Qual a diferença entre um cérebro é um computador?

Neurociências mar 31, 2007

Qual a diferença entre um cérebro é um computador?

O blog Developing Intelligence fez uma lista de algumas diferenças que existem entre o cérebro humano e um computador.
1- Cérebros são analógicos; computadores são digitais
2- Cérebros usam memória endereçada por conteúdo
3- Cérebros são máquinas massivamente paralelas; computadores são modulares e seriais
4- A velocidade de processamento não é fixa em um cérebro; não existe um clock no sistema
5- Memória de curta duração não é como uma RAM
6- Não é possível fazer uma distinção entre cérebro e mente como se faz com hardware e software
7- Sinapses são muito mais complexas que portas lógicas elétricas
8- Diferente dos computadores, o processamento e memória são feitos pelos mesmos componentes no cérebro
9- O cérebro é um sistema auto-organizado
10- Os cérebros têm um corpo

Cada um dos ítens acima é detalhado no blog original, para acessar, visite:
http://scienceblogs.com/developingintelligence/2007/03/why_the_brain_is_not_like_a_co.php#more


por
Adriano Pasqualotti

Neste texto, fez-se uma reflex�o sobre a vis�o que os autores Maturana/Varela e Morin t�m sobre a rela��o c�rebro/computador. Procurou-se descrever os pontos nos quais as considera��es dos autores convergem.

Para Maturana/Varela, a met�fora do c�rebro como um computador � equivocada, pois nesse caso seria necess�rio definir o sistema nervoso como um unidade que interage por meio de entradas e sa�das. Os autores definem o c�rebro como "[...] uma unidade definida por suas rela��es internas, nas quais as intera��es s� atuam modulando sua din�mica estrutural". Segundo Maturana/Varela, o sistema nervoso "[...] constr�i um mundo, ao especificar quais configura��es do meio s�o perturba��es e que mudan�as estas desencadeiam no organismo".

O funcionamento nervoso � um ponto claramente destacado no texto, e que foi chamado pelos autores de clausura operacional. Para Maturana/Varela, n�o � poss�vel dicotomizar o funcionamento do c�rebro como sendo ou representacionista ou solipsista. Para classificar o sistema nervoso como representacionista seria necess�rio admitir, por exemplo, que n�o � o seu estado estrutural que especifica quais as perturba��es que s�o poss�veis as intera��es com o meio. Da mesma forma, n�o � poss�vel classificar o sistema nervoso como sendo solipsista, pois, para isso teria que se admitir, por exemplo, que mesmo o c�rebro sendo parte de um organismo, ele n�o participa das intera��es com o meio, o que obviamente � um absurdo.

Morin discute em seu texto, as diferen�as e semelhan�as que s�o poss�veis de se fazer ao comparar o c�rebro humano com um computador. Ele inicia indicando que com a tecnologia atual n�o � poss�vel construir uma m�quina dotada de emo��o; j� a mente humana � "[...] inerente a um ser dotado de sensibilidade, de afetividade e de autoconsci�ncia".

Para o autor, n�o � absurdo admitir que o computador, ao processar dados por meio de disjun��o ou conjun��o, possui uma intelig�ncia, mesmo que definida como intelig�ncia artificial. Ao contr�rio do computador, a mente/c�rebro, n�o se limita � computa��o, mas interage essa ao pensamento.

Os computadores s�o definidos como sendo ou digitais ou anal�gicos. As m�quinas digitais s�o caracterizadas por realizarem opera��es bin�rias; j� as anal�gicas caracterizam-se por realizarem opera��es com infinitos valores em um intervalo definido. O c�rebro humano, ao contr�rio, combina os processos anal�gicos e digitais, pois, "[...] � preciso associa-los para captar a originalidade do esp�rito humano".

A seguir, encontram-se na �ntegra os textos sobre a rela��o "c�rebro/computador".

O c�rebro e o computador de acordo com Matura e Varela (2001, p. 188)

"[...]

� interessante notar que a c1ausura operacional do sistema nervoso nos diz que seu funcionamento n�o cai em nenhum dos extremos: nem o representacionista nem o solipsista.

O sistema nervoso n�o � solipsista porque, como parte do organismo, participa das intera��es deste com o seu meio, que nele desencadeia continuamente mudan�as estruturais que modulam sua din�mica de estados. De fato, � fundamentalmente por isso que n�s, como observadores, temos a impress�o de que as condutas animais s�o, em geral, adequadas �s suas circunst�ncias. Eles n�o se comportam como se estivessem seguindo sua pr�pria determina��o, independentemente do meio. Isso ocorre assim, embora para o. funcionamento do sistema nervoso n�o exista o fora nem o dentro, mas sim a manuten��o de correla��es pr�prias que est�o em cont�nua mudan�a.

