Quais são as atribuições da estratégia de saúde da família e como é o processo de trabalho?

Pesquisa

O processo de trabalho das equipes de saúde da família:implicações para a promoção da saúde

Family health team work development and its effectiveness on health promotion

Marília Rezende da SilveiraI; Roseni Rosângela de SenaII; Suelen Rosa de OliveiraIII

IEnfermeira. Pesquisadora do NUPEPE. Doutora em Enfermagem. Professora do curso de Enfermagem da UFMG
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Coordenadora do NUPEPE. Professora Emérita da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
IIIEnfermeira. Pesquisadora do NUPEPE. Mestre em Enfermagem

Endereço para correspondência

Rua Maranhão 483/302, bairro Funcionários
Belo Horizonte-MG
Email:

Data de submissão: 1º/12/2009
Data de aprovação: 16/3/2011

Resumo

Objetiva-se com este artigo discutir os límites e as possibilidades do trabalho em equipe na Estrategia de Saúde da Família (ESF) e suas implicações para a promoção da saúde. O cenário da pesquisa constituiu-se de 10 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) presentes nos Distritos Sanitários (DSs) dos municípios de Belo Horizonte e Contagem. Trata-se de estudo qualitativo, cujos dados foram coletados por meio de entrevista com roteiro semiestruturado e submetido à análise do discurso. Os sujeitos da pesquisa foram profissionais das ESFs: 3 médicos, 7 enfermeiros, 9 auxiliares de enfermagem e 9 agentes comunitários de saúde, totalizando 28 profissionais. Os resultados apontam que o trabalho em equipe, em processo de conformação, tem-se a presentado como uma ferramenta significativa para a consolidação da ESF. A despeito das dificuldades identificadas como pontos críticos, avanços consideráveis podem ser apontados no processo de trabalho, dentre os quais a incorporação de tecnologias no planejamento e na programação das equipes, que têm potencialidade e podem ser estruturantes para a construção de outros modelos. Concluiu-se que a promoção da saúde é um caminho ainda em construção e deve envolver outros setores da sociedade, favorecendo o planejamento de ações, o compartilhamento de decisões e a abordagem interdisciplinar. Nesse processo, o papel dos gestores na definição de estratégias, com olhar intersetorial, é fundamental para a consolidação da ESF e para o entendimento da promoção da saúde como uma função do conjunto da sociedade e das instituições

Palavras-chave: Programa de Saúde da Família; Promoção da Saúde; Equipe Interdisciplinar de Saúde

INTRODUÇÃO

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) representa, no campo das políticas sociais, um avanço em direção aos princípios estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com ampliação do acesso e a qualificação dos serviços de saúde, explicitando a promoção da saúde com direcionalidade política e técnica, como pré-requisito para garantir a qualidade de vida. Isso requer a participação e o envolvimento de toda a sociedade.1

A ESF vem se revelando como elemento potencializador e oportuno rumo à construção de uma nova ética social, alicerçada nos princípios do acesso, territorialização, acolhimento, humanização e criação de vínculo com o usuário, inscrevendo a intersetorialidade como campo de saber e prática e possibilitando mudanças no modelo tecnoassistencial.

Utilizando-se o conceito de construção social do processo saúde-doença, a ESF lança mão de estratégias de intervenções nas ações e políticas de promoção, prevenção, reabilitação e recuperação. Busca atuar não apenas no componente biológico, mas também considera o sujeito em suas relações sociais, políticas e culturais. Essa concepção inclui o ambiente,o meio social e o estilo devida, com a perspectiva de otimizar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, elegendo a família e seu espaço social com o núcleo central de abordagem. A intervenção da ESF sustenta-se na concepção da necessidade de repensar as ações de saúde sob a égide de outro paradigma, com vista a superara lógica da assistência centrada no atendimento individual e curativo para o da prevenção de agravos e, sobretudo, o da promoção da saúde.2

Como um dos principais desafios colocados para a consolidação do SUS,3a implementação e o funcionamento da ESF têm-se revelado de formas diferenciadas em sua dinâmica, evolução, fortalezas e dificuldades na buscada qualificação da atenção à saúde.

