres: Routledge, 1995) e nomeadamente a dis (...)

9Parece-nos claro que ο diálogo com os espíritos na esperança de os controlar ou influenciar, esta gestão de uma dimensão simbólica percebida como alteridade foi uma das formas mais antigas de especialização social, dela emergindo castas de sacerdotes, reconhecíveis mesmo em sociedades humanas muito indiferenciadas. A realidade social da religião constitui portanto um objecto não apenas válido, mas essencial da análise histórica, que é como iremos abordar a questão da violência religiosa neste texto.8

  • 9 A melhor obra recente a respeito deste período formativo, e que cobre os vários casos mais citados (...)

10Os resultados práticos em termos de progresso intelectual desta procura especializada de relacionamento privilegiado com os espíritos – da escrita e da matemática, até à astronomia, ao calendário e às técnicas de construção – formam uma parte nuclear da organização das sociedades em sistemas mais complexos a que damos ο nome de Estado. De facto, não conhecemos nenhum exemplo de Estado emergente, mesmo embrionário, que não tenha tido na sua origem alguma forma de religião oficial, com um corpo estatal de sacerdotes, parte – frequentemente central, pelo menos no início – do respectivo aparelho «burocrático», e tendo mesmo em muitos casos, no vértice do sistema um rei-sacerdote ou um rei-deus9.

  • 10 Para a importância no presente deste tipo de redes para um esforço de “religious peace building” cf (...)

11Durante milénios, até à emergência e difusão do Estado Ocidental Moderno, entre ο século XVI e século XX, ο sacerdote constitui na maior parte dos casos – possíveis excepções seriam os Impérios Romano e Chinês – a única rede burocrática organizada e presente em boa parte de um determinado território e em contacto com todos os níveis da sociedade. Ainda hoje, em muitas zonas do mundo onde ο Estado moderno é recente e fraco, os sacerdotes são frequentemente a única ligação com ο mundo exterior e a única «autoridade» presente localmente10.

  • 11 Cf. Ahmed RASHID, Taliban: Militant Islam, Oil and Fundamentalism in Central Asia, (New Haven: Yale (...)

12Daqui resultam, desde logo, duas consequências importantes em termos da questão que nos ocupa. A primeira, é a importância das religiões, dado ο seu profundo enraizamento histórico e social, como factores de identificação e portanto de identidade, elementos essenciais quando se trata de reconhecer amigos e inimigos numa situação de conflito. A segunda, é a importância dos sacerdotes como elementos de enquadramento, legitimação e organização, mas também de contenção, anatemização e mediação de um conflito. Os notórios talibã são um bom exemplo disso, pois surgiram precisamente da conjugação de duas redes – a dos estudantes afegãos de teologia em escolas conservadoras no Paquistão, e a rede local afegã de ulema, ou seja de clérigos muçulmanos, provavelmente a única organização «nacional» autónoma dos grupos armados que sobreviveu nesse país mergulhado na guerra civil11.

13Falta considerar a segunda categoria fundamental na nossa análise – precisamente a noção de violência. Ela pode parecer mais simples de conceptualizar, abrangendo potencialmente todas as formas de agressão – ou seja, comportamentos que ameaçam a integridade física de outrém. Mas incluirá todos os tipos de conflito, ou há conflitos não-violentos quando não chegam ao ponto da violência física sobre outras pessoas? Sobretudo, será a violência algo de inato, que pode assumir várias capas, mas que é constitutiva do homem e portanto impossível de eliminar? A violência seria deste ponto de vista parte de uma dimensão animal naturalmente agressiva do homem. Ο que resultaria também na relativização, ou mesmo na inutilidade da sua explicação, em termos de causas historicamente determinadas. Subscrever esta posição e considerar a religião como apenas mais uma das capas de uma violência natural seria, do nosso ponto de vista, confundir violência com a agressividade. Esta última designa, no entendimento que subscrevemos, apenas os impulsos violentos que são inatos no homem como nos demais animais. Mas se a agressividade está presente na natureza, igualmente presente está ο seu condicionamento, de acordo com os especialistas em comportamento animal. Daqui resulta, nomeadamente, que nas lutas entre seres da mesma espécie é muito raro haver fatalidades. Ο homem será, portanto, naturalmente agressivo, mas dentro de certos limites que também existem na «selva», e que no seu caso são sociais, culturais e políticos. As leis da guerra e outras formas mais avançadas de cultura da paz têm também, se se quiser, antecedentes na «lei da selva». E podem portanto existir mecanismos de conflito não-violento como por exemplo, regra geral, as eleições para um determinado cargo.

  • 12 Ο estudo pioneiro é de Konrad LORENZ, A agressão: uma história natural do mal (Lisboa: Morais, 1974 (...)

14Ou seja, no caso do homem, como animal cultural, social, politico que é, a agressão – ou seja, ο agir de acordo com esses impulsos agressivos – passa necessariamente por um múltiplo escrutínio cultural historicamente condicionado. A violência humana corresponde sempre a manifestações de agressividade num quadro social, cultural e político, que não lhes pode ser indiferente, nem pode deixar indiferente ο historiador12.

15De facto, dificilmente se pode negar que os grupos humanos e as regras, instituições e ideais que os regem, organizam e inspiram, funcionaram historicamente ora como elementos potenciadores da violência, ora como elementos condicionadores ou supressores da mesma. Tanto as religiões quanto os Estados, como representantes mais antigos e consolidados desta dimensão social do homem têm inegavelmente funcionado ao longo da história humana, como mecanismos ora de controlo ora de reforço da agressividade humana.

  • 13 Um estudo clássico desta questão continua a ser James TURNER, Ideology, Reason, and the Limitation (...)

16Alguma ambiguidade é, portanto, inevitável numa análise deste tipo. Mas parece-nos possível e mesmo essencial deixar claro que a cultura – cujo núcleo central e dominante durante milénios foi a religião – a sociedade e ο Estado funcionaram historicamente como mecanismos mediadores essenciais e incontornáveis da produção da violência. Eles moldaram a violência a partir da agressividade humana: por um lado, ao condená-la como um pecado, um crime, uma mácula; por outro, ao fazer dela uma guerra santa, um feito heróico, um dever de bom cidadão13.

Religiões Mundiais e (In)Segurança Internacional

  • 14 Cf. ο manual recente de Ninian SMART, The World Religions, (Cambridge: C. U. P.·, 1998), na qual ba (...)

17Mas não significa isto reconhecer que as religiões promovem a violência? E poderá deduzir-se daqui que existem realmente formas de violência especificamente religiosas? Ao abordar estas questões, convém começar por ressalvar que há muitas religiões, como também há muitas formas de violência, e que nesta análise apenas nos iremos debruçar sobre as correntes religiosas com um claro e continuado impacto global, portanto, potencialmente, com uma elevada relevância ao nível da segurança internacional. Por isso, quando nos referimos a religiões ο termo deve ser entendido como remetendo essencialmente para as religiões mundiais – ο Cristianismo, ο Islão, ο Budismo, e também, ο Hinduísmo e ο Judaísmo. A razão de ser desta escolha, aliás consagrada pelo uso, pelo menos no inglês (world religions)14, reside no facto de ao longo deste último milénio os principais actores religiosos no palco global serem cada vez mais provenientes destas correntes religiosas. As demais manifestações religiosas, ou se associaram a uma destas correntes, ou foram eliminadas por elas, ou foram (e são?) vistas como parte de um espaço cinzento de «outras religiões» uma mancha indistinta a ser disputada e ocupada por uma destas religiões mundiais. Se a dimensão global das três primeiras parece evidente – até porque qualquer das três recusa, como parte do seu núcleo doutrinal, a redução a uma qualquer dimensão nacional ou étnica, afirmando a ambição da universalidade da respectiva mensagem de salvação. Já a inclusão do Hinduísmo ou do Judaísmo neste contexto poderá suscitar dúvidas. De facto são duas correntes religiosas claramente «etnocêntricas», à imagem das religiões tribais tradicionais, porém, pareceu-nos indispensável a sua inclusão. Para além do interesse que advém do facto de ο Hinduísmo ser ο último sobrevivente relevante do politeísmo antes dominante, e de ο Judaísmo estar na origem das principais correntes monoteístas, ambas as correntes religiosas, ainda que com uma relevância numérica muito diferente (que por si só faria da exclusão do Hinduísmo algo problemático), por força da imigração e do comércio, conquistaram presença e relevância em praticamente todo ο mundo, apesar da ausência de uma dinâmica missionária semelhante à do Cristianismo, do Islamismo ou do Budismo.