[...] O sistema nervoso tamb�m n�o � representacionista, porque em cada intera, � seu estado estrutural que especifica quais as perturba��es que s�o poss�veis, e que mudan�as elas podem desencadear em sua din�mica de estados. Seria um erro, portanto, definir o sistema nervoso como tendo entradas ou sa�das, no sentido tradicional. Isso significaria que tais entradas e sa�das tomariam parte na defini��o do sistema, como acontece com o computador e outras m�quinas produzidas pela engenharia. Fazer isso � inteiramente razo�vel quando projetamos uma m�quina na qual o principal � saber como queremos interagir com ela. Mas o sistema nervoso (ou organismo) n�o foi projetado por ningu�m: � o resultado da deriva filogen�tica de unidades centradas em sua pr�pria din�mica de estados. Assim, o adequado � reconhece-lo como uma unidade definida por suas rela��es internas, nas quais as intera��es s� atuam modulando sua din�mica estrutural, isto �, como uma unidade dotada, clausura operacional. Dito de outro modo: sistema nervoso n�o "capta informa��es" do meio, como freq�entemente se diz. Ao contr�rio, ele constr�i um mundo, ao especificar quais configura��es do meio s�o perturba��es e que mudan�as estas desencadeiam no organismo. A met�fora t�o em voga do c�rebro como um computador n�o s� � amb�gua como est� francamente equivocada.

[...]"

O c�rebro e o computador, segundo Morin (2001, p. 97-101)

"[...]

O computador foi comparado � mente/c�rebro humano. Essa compara��o revela as diferen�as e as analogias.

O computador � o c�rebro s�o duas m�quinas, mas uma � produzida, fabricada, organizada pela mente humana, sa�da de uma m�quina cerebral inerente a um ser dotado de sensibilidade, de afetividade e de autoconsci�ncia. Nenhum esp�rito emerge do computador, mesmo numa cultura; j� o c�rebro tem a capacidade, pela mente, de reconhecer-se como m�quina e mesmo de saber que � mais do que uma m�quina.

Contudo, a despeito dessas diferen�as radicais, o computador � capaz de realizar performances sobre-humanas de c�lculo, opera��es l�gicas, refuta��es, racioc�nios por tentativa e erro, por retroa��o, por refer�ncia a casos. Ainda mais, como o c�rebro humano, o computador compute[1]procedendo por disjun��o e conjun��o. Neste sentido, a palavra intelig�ncia n�o � abusiva: h� uma intelig�ncia artificial. Mas a intelig�ncia artificial limita-se � computa��o, enquanto a mente humana integra a computa��o cerebral na cogita��o, ou seja, no pensamento.

O c�rebro � uma m�quina bio-qu�mico-el�trica. Ao contr�rio do computador, a mente/c�rebro trabalha num jogo combinando precis�o e imprecis�o, incerteza e rigor, e cruza rememora��o, computa��o, cogita��o. Como � extraordinariamente complexo, o esp�rito/c�rebro trabalha com, por e contra o ru�do[2], o que acarreta riscos enorme de erros, de ilus�es, de loucura, mas tamb�m chances prodigiosas de inven��o e de cria��o.

O c�rebro diferencia-se dos computadores digitais, embora realize opera��es bin�rias, e dos computadores anal�gicos, embora crie e utilize analogias (diferentes, de resto, das utilizadas pelos computadores anal�gicos).

O esp�rito/c�rebro combina, de modo permanente, os processos digitais e os processos anal�gicos. Essas duas qualidades parecem logicamente incompat�veis, da mesma forma que, para a part�cula microf�sica, a qualidade da onda e a qualidade do corp�sculo. Contudo � preciso associ�-los para captar a originalidade do esp�rito humano.

O digital separa, divide, discerne, localiza, mede e desenvolve o campo do divis�vel, do que se pode discernir, do separ�vel, de localiz�vel, do mensur�vel. A analogia liga, associa, conecta, justap�e e desenvolve o campo das evoca��es, das sugest�es, das reaproxima��es, das rela��es.

�A analogia, tomada no sentido amplo, junto com sua prima, a semelhan�a (ou a similaridade), � certamente o suporte de numerosas atividades cognitivas autom�ticas e n�o estou longe de pensar que se a de um dos determinantes fundamentais do funcionamento cognitivo�. O processo anal�gico realiza-se como ondas percorrendo os diversos campos da mente, transportando de um dom�nio para outro imagens, no��es, modelos, conforme o sentido literal da palavra met�fora: carregar para al�m de. A met�fora disp�e de virtudes quase sempre desconhecidas: � um �indicador de uma n�o-linearidade, de uma abertura do texto ou do pensamento para diversas interpreta��es por ecoar nas id�ias pessoais de um leitor ou de interlocutor�.