Nesse contexto, a promoção da saúde apresenta-se como uma estratégia que norteia sua construção, capaz de contribuir para a superação de problemas e desafios que dificultam ou impedem avanços indispensáveis à consolidação do modelo tecnoassistencial.

O conceito de promoção da saúde ganhou maior visibilidade no cenário mundial a partir da década de 1970, com a publicação do documento A new perspective on the health of canadians, conhecido como Informe Lalonde.4 Nesse documento, são articuladas as quatro dimensões explicativas e determinantes da saúde - a biologia humana, os estilos de vida, o ambiente e os serviços de saúde -, contribuindo, significativamente, para o estabelecimento de novo paradigma na saúde.

Ao longo das décadas 1970 e 1980, as evidências sobre as dimensões explicativas e determinantes da saúde se acumularam. Em 1986, ocorreu a Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, que se tornou um marco referencial para o avanço desse conceito. Nessa conferência, a promoção da saúde foi definida como um processo de capacitação e de participação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e saúde da população. A saúde é vista, assim, como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver.5

Nessa direção, outros eventos internacionais vêm acontecendo, tendo por objetivo aprofundar e ampliar a concepção do processo saúde/doença e sua multicausalidade, refinando o conceito de promoção à saúde e dos seus determinantes sociais.

Ancorado nesses conceitos, o Ministério da Saúde (MS) define, conceituai e metodologicamente, a ESF como uma iniciativa emblemática, o que representa, para além dos desafios, uma oportunidade para a consolidação do SUS. Dentre os desafios que a ESF tem de enfrentar, encontra-se o trabalho em equipe, que pode - e deve ser considerado fundamental para uma atuação eficaz e de qualidade na produção dos serviços de saúde.

A concepção de trabalho em equipe advém da necessidade de serem estabelecidos objetivos comuns e um plano de trabalho bem definido, no qual os componentes da equipe criem as condições necessárias ao crescimento individual e do grupo para um cuidado centrado no usuário e na comunidade onde atuam. A cooperação,a complementaridade e a responsabilidade compartilhada na ESF apontam para a necessidade de uma comunicação aberta e solidária, deforma a conferir responsabilidades mediante a diversidade de situações encontradas.6

Dessa forma, o trabalho em equipe tem o potencial de tornar-se um estímulo à organização comunitária, visto que o modelo assistencial proposto é o da promoção da saúde, que se baseia no encorajamento e no apoio às pessoas e aos grupos sociais para que estes assumam maior controle sobre sua saúde, mediante a participação nas transformações da realidade social e política.7

Estabelecer uma nova relação com o usuário, privilegiando o diálogo entre os diferentes saberes, pressupõe a possibilidade de reconstrução das práticas, envolvendo usuários e profissionais para intervir na realidade em que estão inseridos, constituindo uma importante ferramenta para o alcance das práticas de promoção à saúde no cotidiano dos serviços.

A estruturação do trabalho em equipes na ESF, todavia, por si só, não garante uma ruptura com a dinâmica médico-centrada. Para superar o modelo hegemônico de cuidado em saúde, é necessário reorganizar o processo de trabalho em saúde nos fazeres do cotidiano de cada profissional e destes em colaboração e cooperação. Para tanto,faz-se necessária não apenas a incorporação de novos conhecimentos, mas também a mudança na cultura e no compromisso com a gestão pública, de modo a garantir uma prática pautada pelos princípios da promoção da saúde.8

Nesse contexto, situa-se este artigo, que deriva da pesquisa Promoção da saúde: estratégia política, assistencial, educacional e gerencial para a construção do modelo técnico - assisencial em saúde, desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino e a Prática de enfermagem (NUPEPE), da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, no período de 2006-2007.

Os dados foram apresentados neste artigo com o objetivo de promovera discussão dos limites e possibilidades do trabalho em equipe e suas implicações para a promoção da saúde.