18Mas, não são as religiões, quaisquer que elas sejam, simplesmente aproveitadas interesseiramente pelas partes em confronto para justificar ο uso da violência para outros fins? As acções e motivações dos grupos humanos são, por regra, complexas. Raramente, se é que alguma vez, as podemos reduzir a uma explicação única. Mas para começar uma análise deste ponto parece-nos ser essencial reconhecer que não faz sentido negar a priori a sinceridade dos que dizem combater em nome e em defesa de uma determinada fé. A sinceridade é sempre algo difícil de apreciar. Mas porquê duvidar à partida dos que evocam a religião, e não dos que remetem para ideologias seculares? E isso não redundará em negar a possibilidade de conhecer e analisar racionalmente qualquer comportamento humano?

  • 15 Cf. A sua discussão do uso da religião por D. Fernando de Aragão como modelo do novo princípe in Ni (...)

19É verdade que, seja ao nível individual seja a nível de grupo, a tendência mais comum é para dar a primazia à motivação considerada como mais nobre, logo mais apresentável. Por isso, é natural que na propaganda gerada por situações de conflito muitas vezes seja dado uma relevância excessiva ao religioso relativamente a outros factores «menos elevados». Mas isto é em si mesmo significativo. Representa um claro sinal da importância real que é atribuída à crença religiosa como mecanismo de legitimação, de conquista de adesões e de mobilização de vontades, mesmo por aqueles que olham para a religião tão friamente como Maquiavel15.

  • 16 Ο grande estudo neste campo, que ilustra perfeitamente a pertinência, quer da ideia da co-existênci (...)

20Por outro lado, uma análise rigorosa desta difícil questão da importância das religiões mundiais em termos da segurança internacional não deve assumir, de forma simplista, que nestas grandes religiões mundiais há apenas correntes pacíficas ou correntes intolerantes e violentas. Uma tendência talvez natural, mas nem por isso menos criticável, pós-11 de Setembro, foi a de olhar para ο Islão como intrinsecamente mais propenso à violência do que outras religiões, naturalmente mais pacíficas como ο Cristianismo e ο Budismo. Nos livros sagrados e nas tradições mais veneradas do Judaísmo, Cristianismo, Islão, Hinduísmo e Budismo existem elementos contraditórios, que ora apelam à paz ora justificam ο recurso à força, e portanto em grau variável mas sempre difícil de apreciar com rigor e imparcialidade, ora motivam uma fé tolerante ora suscitam a militância mais intransigente. A única formulação genérica que nos parece possível em termos desta análise na longa duração é a de que em determinadas épocas e em determinados lugares prevaleceram uma ou outra destas correntes das diferentes tradições religiosas16.

  • 17 A obra clássica a este respeito é ο volume da coleção «Nouvelle Clio» de Marcel SIMON e André BENOI (...)

21É, portanto, para estes contextos específicos, para ο porquê destas mudanças que é essencial olhar. As autoridades judaicas perseguiram inicialmente os cristãos, que viram como uma seita herética que desafiava a sua tradição religiosa. Por sua vez, alcançada a aliança dos grupos cristãos com ο Estado Romano e os seus sucessores, cedo também eles começaram a perseguir grupos judaicos, que disputavam ο controlo da mesma herança religiosa17. Um processo muito prolongando de alternância entre tolerância e perseguição das comunidades judaicas teve então início no Ocidente cristão. Por exemplo, no caso de Portugal, que, com João II, no final do século XV, acolheu numerosos judeus espanhóis que fugiam da perseguição dos Reis Católicos; mas logo no reinado seguinte, de D. Manuel I, e em nome de uma política de convergência com Espanha foram forçados a converter-se; e estes «cristãos-novos», entre meados do século XVI e meados do século XVIII, passaram a ser violentamente perseguidos pela Inquisição. Muitos deles encontraram refúgio tolerante na Holanda, maioritariamente protestante, mas também no Império Otomano, sede do califado sunita e que tinha naturalmente como religião de Estado ο Islão, onde ainda hoje se mantém uma importante comunidade de judeus sefarditas, que nunca foi incomodada pela maioria muçulmana.

  • 18 Sobre as atrocidades cometidas pelos guerreiros tibetanos vitoriosos sobre forças chinesas e missio (...)
  • 19 Cf. conversa entre ο líder comunista italiano Gian Carlo Panetta e Mao Zedong em 1959, cit. Andrea (...)

22Há quem considere que ο Budismo é uma excepção a esta regra. Mas é um facto inegável que durante séculos os mosteiros budistas, do Tibete até ao Japão, organizaram forças militares; ou que os mais importantes generais tibetanos do início do presente século não hesitaram em recorrer a métodos brutais para lidar com prisioneiros chineses capturados18. Ο Budismo é também um facto importante na identidade do grupo cingalês na guerra civil que devasta há décadas ο Ceilão. Claro que hoje são os monges budistas tibetanos a ser barbaramente torturados em nome do ̒sagrado’ nacionalismo do Estado comunista chinês que Mao e os seus sucessores entendem dever estender-se também ao céu19.

  • 20 Cf. Ashutosh VARSHNEY, Ethnic Conflict and Civic Life: Hindus and Muslims in India (New Haven, Yale (...)

23No sub-continente indiano assistimos a partir do século XI a inúmeras disputas mas também alianças entre potentados muçulmanos e hinduístas, com os primeiros a invocarem a jihad, mas raramente a imporem uma conversão forçada generalizada – apesar de a tolerância corânica em princípio não ser extensível aos cultos politeístas –, e os segundos a reclamarem ascendência divina ou a assumirem-se como a encarnação de uma divindade guerreira, mas nem por isso se mostraram menos susceptíveis a alianças com os invasores muçulmanos contra um correligionário rival, No século XVIII começou a desenhar a dominação inglesa, consagrada no século XIX sob a forma de um Raj, que embora tenha abrido ο espaço indiano aos missionários cristãos nunca fez da missionação uma prioridade. Ο que não impediu a emergência de uma resistência nacionalista indiana com um fundo religioso. Em que, conflitos de personalidade tanto ou mais que questões mais substanciais, ditaram a cisão do movimento, com ο abandono do Partido do Congresso dirigido por Ghandi, pelos fundadores da Liga Muçulmana, ou seja pelo grupo de Jinnah. De facto, apesar da enorme violência dos confrontos etno-religiosos que acompanharam a partição da India britânica, em Agosto de 1947, muitos notáveis muçulmanos e milhões dos seus correligionários escolheram permanecer na União Indiana – cujo chefe de Estado tem, aliás, tradicionalmente pertencido a essa fé ou ao outro grande grupo religioso minoritário, os sikhs. Ainda hoje a India é ο país com maior população muçulmana no mundo a seguir à Indonésia. Só muito recentemente, no contexto de um movimento político rival que aspirava a concorrer politicamente com ο secular Partido do Congresso, surgiu ο fenómeno de uma crescente militância no seio do Hinduísmo, que esporadicamente assumiu uma feição violenta. Apesar de tudo, ο estudo mais detalhado do fenómeno deixa claro que se trata ainda de algo localizado e associado a um fenómeno de «monotaização» do Hinduísmo em torno do culto de Rama num contexto de mobilização política de massas, muitas vezes violenta, no quadro de interesses partidários recentes, que choca com a tradição dominante nessa corrente politeísta. Mesmo se é claro que nas franjas do passado hindu existiram movimentos extremamente violentos – por exemplo, os famosos thugs (de onde deriva a palavra inglesa que passou a ser colado a qualquer grupo violento), seguidores de Kali –, nunca estas correntes reclamaram representar toda esta tradição politeísta, naturalmente flexível e diversificada, na política, ou a associarem à defesa de um nacionalismo territorial indiano20.