Um jogo combinado de met�foras pode trazer mais conhecimentos do que um c�lculo ou uma denota��o; assim, as met�foras de um en�logo, evocando o corpo, o frutado, o buqu�, a perna, o nariz, o aveludado, e designando os aromas por analogias, descrevem de maneira, ao mesmo tempo, mais precisa, mais concreta e mais sens�vel as qualidades de um vinho que as an�lises moleculares e as propor��es qu�micas. Antonio Machado dizia que �uma met�fora tem tanto valor cognitivo quanto um conceito e, �s vezes, mais�. E Paul Ricoeur: �Tratada como atribui��o bizarra, impertinente, a met�fora deixa de figurar como ornamento ret�rico ou de curiosidade ling��stica para fornecer a ilustra��o mais explosiva do poder da linguagem de criar ido atrav�s de reaproxima��es in�ditas�.

A analogia desenvolve-se em duas vias. Uma abstrata e racional, apareceu entre os antigos gregos para designar, numa an�lise de racionalidade, a igualdade de duas rela��es matem�ticas. A segunda vai de semelhan�a em semelhan�a para estabelecer parentescos entidades. A multiplica��o de situa��es ou de acontecimentos an�logos conduz � indu��o, um modo de conhecimento animal, humano e cient�fico. O estabelecimento de analogias organizacionais e funcionais, como o feed-back negativo, em entidades de natureza diferente (m�quinas artificiais, seres vivos, sociedades), � incontestavelmente racional.

Nestes �ltimos casos, a analogia � controlada e n�o identifica com as outras as entidades de natureza diferente. Em contrapartida, no pensamento po�tico ou mitol�gico, a analogia estabelece, onde a l�gica separa, liga��es e identifica��es. O sol, por exemplo, � um carro que, surgindo no Oriente, termina sua corrida no c�u chegando ao Ocidente. O mundo animal � visto em analogia com o mundo humano e reciprocamente. Os rel�mpagos, a erup��o de um vulc�o, s�o a c�lera de um deus. A correspond�ncia especular do microcosmo (humano) e do macrocosmo exprime o alicerce anal�gico do pensamento mitol�gico.

As antigas analogias mitol�gicas n�o fazem mais parte das cren�as contempor�neas, mas permanecem vivas em nossos afetos, em nossos estados de alma e em nossa poesia. Nossa linguagem est� repleta de transfer�ncias anal�gicas de um dom�nio para outro, tornadas quase impercept�veis (o nascer do sol, as ra�zes do mal, a ec1os�o do amor). A compreens�o de pessoa a pessoa faz-se por proje��o de si no outro, identifica��o com o outro, num vivido anal�gico em que o outro ego alter, toma-se alterego. O pr�prio conhecimento cient�fico, que na sua fase simplificadora quis e pensou ter expulsado a analogia, utilizou-a, contra sua pr�pria vontade (a �sele��o� natural, as �leis� da natureza). Como j� mostramos, a racionalidade pratica a analogia mesmo submetendo-a a exames e verifica��es. � nos pensamentos po�tico e mitol�gico que a analogia atinge o apogeu...

Cabe acrescentar que a aptid�o mim�tica, pr�pria do esp�rito humano, toma-nos psiquicamente an�logos ao que imitamos (rever cap�tulo 2), o que leva a uma esp�cie de possess�o do imitador pelo imitado. Por isso, alguns atribu�ram a xam�s, em estado de possess�o mim�tica, o verismo cativante das pinturas de animais de grotas pr�-hist�ricas, como em Chauvet e Lascaux.

O digital separa o que � ligado; o anal�gico une o separado. A comp1ementaridade permanente assegura e fecunda o conhecimento. A mente humana, que trata o separ�vel e o n�o-separ�vel, pode discernir os limites de um conhecimento consagrado somente ao divis�vel e ao separ�vel, reconhecer as incertezas de um conhecimento que s� se mobiliza na analogia e tratar a complexidade, em que o separ�vel e o insepar�vel s�o insepar�veis.

H�, da mesma forma, duas linguagens ligadas na linguagem; uma que denota, objetiva, calcula, baseia-se na l�gica do terceiro exclu�do; outra que conota (evoca o halo de significa��es contextuais em tomo de cada palavra ou exposi��o), baseia-se na analogia, tende a exprimir afetividade e subjetividade. As duas linguagens formam um s� em nossa linguagem cotidiana. Uma das riquezas extraordin�rias da l�ngua � que ela combina as linguagens e traduz assim a complexidade racional/afetiva do ser humano. Quando se pretende, sobretudo racional, o discurso desenvolve-se sob um forte controle emp�rico e l�gico, tende a reduzir seus elementos anal�gicos a compara��es, seus elementos simb�licos a signos ou conven��es. Quando se pretende pr�tico, o discurso deixa-se levar pela m�sica das palavras, pelas asson�ncias, as imagens (mas n�o exclui, de modo algum, o controle).