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa que utiliza a abordagem qualitativa, realizada em dez Unidades Básicas de Saúde presentes nos nove Distritos Sanitários (DSs) do município de Belo Horizonte e nos sete DSs do município de Contagem.

No momento do trabalho de campo, o número de informantes deste estudo foram os profissionais das Equipes de Saúde da Família, sendo 3 médicos, 7 enfermeiros, 9 auxiliares de enfermagem e 9 agentes comunitários de saúde, totalizando 28 profissionais entrevistados. A definição dos sujeitos da pesquisa não foi sustentada por critério numérico, entretanto procurou-se garantir a representatividade das circunstâncias, nas quais se apresentou a realidade do fenômeno, em uma realidade concreta, do pensar e fazer saúde. Neste estudo, a definição dos sujeitos, os critérios de acesso a eles e de sua inclusão na pesquisa teve como referência a concepção que numa busca qualitativa. Preocupou-se menos com a generalização em mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão, seja de um grupo social, seja de uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma representação de saúde.

Com base nesse entendimento, a definição dos sujeitos privilegiou os profissionais inseridos nos cenários do estudo. Nos critérios para a definição dos sujeitos foram considerados a experiência mínima de um ano desses profissionais nesses serviços e o fato de serem responsáveis pelo acolhimento do usuário de saúde na rede de cuidados, acrescido do aceite para participar da pesquisa. Para o início da coleta de dados, foram elaboradas listas das Unidades Básicas de Saúde presentes nos referidos DSs e relacionados todos os técnicos das equipes de saúde da família. Com base em cada lista, procedeu-se ao sorteio dos serviços e, a seguir, dos profissionais das equipes/serviço, assegurando-se, dessa forma, a participação dos sujeitos de cada serviço. De posse dessas listas, foi respeitado o critério do sorteio, e os sujeitos da pesquisa foram contatados para o início da investigação. O total de 28 entrevistas, respeitada a ordem do sorteio, foi considerado suficiente para elucidar momentaneamente o fenômeno em estudo, ou seja, encerrada quando nenhuma informação nova estava sendo acrescentada ao estudo, fator denominado ponto de saturação.9

Os dados foram coletados por meio de entrevista individual, utilizando-se um roteiro semiestruturado contendo questões sobre formação profissional, tempo de trabalho e capacitação direcionada à ESF, além de perguntas relacionadas aos conceitos e práticas de Promoção da Saúde. Ressalte-se que todas as etapas foram realizadas com aprovação do Conselho de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais e dos cenários do estudo.

As entrevistas foram precedidas da leitura da carta individual, da apresentação do projeto de pesquisa e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A seguir, foram gravadas, com a anuência do entrevistado, para resguardar a integridade dos discursos. Os dados coletados foram codificados por letras e números referentes à formação profissional/município, com vista a facilitar a apresentação no texto e garantir o anonimato dos entrevistados.

Os relatos foram organizados com o objetivo de apreender as estruturas de relevância e as ideias centrais dos discursos. Na leitura de cada entrevista, buscou-se a essência dos fatos e o estabelecimento das relações entre as figuras e os temas para, em seguida, categorizá-los por similaridade. A aproximação das ideias centrais deu origem aos temas, e do agrupamento dos temas repetidos surgiram as categorias empíricas.10

Após a construção do conjunto de tais categorias, discutiu-se coletivamente, entre os pesquisadores, a compreensão dos significados dos discursos e da fundamentação teórica que sustentou este estudo.

Para a análise das informações obtidas, utilizou-se a técnica de análise do discurso, a qual permitiu considerar a significação do discurso no contexto histórico do processo de produção no qual os atores estão inseridos.11

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a extração dos temas relativos aos limites e às possibilidades do trabalho em equipe na promoção da saúde, as informações foram agrupadas em duas categorias empíricas: "0 trabalho em equipe na Estratégia de Saúde da Família" e "Implicações da organização do processo de trabalho para a promoção da saúde".

O trabalho em equipe na Estratégia de Saúde da Família

A configuração da ESF tem por base a atuação de equipes de trabalhadores com perfis de competências, qualificações e responsabilidades diferenciadas e correlacionadas com a qualificação profissional.