  • 21 Cf. Bernard WASSERSTEIN, Divided Jerusalem: The Struggle for the Holy City, (2nd. ed., New Haven, Y (...)

24Quanto ao conflito entre israelitas e palestinianos, que se arrasta desde ο final da Primeira Guerra Mundial, durante décadas ele foi visto pelo mundo e pelas duas partes sobretudo como a disputa do mesmo território entre nacionalismos seculares concorrentes, mas surge hoje, cada vez mais, como um confronto entre duas religiões, com ο seu epicentro na cidade santa de Jerusalém e nos seus santuários. Não só movimentos religiosos fundamentalistas pesam cada vez mais no campo israelita e palestiniano, como ο próprio mainstream político respectivo começou cada vez mais a utilizar uma linguagem religiosa21.

  • 22 Cf. Fred HALLIDAY, «The Iranian Revolution in Comparative Perspective», Islam and the Myth of Confr (...)

25Assistimos portanto a uma tendência para uma renovada vitalidade ou pelo menos visibilidade do empenho religioso militante nas últimas décadas de que este caso com enorme importância para a segurança internacional é um exemplo? Parece existir alguma verdade nesta posição, provavelmente sobretudo como resultado da quebra dos sistemas de crenças não religiosas alternativas – primeiro ο fascismo, depois ο comunismo. Ο que mostra a pertinência de se olhar paralelamente sistemas de crença seculares e religiosos, nomeadamente no que diz respeito ao fenómeno da violência, sobretudo quando os primeiros revestem um carácter global, messiânico ou revolucionário, que geralmente surgem associados à etiqueta já referida de religiões de substituição. Mais importante ainda nos parece ser realçar que um sistema de crença novo, seja ele religioso ou não, que pretende dar um nova solução a questões essenciais e se assume como um sistema total de respostas aos grandes problemas humanos entra necessariamente em choque com ο statu quo, de onde resultam tensões que podem ou não redundar em violência, seja ela repressiva da parte da «velha ordem», seja revolucionária por parte dos inovadores, ou um conflito militar mais ou menos clássico entre ambos22.

26Portanto, mais do que pretender que nunca e em circunstância alguma as grandes religiões mundiais promoveram e promovem a violência - ο que consideramos ser insustentável à luz da história-, ο que importa é perguntar que características e que circunstâncias históricas levam grupos no interior das diferentes religiões mundiais a promoveram ou aceitarem ο recurso à violência como legitimo e mesmo necessário à luz da fé que professam? Para depois se procurar perceber ο porquê do fenómeno, e até como ele poderá ser combatido na actualidade.

27As religiões mundiais contêm dois elementos fundamentais que promovem historicamente ο recurso à violência: a defesa da ortodoxia e ο impulso expansionista, ou se se quiser, missionário. Ambas tendem a criar divisões concorrenciais, fronteiras disputadas, tensões e, por vezes, violência, seja ela sob a forma aparentemente espontânea, popular e desorganizada, cujo exemplo clássico são os progroms anti-judaicos, seja sob a forma de repressão organizada pelo Estado, seja ainda a de guerra civil ou guerra entre Estados.

28As religiões mundiais vêm-se como saber e não apenas como prática. Ora não há saber sem debate, nem debate sem controvérsia. Frequentemente, por isso, os grupos religiosos cindem-se em torno da questão da interpretação correcta – da ortodoxia – da fé. Da defesa militante de sistema de crenças diferentes, ou de diferentes interpretações do mesmo, surgem tensões, conflitos abertos e repressão ou guerra. A fé e a sua pureza é algo que facilmente é visto como estando sob ameaça, essa grande semeadora de violência: quem se sente ameaçado está mais predisposto a recorrer à violência. Por outro lado, e este é ο terceiro elemento que importa destacar na analise que se segue, quem se vê no papel de defensor da própria divindade, da pureza da fé, pode tender a não questionar meios.

  • 23 Uma boa história recente do conflito por Ronald ASCH, The Thirty Years War: the Holy Roman Empire a (...)
  • 24 James T. JOHNSON, The Holy War Idea in Western and Islamic Traditions, (Filadélfia: Penn State U. P (...)

29Encontramos na Europa da Época Moderna dois exemplos clássicos deste tipo de violência em nome da religião ortodoxa, por um lado, as Inquisições católicas e outras tentativas de policiar a consciência, por outro, a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) que devastou uma Alemanha dividida entre Estados católicos e protestantes e envolveu muitos outros Estados europeus23. Mas este não é um fenómeno exclusivo do Cristianismo. Os macabeus contra os judeus helenizantes e os zelotas contra os defensores da acomodação com Roma são exemplos deste tipo de cisão no ceio do Judaísmo nos três séculos anteriores ao nascimento de Cristo e no primeiro século da nossa era. A cisão (fitna) entre xiitas e sunitas provocou também violentas guerras civis no período fundador do Islão no século VII, e depois originaram ou justificaram as actividades violentas e a severa repressão de grupos marginalizados com os karajitas ou os druzos. Foram também uma questão importante nas guerras entre a Pérsia e ο Império Otomano. Especialmente curiosos do ponto de vista da nossa interrogação principal são, por isso, estudos recentes que realçam a influência múltipla das três grandes religiões monoteístas na formulação da ideia da guerra santa24.

  • 25 Cf. Triratna M'ANANDHARA, Some aspects of Rana rule in Nepal (Katmandu: Purna Devi Manandhar, 1983)
  • 26 Cf. para uma visão aprofundada das questões mais amplas colocadas por essa «escritura» hindú Ananta (...)

30A questão põe-se de forma diversa num contexto politeísta em que ο problema da ortodoxia não se coloca. Mas as divisões sectárias não deixaram de desempenhar aí um papel na promoção da violência. E as acções militares dos soberanos hindus – por exemplo, da famosa dinastia guerreira que liderou a criação do Nepal ainda tão recentemente quanto ο século XVIII – são tradicionalmente apresentadas como manifestação sagrada de uma divindade guerreira25. A guerra nalgumas tradições hindus é, de facto, uma das faces do poder divino, parte de um ciclo natural de destruição e criação, como, por exemplo, no Mahabharata. E, portanto, se não se conforma propriamente com a ideia de defesa de ortodoxia, é vista como compatível e até natural no quadro de muitas correntes hindus, que justificam sem dificuldade ο recurso às armas26.

  • 27 E.g. David Mitchell, Shaolin Temple kung fu (Londres: Stanley Paul, 1990).

