Qual a Independência do Brasil deixou de ser colônia e passou a ser uma?

Oriente – Brasil Colônia [Nissin, Fábio Brazza , Sant, Sid, Gog]

Até o momento do grito de liberdade proferido às margens do Rio Ipiranga, ainda que os registros documentais apontem controvérsias sobre essa peripécia, uma sequência de eventos foram determinantes para este novo capítulo da história brasileira. Há nos registros que o ano de 1822 foi o passaporte para a independência do país. A nossa trajetória, contudo, não necessariamente segue uma linha cronológica retida em suas datas, mas sim uma conciliação entre o presente e o passado que se fundem ao corpo social e permanecem na nossa cultura, comportamento, organização política e econômica. Afinal, pregressos há quase dois séculos, deixamos o nosso passado colonial para trás?

Pode ser uma armadilha tentadora, à primeira vista, enunciar um corriqueiro sim ou não. Não é incomum, na verdade, por vezes atrelarmos a nossa origem de exploração, violência e corrupção à estrutura social que conhecemos hoje.  Para colocar em uma balança o peso dos resquícios do nosso passado com as decisões contemporâneas, é preciso um certo medidor. 

O Brasil Colonial, que deu largada no ano de 1530 com a iniciativa da Coroa Portuguesa de explorar o potencial econômico da recente descoberta, amparou-se em uma estrutura formada em três eixos para pendurar. O tripé da monocultura, latifúndio e escravidão esteve intrinsecamente ligado ao êxito do sistema vivo por quase 300 anos. 

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Várias obras representam a chegada dos portugueses e sua instalação no território brasileiro

Como aponta Fábio Kuhn, pesquisador e professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), temos, pelos menos, três heranças que emergiram em nossa forma de se relacionar. Segundo o historiador, podemos observar, nos dias atuais, vínculos descendentes do nosso embrião luso-brasileiro que chegaram com as caravelas. É importante ressaltar, no entanto, que a contemporaneidade é formada por uma soma de fatores não apenas do passado colonial, mas também com as decisões que atravessam a nossa história ao longo do seu percurso.

A sociedade brasileira é altamente violenta, não só pelo número de homicídios, mas pela forma generalizada que ocorre. Existe um grande risco em viver no Brasil

FÁBIO KUHN, historiador

A primeira delas é a violência. De acordo com o pesquisador, por sua forma operacional de sistema, a colônia brasileira era alimentada para seu funcionamento pela brutalidade e opressão. Os números recentes mostram que o Brasil é o país onde a população tem o mais alto grau de medo da violência, segundo o Global Peace Index (GPI) de 2021. A pesquisa, elaborada anualmente pelo Instituto para Economia e Paz, sediado na Austrália, mostrou que quase 83% dos brasileiros temem ser vítimas de um crime violento.

O segundo ponto trazido pelo pesquisador é a desigualdade social. Como explica Fábio, a sociedade colonial era profundamente hierarquizada, tendo uma minúscula elite que dominava e concentrava os bens. No Brasil, isso não mudou. A nação não só continua sendo um dos países mais desiguais do mundo, como está piorando: em 2020, seguindo uma tendência mundial acelerada pela pandemia do novo coronavírus, a concentração de renda aumentou no país e, com isso, atingiu o pior nível em pelo menos duas décadas. É o que mostram números da edição de 2021 do relatório sobre riqueza global feito pelo banco Credit Suisse. Em 2020, quase a metade da riqueza do país, 49,6%, foi toda para a mão do 1% mais rico da população. Em 2019, eles detinham 46,9%. 

Neste ponto, o professor ressalta que a desigualdade social não é, necessariamente, um problema estrutural, mas um ponto existente em todos os países. Isso acontece porque a sociedade comporta diferentes atividades, capazes de gerar resultados diversos quanto ao impacto financeiro e necessidade mercadológica. Ou seja, depende do quanto cada força de trabalho, produto ou serviço possui oferta e demanda, fatores diretamente ligados à cultura e aos resultados econômicos de cada país. Apesar disso, a desigualdade social pode se tornar um grande problema, à medida que vemos a amplificação da pobreza ou extrema-pobreza. A partir deste ponto, a desigualdade passa de uma existência natural para um processo a ser minimizado. 