Essas equipes têm como foco a família em seu contexto social, histórico e cultural, buscando identificar e qualificados problemas de saúde e, em um planejamento conjunto, estabelecer planos de intervenção e acompanhamento.

Dessa forma, o trabalho em equipe no contexto da ESF requer responsabilização compartilhada do cuidado, na qual os diferentes profissionais participam com seus saberes para impactar os fatores que interferem no processo saúde-doença. Nessa perspectiva, a responsabilidade da atenção passa a ser descentralizada da figura do profissional médico, considerado o centro da equipe no modelo hospitalocêntrico, para ser compartilhada entre os membros da equipe.8

Nos cenários estudados, percebe-se um esforço para a construção do trabalho em equipe, porém este se encontra restrito às reuniões semanais, com o propósito de discutir os casos mais complexos que surgem de suas práticas cotidianas:

O agente comunitário, o médico, a enfermeira têm reunião toda sexta-feira. A gente discute os casos mais complicados. A gente propõe, assim, o que a gente pode fazer. (BSC6)

Os profissionais relataram dificuldade em conciliar o atendimento das atividades programadas com o atendimento das condições agudas, o que remete à constatação de que as equipes se organizam, prioritariamente, para o acolhimento da demanda espontânea:

Tratamento é de manhã! Aí, à tarde, é mais grupo operativo e visita domiciliar. Chegam alguns casos que atrapalham nossa atividade. Por exemplo, eu vou fazer um grupo de hipertenso e chega um passando mal. Aí, sempre atrapalha. Não sei se eu vou para o grupo, não sei se atendo. Aí, atrasa. [...] É igual visita domiciliar, a mesma coisa... Esse que é o problema. Agente faz uma agenda, e depois começa a surgir outras coisas que temos que atender na hora. (ASCI)

Embora as equipes ainda operem segundo a lógica tradicional com enfoque nas ações terapêuticas, avanços são sinalizados, como as visitas domiciliares, que se configuram como ferramenta na efetivação das iniciativas de mudanças do processo de trabalho. Os depoentes apontam a visita domiciliar como um espaço legítimo para o fortalecimento do vínculo da equipe com a família, favorecendo uma relação mais próxima da população com os serviços de saúde:

A gente sempre tá orientando nas casas que a gente visita. Quando tenho um problema com determinado paciente, eu venho e comunico com a enfermeira: 'Olha tal paciente tá assim, o paciente tá precisando disso, como que eu vou orientá-lo?' Estamos sempre trazendo os problemas de lá para dentro para discutir aqui com a equipe, ou com o médico, ou com a enfermeira, ou com o auxiliar, que também faz visita domiciliar. (BAC10)

Há evidências da existência de avanços na abordagem das questões relativas ao processo de saúde e doença, possibilitados pelas transformações na relação profissional-usuário. Nessa perspectiva, o profissional sai do seu espaço de poder e passa a negociar com os usuários, convocando-os a serem protagonistas e corresponsáveis pelo seu processo de viver e adoecer.

No entanto, mesmo tendo sua importância reconhecida pelos profissionais, o envolvimento e a corresponsabilização da população sobre a própria saúde ainda estão no plano do desejável, e não no plano da prática. Os entrevistados apontam que a população ainda busca o serviço visando a ações de saúde centradas no modelo biomédico:

Porque não adianta só a gente querer. O usuário também tem que participar. Aí, a gente vai na casa dele e, na conversa, agente explica e tenta envolvê-lo no tratamento. Sem a participação dele, não adianta nada. O principal é a participação. Você pode ensinar, pode mostrar, mas, se a pessoa não pratica, ela vai ficar querendo só receita e médico, porque a maioria quer só receita e médico. (BTC07)

Os discursos sugerem, ainda, que a participação do usuário na rede de cuidados tem sido vista pelos profissionais como não colaborativa, revelando a dificuldade em construir uma rede de confiança e solidariedade entre os serviços e a população:

Existe essa resistência, às vezes, do paciente não querer, mas nós, como agentes de saúde, temos que estar sempre reforçando. Às vezes, somos maltratados nas casas. Eles falam: 'Eu não quero. Já vem essa agente de saúde!7, mas a gente passa por cima e volta no dia seguinte. (BAC10)

Denote-se ainda que, apesar do reconhecimento da importância do trabalho em equipe, a fragmentação de tarefas no processo de trabalho das equipes prepondera entre os pares, com execução de tarefas prescritas sem um planejamento coletivo, com vista à atenção integral à saúde.