31Já aludimos à presença de tradições guerreiras no Tibete, onde tradicionalmente os monges pegavam em armas para defender a sua corrente monacal contra todo ο tipo de ameaça, e nomeadamente no contexto de disputas com mosteiros rivais. Ο mesmo sucedia no Japão e na China, onde esta tradição «violenta», como sabem todos os seguidores das artes marciais, deu origem ao grande centro de cultivo das mesmas no mosteiro de Shaolin27.

  • 28 Cf. ο brilhantes (e curto) livro sobre a região, Mark MAZOWER, The Balkans (Londres: Phoenix Press, (...)

32Por outro lado, as religiões mundiais não ο são por acaso, elas geralmente vêm-se como portadoras de uma mensagem universal, pelo que procuram difundir-se sempre que tal seja possível. Ora, missionação frequentemente rimou com expansão pela força das armas de poderes «protectores» dos missionários. Por isso, as zonas de fronteira entre fés diferentes, particularmente onde existe concorrência entre elas, são tendencialmente ou pelo menos potencialmente zonas de tensão e de conflito. Isto apesar de ser necessário evitar qualquer automatismo também neste tipo de reflexão. Por exemplo, nos Balcãs, uma destas regiões de fronteira entre diferentes áreas religiosas, as autoridades otomanas que governaram grande parte da região entre ο século XV e XIX, reconheceram a legitimidade dos principais grupos religiosos – Católicos, Ortodoxos e Islâmicos – e a regra no dia-a-dia era não só a da convivência mas também de um forte sincretismo nas religiões populares28. As zonas de fronteira podem, portanto, ser alternadamente zonas de intercâmbio mais ou menos pacífico, e de conflito. Sendo, no entanto, evidente, nomeadamente no caso dos Balcãs que são especialmente vulneráveis a qualquer tipo de pressão identitária.

  • 29 Cf. para uma visão aprofundada do período formativo cf. Reuven FIRESTONE, Jihad: The Origin ofHoly (...)

33Ο conceito de jihad, apesar de susceptível de outras interpretações, tem sido aplicado ao longo dos séculos à dinâmica de expansão do Islão pela via militar. De facto, poucas alternativas restavam a Maomé e aos seus sucessores imediatos no esforço de difusão da sua fé nas regiões envolventes e mesmo no seio da própria Arábia, senão a força. Visto os territórios a norte da península arábica se se encontravam dominadas por dois grandes impérios confessionais, ο bizantino cristão e ο sassânida zoroastriano, e a Arábia por tribos associadas a estes, e organicamente fiéis a uma determinada fé, fosse ela pagã, cristã, zoroastriana ou judia. Esta é uma tradição que grupos radicais Islamistas actuais procuram recuperar alegando tratar-se de um «dever negligenciado» por parte das correntes mais conservadoras no Islão29.

  • 30 Uma fonte indispensável de análise e estatísticas a este respeito são os SIPRI Yearbooks editados p (...)

34Actualmente, é certo, com a difusão, progressiva mesmo que não completamente bem sucedida do modelo ocidental de Estado, que é suposto ser, entre outras coisas, relativamente neutro em questões de fé, sobretudo no que diz respeito às relações com outros Estados, parece haver a tendência para estes conflitos religiosos se darem cada vez mais no interior de Estados e não entre eles. Particularmente no seio dos chamados Estados falhados. Ou seja, que não conseguiram levar a bom porto este esforço de modernização do poder. Este facto faz com que a violência religiosa acompanhe e reforce a crescente tendência para a «domesticação» da violência, não no sentido da sua eliminação, mas de que se ter tornado cada vez mais uma questão intra-estatal, com a proliferação de guerras civis que resultam do colapso de Estados frágeis e do uso da violência por vias não convencionais. Ora, encontramos associados a este fenómeno um número crescente de grupos que reclamam uma identidade e uma legitimação religiosa, quer no caso do colapso de Estados e de guerras civis quer no recurso crescente ao terrorismo30.

  • 31 A respeito das muitas ambiguidades nas relações entre a Igreja Ortodoxa e ο poder soviético a melho (...)

35Portanto, dificilmente se poderá defender que a violência que reclama uma legitimação religiosa esteja em declínio. A verdade é que é de questionar que alguma vez ο tenha estado. Os nacionalismos seculares do século XX não hesitaram em mobilizar motivações religiosos em situações de conflito, mesmo quando se apresentavam como destinados a suplantar estes atavismos em nome de um progresso concebido em termos positivistas. Basta pensar no exemplo de Estaline na Segunda Guerra Mundial, que perguntava quantas divisões tinha ο Vaticano – que sobrevive até hoje, enquanto a URSS já desapareceu... – e, de facto, encorajava a «sua» Igreja Ortodoxa a formar e financiar um divisão blindada, denominada Alexandre Nevski, ο santo general que havia derrotado os cavaleiros teutónicos, e passava revista à mesma do alto do mausoléu de Lenin acompanhado pelo Patriarca de Todas as Rússias31.

36Mas a verdade é que, mesmo se em determinados conflitos interestatais recentes – entre a Índia e ο Paquistão, entre a Grécia e a Turquia, entre a Eritreia e a Etiópia, entre Israel e os seus vizinhos árabes, entre os EUA e ο Iraque – a conotação religiosa surge por vezes, hoje em dia parece ser uma excepção e não a regra, ocupa a margem e não ο centro do discurso publico em torno dos confrontos armados. Parece-nos significativo que raramente a motivação religiosa num conflito entre Estados é assumida oficialmente; mesmo se a manipulação e a propaganda para consumo interno também devam ser tidas em consideração nestas análises. Aparentemente a guerra religiosa deixou de ser vista como adequada ao discurso estatal, pelo menos para consumo exterior, quando antes era precisamente ο oposto. Uma excepção que confirma a regra é ο Iraque de Saddam Hussein, que tendo durante décadas afirmado ο seu carácter de estado secular, e mesmo violentamente anticlerical, in extremis, em 1991, islamizou ο seu discurso, desde logo com a introdução na bandeira nacional do mote «Alá é grande», e procurou apresentar ο seu conflito com os EUA como uma guerra islâmica, uma jihad dirigida sobretudo contra Israel, num aproveitamento pragmático e a posteriori de um discurso identitário religioso que antes sempre havia recusado.

  • 32 Bruno Cardoso Reis, 'Religiões, Estados e Relações Internacionais...', Politico. International, n.° (...)
  • 33 Cf. A introdução, recolha do artigo original e de vários comentários críticos em AA. VV.Ο Choque d (...)

37Todavia, como conciliar isto, com ο sucesso da tese do «choque de civilizações» de Samuel Huntington, cujo núcleo fundamental na definição deste autor é uma identidade religiosa? Segundo a Foreign Affairs, onde ο texto foi originalmente publicada, este foi ο artigo mais citado desta revista de referência no campo das relações internacionais desde ο famoso texto de George Kennan de Julho de 1947, considerado ο marco intelectual do início da Guerra Fria. Este facto, se não obriga a um balanço positivo das suas teses, torna indiscutível a sua relevância. Será esta, como ο próprio autor defende no debate nas páginas da citada revista, ο melhor paradigma disponível para ο pós-1989? Não iremos desenvolver de novo aqui uma análise detalhada das teorias de Huntington e das várias questões fundamentais que elas levantam32. Convém realçar apenas, por um lado, que os Estados não parecem na eminência de ser substituídos por civilizações, teocêntricas ou não, como actores internacionais por excelência; é claro que a Realpolitik continua a pesar mais do que quaisquer simpatias culturais ou religiosas – videο caso recente do Paquistão face ao Afeganistão dos taliban; e ο Ocidente «cristão» claramente é tão incapaz de uma acção unificada como ο Oriente «islâmico». Por outro lado, também é verdade que a crescente globalização do sistema internacional, que há cem anos atrás era praticamente um clube exclusivo europeu e ocidental tem sido acompanhado – naturalmente? – de um crescendo de discursos identitários, por exemplo da famosa polémica em torno dos valores asiáticos, mas muitos deles de acordo com a lógica de “deus está connosco” ou “o (nosso) deus é grande” ou “esta Terra foi-nos Prometida por Deus”33.