Uma terceira característica, associada ao cenário escravocrata, é o racismo estrutural. Segundo o pesquisador, é perceptível que, ainda, há muita dificuldade de ascensão e mobilidade social, limitadas como consequências diretas do racismo.

A atual conjuntura carrega efeitos atrelados aos anos de coerção violenta trazidos pelo trabalho forçado, em convergência com a  ausência de políticas públicas pós-abolição ou ressarcimento pelo setor privado. “Existe um mito do brasileiro cordial, mas nós não somos diferentes, o nosso racismo é mitigado e disfarçado. Ser negro no Brasil é um desafio, pois a pessoa precisa se afirmar não apenas pelas suas capacidades, mas para superar o preconceito enraizado”, pondera Fábio. 

Qual a Independência do Brasil deixou de ser colônia e passou a ser uma?
Obra de Jean-Baptiste Debret

Os elementos elencados pelo professor se relacionam diretamente ao tripé basilar da sociedade colonial.  Os vestígios da monocultura, o latifúndio e a escravidão podem estar mais presentes na nossa vida hoje do que imaginamos. 


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A origem da concentração de terras

Não é uma tarefa fácil mensurar o nível de diferenças econômicas dentro de um país,  mas um indicador frequentemente usado por especialistas é a distribuição de terras. O Brasil é apontado mundialmente por seu grande acúmulo de territórios para uma parcela diminuta da sociedade, e este pode ser um dos pontos mais difíceis de mudar. 

De acordo com o último Censo Agropecuário do país, realizado em 2017, apenas cerca de 1% dos proprietários de terra controla quase 50% da área rural do país. Por outro lado, os estabelecimentos com áreas menores de10 hectares (cada hectare equivale a um campo de futebol) representam metade das propriedades rurais, mas controlam apenas 2% da área total.

O professor Sérgio Sauer, sociólogo e docente da Universidade de Brasília (UNB), explica que esse processo ocorre desde as primeiras intervenções da Coroa Portuguesa, gerando a origem dos latifúndios. Em 1536, Lisboa decidiu dividir o território brasileiro em grandes faixas de terras que iam do litoral até a linha imaginária determinada pelo Tratado de Tordesilhas. As chamadas Capitanias Hereditárias foram doadas a representantes da nobreza e aos militares.

“Além do aspecto econômico e produtivo, historicamente, a propriedade é um elemento central do poder político. Uma redistribuição de terras significa uma redistribuição de poder” 

SÉRGIO SAUER, sociólogo

Em vão, ao longo do tempo, uma série de medidas legais foram tomadas tentando equilibrar esta balança. Somente em 1950 que a distribuição de propriedades rurais começou a ser debatida em sociedade, a partir do desenvolvimento industrial e do aumento da urbanização, quando o país deixou de ser apenas agrícola.

A Constituição de 1988 estabeleceu o direito à União de desapropriar terras particulares para fins de reforma agrária. O debate ficou estagnado, e o professor Sérgio explica o porquê no áudio a seguir:

Sérgio Sauer, sociólogo e docente da Universidade de Brasília (UNB)

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), grupo ativista da causa,  busca fundamentalmente a redistribuição das terras improdutivas. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 184 que: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”.Apesar disso, as barreiras centrais no processo de reforma agrária brasileiro são as  irregularidades e a baixa fiscalização. Segundo relatório do TCU, o valor de terras ocupadas com suspeita de irregularidades soma 159 bilhões de reais.

Em um campo filosófico do debate, há correntes que apontam sobre o direito inviolável à propriedade e criticam o discurso de reforma agrária moderno, como é feito pelo MST e suas consequências à violação de propriedade, alegando que trazem como resultados o aumento de conflitos e da violência no campo, sem necessariamente trazer melhores resultados. Há relatos, ao longo dos anos, de invasões por grupos sociais em terras apontadas como produtivas, vandalismo e animais abatidos pelo movimento, gerando uma guerra de narrativas entre os proprietários das terras e seus aspirantes. 

O país de um produto só

É evidente que o Brasil não produz hoje somente um item agrícola, mas se destaca pelas  monoculturas, que se caracterizam pela produção de apenas um produto em uma grande extensão de terra. Marca registrada do período de exploração, as plantações de uma mercadoria remontam ao período colonial e parecem seguir como uma fundamental estratégia econômica brasileira.