A título de ilustração, cita-se o profissional auxiliar de enfermagem, muitas vezes desintegrado das atividades da equipe, sendo nomeado para atendera uma demanda de trabalho que exige ações matriciais dos serviços de saúde, conforme relata este entrevistado:

Nos grupos que fazemos aqui na Unidade, os auxiliares de enfermagem eles não permanecem muito tempo, não, porque têm outras atividades, têm que estar na farmácia, na sala de vacina Então, eles não permanecem. Os grupos são feitos mesmo é pelo médico e o enfermeiro. (ASC2)

Outro desafio pontuado pelos entrevistados para a realização do trabalho em equipe refere-se ao incipiente envolvimento do conjunto da equipe em ações de educação permanente.

Afirmam que, quando acontecem, essas ações estão modulada sem cursos pontuais oferecidos pela Secretaria Municipal de Saúde, direcionadas prioritariamente aos profissionais de nível superior, denotando uma organização vertical do processo de trabalho:

Nesses quatro anos, eu fiz especialização em PSF, que durou um ano e meio, e fiz treinamento sobre saúde mental, DST/aids. Então, sempre ocorrem essas ações. Eu acho que é mais para o pessoal de nível superior. A gente tem cobrado muito essa capacitação para o pessoal de nível médio, porque a gente não tem tempo de dar isso aqui pra eles. A gente sai, faze depois agente vem e reúne uma hora, duas horas, mas não dá pra fazer uma educação continuada. (ASC9)

Ao mesmo tempo, depreende-se dos discursos que a educação permanente, quando acontece, sinaliza para o uso de metodologias tradicionais, com transmissão de conhecimentos deforma fragmentada e sem vínculo com as ações de promoção da saúde. Apesar de nomeada como uma estratégia fundamental no processo de trabalho, a educação permanente está vinculada às reuniões em equipe para o repasse de questões administrativas e assistenciais, as quais não são reconhecidas como um espaço potencializador de promoção da saúde e de melhoria da qualidade do serviço:

É feita uma reunião semanal, onde é repassado o treinamento. Nós trazemos os acontecimentos da comunidade para ser discutido, para ser encontrada uma forma de resolver o problema. Entrarmos num consenso melhor de como pode estar auxiliando no PSF. (BAC8)

Na análise dos discursos desvela-se, ainda, o incipiente desenvolvimento de ações intersetoriais no cotidiano do trabalho das equipes e sugere-se que a operacionalização da promoção da saúde deve estar vinculada à capacidade de articular o processo de trabalho das equipes com outros setores da sociedade.

Apesar da insuficiência de ações intersetoriais, os entrevistados reconhecem sua importância para a construção da rede de atenção e apontam indícios para o rompimento de fronteiras para além do setor saúde na implementação de ações de promoção da saúde:

A saúde sozinha, a instituição saúde, os profissionais da saúde, médicos, enfermagem, a gente não é capaz de fazer isso sozinho. Então, um dos pilares aí da filosofia do SUS, a intersetorialidade, é que ajuda a gente muito a estar fazendo essa promoção [...]. Só a saúde não consegue promover a saúde. Agente precisa do social, da assistência social. A gente precisa do lazer, do esportivo, do cultural, para estar promovendo a saúde do cidadão. (ASC3)

Destaque-se que as parcerias com as demais instituições, quando acontecem, estão focadas em intervenções pontuais, complementares e, muitas vezes, centradas em algum problema detectado por uma instituição que demanda do serviço de saúde uma intervenção:

Nas escolas, agente já fez umas palestras também, mas nada sistematizado. Foi muito a pedido das diretoras; falar mais sobre verminose, higiene. (ASC2)

Muitas vezes, o horizonte da intersetorialidade apresenta-se distante e descontínuo na operacionalização da rede de cuidados em razão da sobrecarga de trabalho das equipes, do número reduzido de profissionais e do excesso da demanda. Os entrevistados relataram que muitas demandas poderiam ser resolvidas por outros setores da sociedade:

A Unidade Básica de Saúde está sobrecarregada e com poucos profissionais. Algumas coisas podiam ser resolvidas numa Secretaria de Assistência Social. Algumas coisas, por exemplo, é questão de Secretaria de Obras, que poderia estar atuando em conjunto com agente. (ASC4)

As implicações da organização do processo de trabalho para a promoção da saúde

Apesar de a promoção da saúde ser referenciada como fundamental, os depoimentos denotam que os profissionais a confundem com práticas de prevenção e/ou de educação para a saúde.

Na busca de sinergia e na tentativa de responder à demanda excessiva, combinada com a insuficiência de recursos humanos, os profissionais das ESFs lançam mão de diferentes estratégias na organização do seu processo de trabalho. Nessas estratégias situam-se os grupos operativos, que são apontados, pela maioria dos entrevistados, como uma ferramenta de racionalização do trabalho. Entretanto, percebe-se que esses grupos adotam metodologias tradicionais, com função prescritiva, sem enfoque em ações de promoção da saúde:

Porque nesse dia de grupo diminui até a demanda de consultas nos postos. E por quê? Porque nos grupos operativos o paciente vem para o grupo. No grupo mesmo, a gente vai vendo o que precisa ser passado ao médico. Por receita vencida ou por qualquer outra eventualidade ou necessidade, ele já vai ser encaminhado ali no grupo. (ATC4)

Promoção mesmo que a gente tem são os grupos operativos, em que a gente enfoca a questão do autocuidado e fala de outras coisas. Ainda é muito pouco. Tá engatinhando na promoção. Tá muito ainda cuidador, curativo [...]. Tá muito nessa linha ainda medicamentosa. (ASC5)

Outro aspecto referido na organização do processo de trabalho das equipes da ESF diz respeito à dificuldade em articular as atividades relativas à demanda espontânea com as planejadas pelo serviço. Isso resulta na inadequação da oferta do serviço às necessidades dos usuários, como evidenciado pelos discursos a seguir:

A nossa demanda é grande, muito grande. Então, a gente fica muito no acolher o paciente que chega com a sua queixa e dar atenção pra essa queixa, resolver naquele momento. Então, não tá sendo feita nenhuma promoção nesse caso, não. O dia a dia nosso é este: acolhimento, atendimento da demanda. À tarde fazemos a parte da promoção. No caso, o pré-natal, puericultura, algum grupo. (BSC7)

A gente tá tentando fazer algo parecido com a ESF. E a gente não tá dando conta do mínimo, que é a demanda espontânea e [...] as doenças [...] pra aí chegar ao ponto mais alto de promoção à saúde. (ASCI)

Ademais, esse desafio é influenciado pelo modelo biomédico vigente, que imprime limitações para que isso ocorra, como a normatização dos programas pelo MS, o incipiente planejamento coletivo e a complexidade do quadro epidemiológico.

A análise dos dados permite inferir que essas questões dificultam o planejamento e a execução de ações de prevenção aos agravos e à promoção da saúde, reafirmando o desafio das equipes no cotidiano de suas práticas.

A desarticulação entre os diferentes serviços da rede de cuidados reforça a manutenção de práticas de saúde tradicionais e fragmentadas:

Eu sinto que as coisas acontecem em momentos separados e com grande/dificuldade.A gente tá puxando o remo, subindo ladeira acima com carga de tonelada e de freio de mão puxado. Muito difícil! (ASC3)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, embora com dificuldades para sua operacionalização, fica constatado que a promoção da saúde constitui uma proposta possível para a efetivação das mudanças necessárias no cotidiano das práticas das equipes de saúde, sendo uma proposição em construção e que deve envolver outros setores da sociedade, favorecendo o planejamento de ações conjuntas, o compartilhamento de decisões e a abordagem interdisciplinar.