38Não menos importante – e associada a toda uma série de fenómenos de grande significado, como ο crescente peso de actores não-estatais nas questões internacionais ou a (hiper) globalização – está ο fenómeno da proliferação de grupos terrorismo ou de guerrilha que se reclamam de uma ideologia religiosa e que por vezes, caso da Al-Qa'ida procuram mesmo ter um âmbito de actuação global. É nestes que é mais evidente um outro aspecto da violência religiosa que se tem tornado mais acentuado ou visível nos últimos tempos, ο do seu carácter marcadamente extremista.

  • 34 John K. KNAUS, Orphans of the Cold War: America and the Tibetan Struggle for Survival, (Nova Iorque (...)
  • 35 Uma boa obra de referência e análise é a de Mark Juergensmeyer, Terror in the Mind of God: The Glob (...)

39Um primeiro facto que é importante notar é que este fenómeno é mais marcado no caso do Islão, mas não é exclusivo do mesmo. No Budismo tibetano surgiu um grupo dissidente que recusa como não-ortodoxas as reformas levadas a cabo pelo actual Dalai-Lama e que foram responsabilizados por uma série de assassínios de dignitários próximos deste. Aliás, uma dissidência violenta que não é nova no quadro do budismo tibetano, pois durante muito tempo, existiu um movimento de guerrilha no Tibete, apesar de ο pontífice tibetano insistir na necessidade de levar a cabo uma luta pacífica conta a dominação chinesa, e a sua extinção deveu-se acima de tudo ao fim do auxílio norte-americano com ο restabelecimento de relações entre Washington e Pequim por iniciativa de Nixon e Mao em 197234. Quanto ao movimento Aum Shinrikyo, no Japão, responsável pelo ataque com gás no metro de Tóquio, é uma seita que mistura tradições budistas e hinduístas, na linha de um sincretismo criativo e utilitário que há muito caracteriza ο Japão. Por sua vez, os extremistas judeus do Kach e do Gush Emunin foram responsáveis por, pelo menos, dois atentados com enormes consequências, ο ataque a uma multidão de fiéis muçulmanos em oração numa mesquita em Hebron, e ο assassínio de Rabin, ο primeiro-ministro de Israel, em 1995. Εο recurso à violência por grupos de milícias fundamentalistas cristãs nos EUA resultou também numa série de atentados contra clínicas que disponibilizam abortos, e culminou, evidentemente, no ataque por Timothy McVeigh ao edifício federal de Oklahoma City, em 19 de Abril de 1995, ο ataque terrorista mais sangrento na história, até ao 11 de Setembro, realizado por um homem com ligação ao movimento de cristianismo racista e de milícias armadas ultra-nacionalistas norte-americanas35.

  • 36 Cf. Olivier ROY, L'Échec de l'Islam Politique, (Paris, Seuil, 1992); e a sua obra mais recente, L'I (...)

40Mas é verdade que ο crescimento deste tipo de ataques deve-se sobretudo à força de correntes radicais nos meios da militância islâmica. Ironicamente, como resultado de uma crise no seio do movimento islamista por um reforço da repressão estatal na sequência da revolução islâmica no Irão em 1979. Ο que resultou, por um lado, no retorno a uma postura mais apolítica e conciliatória por parte dos principais dirigentes dos movimentos islamistas mais importantes, numerosos e antigos, como os Irmãos Muçulmanos, mas também numa radicalização vanguardista, muitas vezes com influência ou até filiação prévia em movimentos marxistas terceiro-mundistas, por parte de pequenos grupos que vieram a estar à frente dos principais movimentos violentos actuais36.

41As duas grandes questões que se colocam são – porquê e com que consequências? Primeiro uma breve incursão aos possíveis porquês. Um grande factor é ο próprio processo de modernização. Há uma tendência das sociedades contemporâneas para gerarem dinâmicas de desenraizamento e reenraizamento. Ο processo de urbanização e industrialização tende a quebrar as estruturas da sociedade tradicional, e a religião funciona frequentemente como ο único referente do passado ainda disponível que permite reconstruir uma rede de apoio, convívio que facilita a integração e dá sentido ao novo ambiente urbano. Por outro lado, ao mesmo tempo que a modernidade oferece novas oportunidades às grandes religiões, coloca também novos desafios e em muitos provoca um forte sentimento de ameaça que gera, por vezes reacções radicais e violentas.

42Outro factor fundamental é a já referida crise das ideologias salvíficas de tipo secular de que ο comunismo foi ο último grande representante. Ο liberalismo e mercantilismo actualmente triunfantes não tem ο caracter e as pretensões universalistas de uma religião substituição. E claramente continua a haver uma grande vontade de encontrar respostas simples (simplistas?) para perguntas essenciais a que mesmo a ciência e a tecnologia mais avançadas, por si sós, não oferecem resposta.

43Finalmente, ο peso do Estado moderno é também um factor importante. A sua construção frequentemente provocou uma fase de confronto com as estruturas religiosas tradicionais, e uma vez consolidado frequentemente entrou em choque com novos movimentos religiosos, ou com uma renovada militância em fés tradicionais. As estruturas religiosas tradicionais mostraram-se naturalmente resistentes à enorme concentração de poder que ο processo de formação dos Estados modernos provocou. As novas correntes religiosas, pela sua própria natureza, desafiamo statu quo de que ο Estado é ο primeiro garante e beneficiário.

44Se bem que este processo também se verifique em países democráticos, dos EUA (vide os Davidianos e ο movimento das milícias cristãs) até à França (com ο fundamentalismo islâmico, mas também várias seitas) e ao Japão (vide os extremistas xintoístas ou a seita de Verdade Suprema a que nos referimos anteriormente). Naturalmente, a questão do uso da violência por grupos com motivações religiosas coloca-se especialmente em estados autoritários e fortemente repressivos, aonde este tipo de tensão facilmente redunda no recurso à violência por parte do poder estatal e numa resposta do mesmo tipo por parte de uma oposição com escasso ou nulo espaço de manobra legal.

  • 37 Samuel HUNTINGTON, «The Age of Muslim Wars», Newsweek, Special Edition «Issues 2002», pp.6-15.

45Finalmente, a este respeito importa recordar que ambivalência é uma palavra frequente na apreciação destas questões por boas razões, e a verdade é que não existem conflitos puramente religiosos, sociais, políticos, ou económicos. Evidentemente que quando falamos de conflitos religiosos não estamos a pensar num confronto puramente espiritual – entre anjos e demónios, e mesmo este, de acordo com a Bíblia, dar-se-á na sua fase final e decisiva num lugar concreto, a planície de Armagedão (Meggido), na Terra Santa dos três monoteísmos. Quando falamos de violência religiosa também não estamos a pensar no sentido restrito da violência ritual, seja sobre terceiros (os sacrifícios humanos, com que Abraão se debate), seja sobre os próprios (variadas formas de penitência física). Usamos a expressão no sentido de designar formas de violência em que actores e factores religiosos têm um peso importante. Tendo em conta, porém, que tal como as organizações religiosas têm de lidar com a realidade material para sobreviver. Assim também num conflito, quaisquer que sejam as motivações fundamentais dos protagonistas, os cálculos de força e as preocupações logísticas não podem ser eliminadas. Pelo que, evidentemente, que desníveis sociais, económicos e disputas políticas não podem ser ignoradas como focos concorrentes ou concomitantes na análise da componente religiosa numa determinada erupção de violência. Como ο próprio Huntington chamou a atenção num artigo mais recente intitulado «The Age of Muslim Wars», por exemplo, factores demográficos e económicos são elemento fundamental na compreensão de vagas de violência37.