Antes, as potências europeias praticavam nas colônias as plantations de exportação, sustentado pelo tripé que assina a era da exploração extrativa. Naquela época, havia o monocultivo da cana-de-açúcar em São Paulo, Minas Gerais e na região da Zona da Mata, no Nordeste do país, onde foi mais acentuado e iam direto, como alvo, para o continente europeu.

Qual a Independência do Brasil deixou de ser colônia e passou a ser uma?

O Brasil segue insistindo nesse modelo de produção, sem majoritariamente propiciar um valor agregado que potencialize os ganhos por produto e retire o país como refém da escala primária – uma característica bastante observada por países ainda em desenvolvimento. Grande percentual do PIB brasileiro está interligado com os resultados alcançados pelo agronegócio. Os campos movimentam a economia do país como nenhuma outra atividade parece capaz de superar tão cedo. “É importante não negarmos as raízes, mas também não atribuir todo o problema ao passado. Por isso é preciso, quando olhamos os processos mais recentes, os modelos e as políticas de desenvolvimento para o campo, saber que elas são responsáveis pela manutenção do sistema. Erros e problemas da atualidade”, opina Sérgio. 

A aposta para a principal fonte de renda dos produtores rurais é a soja. Após temporadas batendo recordes atrás de recordes em exportação, alcançou o primeiro lugar nas exportações no ano passado, com 126 milhões de toneladas produzidas e 84 milhões exportadas. O Brasil é um gigante no campo, responde hoje por 50% do comércio mundial de soja. Mas, como no passado, pouco da produção fica no país. De acordo com dados divulgados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 2019, por exemplo, dos 113, 923 milhões de toneladas produzidas, menos da metade permanecia no país, correspondendo a 47,281 milhões de toneladas de soja para o consumo interno em grãos. 

Mas esses números têm um preço. Para expandir o plantio, quando se chega ao máximo de eficiência de uma lavoura amparada na tecnologia, é necessário ampliar a área agricultável. Os conflitos entre indígenas e os senhores de terras (ou aspirantes) nunca teve o cessar fogo. Mais uma vez, a campeã em expansão da fronteira agrícola deverá ser a região Norte. Além disso, cultivar um único produto significa substituir a cobertura vegetal original do local, normalmente formada por muitas plantas, o que é considerada uma prática danosa ao solo. O sociólogo Sérgio, ainda, analisa a continuidade desses embates:

Sérgio Sauer, sociólogo e docente da Universidade de Brasília (UNB)

Tempos sombrios sem liberdade

Entre os piores feitos cometidos na história humana está a escravidão. No Brasil, ela foi institucionalizada e usada como ferramenta para sustentar um sistema cruel, hediondo e que sequestrou um dos bens mais preciosos de um indivíduo: a liberdade. São 130 anos passados do ato de proibição integral da prática, após décadas de legislações que engatinham neste sentido, um tempo ainda curto para cicatrizar todas as feridas. 

Logo no início do projeto predatório na região “descoberta” pelos portugueses, o trabalho forçado foi uma arma erguida pelos colonizadores. Primeiro os nativos, depois africanos trazidos contra a sua vontade para um outro continente pelos navios negreiros. A comercialização da vida humana foi um negócio que ajudou a faturar fortunas ao longo de três séculos.

Qual a Independência do Brasil deixou de ser colônia e passou a ser uma?
Obra de Johann Moritz Rugendas

Ao longo dos 300 anos de existência do tráfico negreiro, cerca de 4,8 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil, o que significa que nosso país foi o que mais recebeu africanos para serem escravizados ao longo de três séculos em todo o continente americano.

Como explica Maria Helena Pereira Toledo Machado, docente do curso de História da Universidade de São Paulo (USP), após o decreto de abolição da escravatura, não houve nenhum movimento de políticas públicas para integrar essas pessoas ao mercado de trabalho e ao corpo social. Tampouco donos de escravos estavam dispostos a colaborar, também sentindo-se lesados pela perda de sua então propriedade.