Nesse processo, com um olhar intersetorial, o papel dos gestores na definição de estratégias é fundamental para a consolidação da ESF e para o entendimento da promoção da saúde como proposta conjunta da sociedade e das instituições.

Para além dessa questão, acredita-se que o investimento na qualificação dos profissionais poderia acionar práticas potencializadoras do trabalho em equipe, com vista à Promoção da Saúde.

Considera-se que a construção do trabalho em equipe requer o reconhecimento das diferenças dos saberes e das práticas existentes, do explicitamento e do enfrentamento de conflitos inerentes a qualquer processo de trabalho. Isso se revelou na pesquisa como um desafio. Ainda, as intervenções sanitárias com olhar intersetorial são tímidas, o que dificulta a otimização das condições de saúde e qualidade de vida.

Recomenda-se a revisão do processo de trabalho das ESFs mediante a construção de consenso quanto aos objetivos a alcançar, numa perspectiva de assistência integral, efetiva, contínua e com qualidade ao usuário.

A despeito de se reconhecer que ainda há muito que fazer, acredita-se que os passos trilhados e os avanços alcançados são passíveis de ajustes, reformulações e discussões, no sentido de aprimoramento.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Aprova as normas e diretrizes do Programa de Agente Comunitário de Saúde e do Programa de Saúde da Família. Brasília: Diário Oficial da União, 22 de dezembro de 1997. Portaria n. 1886 de 18 de dezembro; 1997.

2. Silveira MR, Sena RR. Diversidade de práticas e saberes: o caso do agente comunitário de saúde no Programa de Saúde da Família de Nova. Contagem/Minas Gerais. REME - Rev Min Enferm. 2005;9(1):59-64.

3.ToroH. Prefácio. In: Fernandes AS, Seclen-Palacin J, organizador. Experiências e desafios da atenção básica e saúde familiar: caso Brasil. Brasília: Organização Pan-America na da Saúde; 2004.

4. Lalonde M. A new perspective on the health of Canadians: a working document. Ottawa: Government of Canada; 1974.77p.

5. Buss PM, organizador. Promoção da saúde e a saúde: contribuição para o debate entre as Escolas de Saúde Pública da América Latina. Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ; 1998.

6. PiancastellI CH, Faria HP, Silveira MR. O trabalho em Equipe. In: Santana J. P, organizador. Organização do cuidado a partir de problemas: uma alternativa metodológica para a atuação da equipe de saúde da família. Brasília: OPAS/Representação do Brasil; 2000. p.45-50.

7. Campos L, Wendhausen A. Participação em saúde: concepções e práticas de trabalhadores de uma equipe da estratégia de saúde da família. Texto Contexto Enferm. 2007;16(2):271-9.

8. Araújo MBS, Rocha PM. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciên Saúde Coletiva. 2007;12(2):455-64.

9. Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec/AB RASCO; 1999.

10. Pope C, Mays N, organizadores. Pesquisa qualitativa na atenção à saúde. 2ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed, 2005.

11. Maingueneau D. Novas tendências em análise do discurso. 3ª ed. Campinas, SP: Pontes; 1997.

Quais são as atribuições da estratégia de Saúde da Família?

Geral..
Específicos..
. Prestar, na unidade de saúde e no domicílio, assistência..
. Intervir sobre os fatores de risco aos quais a população está.
. Eleger a família e o seu espaço social como núcleo básico de..
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Para efetivar todos os pressupostos a que se propõe, o processo de trabalho em saúde das Equipes de Atenção Básica (EqAB) deve contemplar um conjunto de ações coordenadas e orientadas, de caráter individual e coletivo, desde a promoção à reabilitação da doença, a fim de modificar a situação de saúde da população, seus ...

Quais as atribuições e competências da equipe de saúde?

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