  • 38 Cf. Bruce HOFFMANN, Countering the New Terrorism, (Santa Monica: RAND, 1999), especialmente os gráf (...)

46Uma consequência deste crescendo na associação entre violência terrorista e grupos de inspiração religiosa parece ser a propensão para se aceitar um maior sacrifício de vidas, seja dos próprios terroristas – vide os ataques suicidas – seja das suas vítimas38. Alguns apontam como explicação principal a propensão destes grupos para ideias apocalípticas, em que ο próprio futuro do universo está nas suas mãos. Para uma auto-imagem como guerreiros sagrados dispostos a tudo para salvar ο presente e ο futuro de toda a Criação. Parece lógico que uma fixação no Além facilite ο relativizar ou desprezar dos custos neste mundo das acções que desencadeiam. No entanto, importa ressalvar que tal não torna a violência religiosa uma realidade à parte, mas antes faz dela parte contribuinte de tendências mais gerais. Por um lado, ο crescente número de vítimas civis de atentados terroristas corresponde a uma tendência mais geral para a violência transcender todos os limites e crescer exponencialmente, seja em termos absolutos, seja em termos de vítimas não combatentes, desde, pelo menos, a Segunda Guerra Mundial (inclusive). Por outro lado, a ideia do atentado suicida e a multiplicação das vítimas corresponde a uma lógica típica do terrorismo, como forma típica de violência assimétrica que procura assim compensar a sua fraqueza militar, nomeadamente permitindo ataques em que seria irrealista pensar em redrada e potenciando a capacidade de escolher ο timing mais adequado a maximizar os estragos; além de reforçar ο impacto psicológico do ataque, dando a ideia de que não recua diante de nada, e ganhar espaço nos meios de comunicação social cada vez mais saturados de violência e que são essenciais para essa forma de guerra psicológica por excelência que é ο atentado.

Conclusão

  • 39 Um texto com uma argumentaçao e investigação muito sustentada neste linha é ο paper de Jean-Françoi (...)

47Para analisar ο papel do religioso em manifestações de violência do passado ou actuais, importa não tratar esta dimensão como se fosse uma manifestação do Além, ocupando uma classe à parte na explicação deste tipo de fenómenos. Esta abordagem tende a propiciar a ideia de que, ou a religião não tem importância nenhuma ou explica integralmente uma determinada manifestação de violência, que são igualmente erradas. Ο nosso argumento fundamental não é que as religiões são as grandes causas da violência ou de que há formas de violência que devem ser percebidas como exclusivamente religiosas. Mas sim, a de que precisamente porque a violência é um fenómeno complexo, todos os elementos de compreensão devem ser mobilizados para ο seu entendimento. E de que a religião, como outras formas de crença e militância não-religiosas, fazem parte do feixe de elementos para que se deve olhar para tentar compreender a violência. Não é por acaso que uma preocupação constante dos responsáveis pela gestão da violência por parte do Estado – dos oficiais das Forças Armadas – é a importância do moral, nomeadamente a crença na valia do que se esta a defender. Porém, parece-nos essencial tratar as religiões não apenas como factores mas também como actores numa determinada situação de violência. Ou seja, as religiões não são apenas contexto, são também grupos e pessoas empenhadas, movidas por uma determinada fé, com estratégias deliberadas e frequentemente concorrentes de outros grupos dentro ou fora da mesma confissão. Não iremos insistir aqui neste ponto, a que já nos referimos de forma desenvolvida alhures, mas este parece-nos ser um elemento fundamental quando se pretende definir algumas questões fulcrais para se poder avançar com uma análise mais concreta do fenómeno da violência39.

48De facto, e em termos de elementos essenciais para análise do fenómeno da violência religiosa, parece-nos ser essencial perguntar se ο grupo em questão:

  • existia (ou fazia parte) de um agrupamento de militância religiosa reconhecida, antes de recorrer à violência?

  • investe na produção de um discurso doutrinal?

  • procura que a sua acção seja sancionada por autoridades religiosas tradicionais, ou pelo menos pré-existentes?

  • coloca entre os seus objectivos estratégicos fundamentais realidades reconhecidamente religiosas (defesa da ortodoxia, recuperação de santuários, expansão da fé ou retorno de territórios «perdidos», etc.)?

49Se se obtiver uma resposta positiva a vários destes pontos teremos de reconhecer um peso importante do factor religioso no recurso à violência por um determinado grupo. Ε a exploração desta dimensão, na sua relação com ο contexto político, social, económico, será certamente revelador em termos da análise do mesmo.

50Identificados estes pontos coloca-se então a questão de saber se a história nos dá lições sobre como agir sobre este tipo de grupos. Se mesmo ao nível individual lidar com a agressividade é difícil, muito mais ο é ao nível de comunidades tão vastas como as constituídas por todos os que se afirmam crentes de uma das grandes religiões mundiais. Uma primeira advertência importante do registo histórico é a de evitar uma lógica de estigmatização·. todas as religiões mundiais geraram e justificaram ο recurso à violência em determinados momentos. Dois outros elementos parecem-nos de particular relevância tendo em conta a forma como estes grupos se formam e tendem a agir. Por um lado, a importância de monitorizar os mecanismos de educação religiosa no sentido de evitar um peso excessivo dos elementos de isolamento, religiocentrismo se se quiser recorrer a um neologismo, e de intolerância face a outros grupos religiosos. Neste aspecto, as autoridades religiosas são um elemento importante. Podem também fazer pronunciamentos públicos que deslegitimem ο recurso à violência para fins religiosos. Por outro lado, apesar de estas autoridades tradicionais terem sempre alguma importância, pelo menos no sentido de negar ο monopólio do discurso religioso aos grupos violentos, também é evidente analisando a história que estes movimentos que recorrem à violência, mesmo reclamando-se tradicionalistas, constituem-se muitas vezes em alternativa mais ou menos marcada às fontes de legitimidade religiosa estabelecida, que – veja-se ο caso do engenheiro civil Usama bin Ladin – não hesitam em denunciar como apóstatas, traidoras da verdadeira fé.

  • 40 Cf. R. Scott APPLEBY, «Militants for Peace», The Ambivalence of the Sacred, pp. 121-165.

51Em suma, importa, ao procurar combater este crescendo de formas de violência assimétrica e não-convencional, analisar friamente ο potencial das religiões, como de todas as formas de crença militante, para a gerar. Mas, embora esse não tenha sido ο foco da nossa análise, importa também relevar a capacidade da fé para promover a não-violência. Ο empenho militante, cego às razões deste mundo, moveu muitas vezes grupos e líderes religiosos ao combate violento, mas também ao combate não-violento pela promoção da paz, apesar das enormes críticas, ameaças, e riscos que daí frequentemente resultaram40.

  • 41 Um bom estudo sobre ο processo de paz que aborda estas questões num quadro mais geral é ο de Camero (...)

52A grande difusão no terreno das redes religiosas e a sua grande capacidade de resistência e enraizamento, fazem com que tenham um enorme capital de legitimidade local, e que sejam portanto capazes de levar um conflito, mas também um esforço de paz – e nomeadamente técnicas de mediação – para ο terreno mais remoto, para a mais pequena aldeia de um país devastado pela guerra. E portanto também de ajudar a mobilizar e dar voz a uma «Peace constituem» cuja importância é cada vez mais evidente neste tipo de processos de pacificação. Ο caso de Moçambique é um bom exemplo que nos é próximo disso mesmo41.