Entrevista com Maria Helena Toledo Machado, docente do curso de História da Universidade de São Paulo (USP)

Mas como esse passado recente ainda afeta o Brasil? A dificuldade é que nem sempre conseguimos mensurar os dados com precisão. Por exemplo, o número de vezes que um candidato negro foi desfavorecido na escolha de um cargo em disputa com um candidato branco por uma mesma vaga; mapear as situações de violência direcionadas por outros grupos de pessoas não negras ou por uma força Estatal (abuso de autoridade policial) que geram constrangimento, sentimento de revolta e, em casos mais graves, danos físicos ou morte por conta da cor da pele; entre outras situações. 

O desafio mora aí para reverter este cenário, quando temos informações imprecisas da realidade para corrigi-las. É um sentimento vivido diariamente por pessoas negras no Brasil e no mundo. Ainda sim, temos dados mensuráveis mais facilmente que mostram que pessoas pretas e pardas ocupam menos espaços de poder no país. Há também uma taxa menor no grau de escolaridade e de renda, mesmo sendo consideradas a maior parte da população.

De acordo com os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD ) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, os negros e pardos representavam 54% da população brasileira, mas sua participação no grupo dos 10% mais pobres era muito maior: 75%. No grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de negros e pardos é de apenas 17,8%.

“O Brasil já foi o país do futuro, hoje ele é o país do atraso”

MARIA HELENA TOLEDO, historiadora

A pobreza, a violência e a discriminação que afetam os negros no Brasil são um reflexo direto de um país que normalizou o preconceito contra esse grupo e o deixou à margem da sociedade.

Especialista em história social da escravidão, abolição e pós-emancipação, Maria Helena pontua que o racismo, embora tenha a presença ainda de forma muito latente no nosso meio social, coube também a nossa sociedade vigente uma série de escolhas que poderiam transpor ou perpetuar o passado. 

Entrevista com Maria Helena Toledo Machado, docente do curso de História da Universidade de São Paulo (USP)

O que tudo isso pode nos dizer do Brasil de hoje?

Qual a Independência do Brasil deixou de ser colônia e passou a ser uma?
Arte: Ayla Dresch

Por mais que tenhamos sido alertados, há alguns séculos, que a diferença entre o veneno e o remédio está na dosagem, parece mais tangível culpabilizar um início corruptivo e defeituoso para justificar índices vergonhosos. Do contrário, caberia a nós a responsabilidade por hoje, como aponta o IBGE, termos um quarto da população brasileira vivendo em situação de pobreza ou extrema-pobreza. 

Colocando em uma lupa todo o percurso da história brasileira, alicerçada pelo tripé da sociedade colonial formado por latifúndio, monocultura e escravidão, estamos procurando a cura para o sintoma e não para a doença. De fato, como dizem os entrevistados, a desigualdade no Brasil foi um processo aprofundado pela condução do sistema político ao longo da história. A desigualdade amplificada vivida pelo país, no entanto, é uma manifestação do problema real: a pobreza. 

Isso é sinal de que ainda não aprendemos a lição de casa, com quase 500 anos que nos separam do início do Brasil Colonial e, ainda assim, acompanhamos os resquícios da violência, corrupção e abismo econômico generalizado no país.  Não só por culpa do passado, mas de nós mesmos ainda hoje. 


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Quando o Brasil deixou de ser colônia é a que foi elevado?

Em 1815, o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido e, assim, o Brasil deixou de ser colônia. Em 1820, a Revolução Liberal do Porto foi iniciada em Portugal e reivindicava o retorno do rei português.

O que aconteceu depois que o Brasil se tornou um país independente?

Após o grito de independência, houve guerras de independência em algumas partes do Brasil. D. Pedro foi aclamado e depois coroado imperador do Brasil, tornando-se d. Pedro I e iniciando o Primeiro Reinado.

Como a Independência do Brasil passou do período colonial para o período da?

Com o fim da Colonização, começa o período Independente do Brasil, tendo sido a nossa primeira forma independente de governo a Monarquia, tendo Dom Pedro I como o primeiro Imperador do Brasil.

Como o Brasil deixou de ser colônia de Portugal?

No dia 7 de setembro de 1822, o príncipe regente dom Pedro, irritado com as exigências da corte, declarou oficialmente a separação política entre a colônia que governava e Portugal. Em outras palavras, ele proclamou a Independência do Brasil.