Primeira Linguagem

Segunda Linguagem

Domin�ncia da disjun��o
Disjun��o real/imagin�rio
Convencionaliza�ao das palavras
Irrealiza��o das imagens
Reifica��o das coisas
Isolamento e tratamentot�cnico dos objetos
Forte controle emp�rico exterior
Forte controle l�gico do anal�gico
Pan-objetivismo
Domin�ncia da conjun��o
Conjun��o real/imagin�rio
Reifica��o daspalavras
Reifica��o das imagens
Fluidez das coisas, possibilidade de metamorfoses
Tratamento m�gico dos objetos; rela��es anal�gicas
entre objetos
Forte controle do vivido interior
Forte controle anal�gico do l�gico
Pan-subjetivismo

Uma palavra pode ser apenas signo. O signo depende do modo instrumental de conhecimento; indica friamente a natureza do que designa. Pode n�o ser apenas signo, mas tamb�m s�mbolo. O s�mbolo evoca e, em certo sentido, cont�m a presen�a do que significa. � um concentrado de presen�a concreta e comporta uma rela��o de identidade com o que simboliza; pode ser pleno de afetividade, de amor, de �dio, de adora��o, de execra��o. Assim, adora-se e venera-se a bandeira simbolizando a p�tria; pisoteia-se ou queima-se a bandeira do inimigo, pisoteando ou queimando, num ato anal�gico, o pr�prio inimigo.

Os pensamentos m�tico e m�gico alimentam-se de s�mbolos, n�o apenas no sentido indicativo do termo, em que o s�mbolo identifica-se cont�m com o signo, mas no sentido quase m�gico em que o s�mbolo cont�m a presen�a afetiva, m�stica, do que simboliza (a cruz). Existe um pensamento simb�lico/m�tico/m�gico em todas as civiliza��es.

[...]"

Refer�ncias

MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A �rvore do conhecimento: as bases biol�gicas da compreens�o humana. Trad. Humberto Mariotti; Lia Diskn. 2� ed. S�o Paulo: Palas Athena, 2001.

MORIN, Edgar. O m�todo 5: a humanidade da humanidade. Trad. Juremir Machado da Silva. 2� ed. Porto Alegre: Sulina, 2003.



[1] Do latim computatio, a��o de calcular junto, com-parar, com-frontar, compreender. �A computa��o � uma atividade de car�ter cognitivo, operando sobre signos e s�mbolos que separa e/ou liga; comporta uma inst�ncia informacional, uma inst�ncia simb�lica, uma inst�ncia de mem�ria e uma inst�ncia de programa� (Cf. M�thode 3, pp.36-51). A computa��o dos computadores pode exercer fun��es cognitivas como reconhecer formas, diagnosticar, raciocinar, elaborar estrat�gias combinando c�lculo l�gico � m�todo heur�stico (por exemplo, por tentativa e erro). Pode inclusive demonstrar teoremas ou fazer descobertas: As opera��es l�gicas derivam de computa��es, que derivam, em retorno, das opera��es l�gicas. Uma atividade computante � inerente n�o apenas � atividade cerebral, mas tamb�m � auto-organiza��o viva, inclusive celular, mas disp�e de qualidades e de especificidades desconhecidas do computador. Assim, o unicelular �, de modo indiferenciado, ao mesmo tempo, um ser, um ente, uma m�quina e um computador. Computa a sua pr�pria organiza��o, via os circuitos DNA-RNA-prote�nas, transforma em informa��es est�mulos externos e pratica um certo conhecimento do seu meio em fun��o de regras e de princ�pios espec�ficos. Mas se trata de um c�mputo, computa��o egoc�ntrica que se realiza a partir de si, em fun��o de si, para si e sobre si, comportando uma computa��o da sua pr�pria computa��o. O c�mputo, gerado e regenerado pela auto-organiza��o do ser Vivo, gera-a e regenera-a, incessantemente, exercendo, ao mesmo tempo, a sua atividade cognitiva sobre o seu mundo exterior. A no��o de c�mputo permite conceber o fundamento bio-l�gico do sujeito.

[2]Termo da teoria da comunica��o. �Chama-se ru�do qualquer perturba��o aleat�ria que interfira numa comunica��o de informa��es e, atrav�s disso, degrade a mensagem, tornando-se errada. O ru�do �, logo, uma desordem que, desorganizando a mensagm, torna-se fonte de erros�.