53A resolução de problemas de pobreza ou de exclusão e repressão política, em que, a exemplo da Europa, movimentos políticos reformistas de inspiração religiosa podem desempenhar um importante papel moderador e integrador – veja-se ο exemplo do novo partido islamista turco, que está a ser acompanhado com interesse em países islâmicos de Marrocos ao Egipto –, terá sempre de fazer parte de qualquer solução durável de problemas deste género. Para evitar que estes grupos que recorrem à violência sejam «peixe na água», para parafrasear um grande estratega do confronto assimétrico, Mao, há que secar ο seu habitat natural de excluídos e violentados. Ο diálogo inter-religioso – no molde dos encontros de Assis, promovidos por João Paulo II – também não deve ser esquecido, e é útil precisamente no sentido de que publicita uma via alternativa à da confrontação promovida pelos grupos radicais e pode promover uma maior predisposição para a moderação no topo. Mas é sobretudo importante, e esta deveria ser a verdadeira prova da sua sinceridade e utilidade, que depois se reflicta a uma escala local, com efeitos potenciadores de urna dinâmica de abertura ao nível das comunidades religiosas locais, podendo funcionar assim como ο grande antídoto contra ο fanatismo de que a violência, qualquer tipo de violência, se alimenta.

54Para terminar, a única lição peremptória que se pode retirar de urna análise histórica da violência é que soluções milagrosas (ou científicas) fáceis para ela, depois de séculos de tentativas, não há. Mas ignorar a dimensão religiosa na procura de uma compreensão mais profunda das causas da insegurança e da violência na vida internacional seria um erro crasso. É possível encontrar métodos para a analisar sem entrar numa lógica apologética que faz parte do problema a estudar...

Notes

1 R. Scott APPLEBY, The Ambivalence of the Sacred, (Nova Iorque: Rowman and Littlefield, 1998).

2 Ο texto continua disponível online numa revista brasileira, cf. José SARAMAGO, «O Factor Deus», Polémica, n.° 3 (Out/Nov/Dez 2001) in www.urisan.tche.br/-casantoslstart. php?key=factor_deus. A tese fundamental do autor é que “por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel.”

3 Salmon RUSHDIE, «A war that presents us all with a crisis of faith», The Guardian, 3.11.2001.

4 William MALEY (ed.), Fundamentalism Reborn? Afghanistan and the Taliban (Londres: Hurst, 1998), p.70 epassim.

5 Cf. Emilio GENTILE, Le religioni della politica. Fra democrazie e totalitarismi, (Bari/Roma: Laterza Ed., 1998).

6 Há, além disso, ο problema prático, de que por mais que lhes digam para não ο fazer, as pessoas de um modo geral, e os políticos em particular, continuam a usar a história como fonte de ensinamentos, basta ver a abundância de analogias despertada pelo 11 de Setembro (Pearl Harbour foi talvez a mais citada, depois as campanhas inglesas e russas no Afeganistão; e ο mesmo fenómeno verifica-se agora com ο Iraque). Para uma análise de fundo desta questão dos usos da história e das lições do passado, cf. Ernest MAY e Richard NEUSTADT, Thinking in Time, (Nova Iorque: The Free Press, 1988); e Yuen KHONG – Analogies at War, (Princeton: Princeton U. P., 1988).

7 Seguimos Edgar MORIN, Ο Paradigma Perdido, (Mem-Martins, Europa-América, 1990), pp.98-101. Mas a melhor síntese recente é ο magnífico livro de David WILSON, Darwin's Cathedral: Evolution, Religion and the Nature of Society, (Chicago: Univ. of Chicago Press, 2002).

8 Cf. Malcolm M. HAMILTON, The Sociology of Religion, (Londres: Routledge, 1995) e nomeadamente a discussão introdutório a respeito do conceito de religião, pp. 1-20.

9 A melhor obra recente a respeito deste período formativo, e que cobre os vários casos mais citados a este respeito, do Egipto, à Suméria, até à China, é S. E. FINER, The History of Government. I. Ancient Monarchies and Empires, (Oxford: O.U.P., 1997), recentemente traduzia para português. Cf. a respeito da definição da emergência do Estados as páginas iniciais da obra clássica de Charles TILLY, Coercion, Capital and European States AD 990-1992, (Oxford: Blackwell, 1992).

10 Para a importância no presente deste tipo de redes para um esforço de “religious peace building” cf. R. Scott APPLEBY, The Ambivalence of the Sacred, p. 287 ss.

11 Cf. Ahmed RASHID, Taliban: Militant Islam, Oil and Fundamentalism in Central Asia, (New Haven: Yale U.P., 2001), pp. 17-30.

12 Ο estudo pioneiro é de Konrad LORENZ, A agressão: uma história natural do mal (Lisboa: Morais, 1974), ainda que, como seria de esperar, muitas das suas teses mais específicas tenham entretanto sido alvo de amplo debate e contestação. No entanto, ο seu desfazer da ideia de que a natureza é ο reino da violência sem quartel pela sobrevivência, não merece hoje contestação.

13 Um estudo clássico desta questão continua a ser James TURNER, Ideology, Reason, and the Limitation ofiWar: Religious and Secular Concepts, 1200-1740 (Princeton: Princeton U. P., 1975); particularmente interessante por fazer a demonstração da pertinência desta análise para duas religiões chave do mundo moderno é AA. W., Cross, Crescent and the Sword: The Justification and Limitation of War in Western and Islamic Tradition (Nova Iorque: Greenwood Press, 1991).

14 Cf. ο manual recente de Ninian SMART, The World Religions, (Cambridge: C. U. P.·, 1998), na qual baseamos muitas das nossas referências.

15 Cf. A sua discussão do uso da religião por D. Fernando de Aragão como modelo do novo princípe in Niccolo Machiavelli, Il Principe, cap. XXI, «Quod Principem Deceat ut Egregius Habeatur».

16 Ο grande estudo neste campo, que ilustra perfeitamente a pertinência, quer da ideia da co-existência de correntes mais ou menos pacíficos nas diversas tradições religiosas quer a importância de as abordar numa perspectiva evolutiva (porque é que se tornaram violentas, ou vice-versa), é a obra colectiva em cinco volumes, resultante do chamado «Fondamentalism Project» da Academia das Ciências norte-americana de Martin E. MARTY e R. Scott APPLEBY (eds.), Fundamentalisms Observed (Chigaco: Chigaco U. P., 1991); IDEM, Fundamentalisms and the State (Chigaco: Chigaco U. P., 1993); IDEM, Fundamentalisms and Society (Chigaco: Chigaco U. P., 1993); IDEM, Accounting for Fundamentalisms: The Dynamic Caracter of Movements (Chigaco: Chigaco U. P., 1994); IDEM, Fundamentalisms Comprehended (Chigaco: Chigaco U. P., 1995).

17 A obra clássica a este respeito é ο volume da coleção «Nouvelle Clio» de Marcel SIMON e André BENOIT, Le Judaisme et le Christianisme antique. De Antiochus Epiphane à Constantin, (Paris: P.U.F., 1991).

18 Sobre as atrocidades cometidas pelos guerreiros tibetanos vitoriosos sobre forças chinesas e missionários cristãos, cf. Laurent DESHAYES, Histoire du Tibet, (Paris: Fayard, 1997), p. 245 ss.

19 Cf. conversa entre ο líder comunista italiano Gian Carlo Panetta e Mao Zedong em 1959, cit. Andrea RICCARDI, Il Potere del Papa, (Bari/Roma, Laterza, 1993), p. 129: “[Mao] escutou-me com atenção e explicou-me depois tranquilamente que a soberania nacional, de acordo com a sua concepção, estendia-se (e ergueu os seus braços para deixar mais claro ο seu argumento) também ao reino dos céus.”

20 Cf. Ashutosh VARSHNEY, Ethnic Conflict and Civic Life: Hindus and Muslims in India (New Haven, Yale U.P., 2002).

21 Cf. Bernard WASSERSTEIN, Divided Jerusalem: The Struggle for the Holy City, (2nd. ed., New Haven, Yale U. P., 2002).

22 Cf. Fred HALLIDAY, «The Iranian Revolution in Comparative Perspective», Islam and the Myth of Confrontation, (Londres: I.B. Tauris, 1996), pp. 42-75.

23 Uma boa história recente do conflito por Ronald ASCH, The Thirty Years War: the Holy Roman Empire and Europe, 1618-48, (Nova Iorque: St. Martin's Press, 1997).

24 James T. JOHNSON, The Holy War Idea in Western and Islamic Traditions, (Filadélfia: Penn State U. P., 1997). Ou Albert RANDALL, Theologies ofWar and Peace Among Jews, Christians and Muslims, (Toronto: Edwin Mellen Press, 1997). Ver também nota 21.

25 Cf. Triratna M'ANANDHARA, Some aspects of Rana rule in Nepal (Katmandu: Purna Devi Manandhar, 1983).

26 Cf. para uma visão aprofundada das questões mais amplas colocadas por essa «escritura» hindú Anantal'ala THAKKURA, Elements of political science in the Mahabharata (Delhi: Dharam Hinduja International Centre of Indic Research/Nag Publishers, 1995).

27 E.g. David Mitchell, Shaolin Temple kung fu (Londres: Stanley Paul, 1990).

28 Cf. ο brilhantes (e curto) livro sobre a região, Mark MAZOWER, The Balkans (Londres: Phoenix Press, 2001), p. 64 ss.

29 Cf. para uma visão aprofundada do período formativo cf. Reuven FIRESTONE, Jihad: The Origin ofHoly War in Islam, (Nova Iorque: O. U. P., 2000). Ο conceito de Dever Negligenciadoο nome a uma obra fulcral na literatura inspiradora dos movimentos terroristas islâmicas, amplamente citada e exemplaramente analisada em David RAPOPORT, «Sacred Terror», in Origin of Terrorism. (Washington DC: The Woodrow Wilson Centre Press, 1998), maxime p. 108 ss.

30 Uma fonte indispensável de análise e estatísticas a este respeito são os SIPRI Yearbooks editados pelo Stockholm International Peace Research Institute e publicados pela Oxford University Press. Ο site deste instituto é também um recurso precioso, cf. www.sipri.se
Ο seu equivalente para ο terrorismo é ο Centre for the Study of Terrorism and Political Violence na Universidade de St. Andrews – www.st-andrews.ac.uk/intrel/research/cstpv/– nomeadamente a respectiva cronologia de incidentes terroristas desde 1968, que é analisada por um antigo director do centro, Bruce Hoffman numa estudo citado adiante (cf. nota 32).
A melhor obra colectiva de análise de evolução da violência nos anos 90 parece-nos ser Chester A. CROCKER, Fen Osier HAMPSON e Pamela AALL (eds.),
Turbulent Peace: The Challenges of Managing International Conflict, (Washington DC, USIP Press, 2001).

31 A respeito das muitas ambiguidades nas relações entre a Igreja Ortodoxa e ο poder soviético a melhor fonte é, apesar do que ο título possa parecer mais restritivoAndrea RICCARDI, Il Vaticano e Mosca, (Bari/Roma: Laterza, 1993), visto que a obra se centra no triângulo Patriacado, Kremlin, Vaticano.

32 Bruno Cardoso Reis, 'Religiões, Estados e Relações Internacionais...', Politico. International, n.° 21 (Primavera/Verão 2000), pp. 195-228.

33 Cf. A introdução, recolha do artigo original e de vários comentários críticos em AA. VV.Ο Choque das Civilizações? Ο Debate sobre a Tese de Samuel P. Huntington, (Lisboa: Gradiva, 1999); assim como ο livro em que ο autor refina e desenvolve a sua tese Samuel HUNTINGTON,Ο Choque das Civilizações e a Mundança na Ordem Mundial, (Lisboa: Gradiva, 1999).

34 John K. KNAUS, Orphans of the Cold War: America and the Tibetan Struggle for Survival, (Nova Iorque: Public Affairs, 1999).

35 Uma boa obra de referência e análise é a de Mark Juergensmeyer, Terror in the Mind of God: The Global Rise of Religious Violence.,(2nd. ed., Berkeley: University of California Press, 2001), particularmente os capítulos mais analíticos, como «Cosmic War» (p. 145 ss.) e «Martyrs and Demons» (p. 164).

36 Cf. Olivier ROY, L'Échec de l'Islam Politique, (Paris, Seuil, 1992); e a sua obra mais recente, L'Islam Mondialisé, (Paris, Seuil, 2002). Assim como François BOURGAT, Que Islamismo aí ao Lado?, (Lisboa, Piaget, 1999).

37 Samuel HUNTINGTON, «The Age of Muslim Wars», Newsweek, Special Edition «Issues 2002», pp.6-15.

38 Cf. Bruce HOFFMANN, Countering the New Terrorism, (Santa Monica: RAND, 1999), especialmente os gráficos das pp. 11 e 16.

39 Um texto com uma argumentaçao e investigação muito sustentada neste linha é ο paper de Jean-François MAYER, Religions et Securité Internationale, (Berne: Office Centrale de la Defence, 1995).

40 Cf. R. Scott APPLEBY, «Militants for Peace», The Ambivalence of the Sacred, pp. 121-165.

41 Um bom estudo sobre ο processo de paz que aborda estas questões num quadro mais geral é ο de Cameron HUME, Ending Mozambique's War: The Role of Mediation and Good Offices, (Washington: USIP Press, 1994). Ο autor foi ο mediador norte-americano no processo negocial coordenado pela Comunidade de Santo Egídio, que organizou em conjugação com as paróquias católicas moçambicanas e como forma de pressão sobre as partes, um abaixado assinado a favor da paz, ο qual, para espanto do líder da RENAMO, Afonso Dlhakhama, inicialmente desconfiado, havia sido assinado pelo seu próprio pai!

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Como os conflitos religiosos na Europa influenciaram a ida de ingleses para América do Norte?

A perseguição religiosa aos puritanos, os calvinistas ingleses, principalmente depois da criação do anglicanismo com Henrique VIII, levou-os a se deslocarem para a América. O objetivo era criar espaços de vivência onde podiam exercer livremente seus preceitos religiosos.

Quais outros fatores além dos conflitos religiosos que são causadores das guerras e conflitos entre países?

As guerras são conflitos armados que acontecem por diferentes motivos, como desentendimentos religiosos, interesses políticos e econômicos, disputas territoriais, rivalidades étnicas, entre outras razões.

Por que as questões religiosas e étnicas são motivos de conflitos em alguns países do mundo?

Os conflitos étnicos são justificados por diversas motivações, especialmente políticos, territoriais e religiosos. Os atos de violência são recorrentes, provocando a morte de milhões. O conflito entre israelenses e palestinos dura mais de 70 anos, sendo a cidade de Jerusalém o principal foco da disputa.

É possível afirmar que todos os conflitos ocorrem por motivos religiosos?

Resposta: Não sempre, mas quase sempre.