A adoção de criança estrangeira por pessoas do mesmo sexo

Adoção por pares homoafetivos: um estudo sobre os novos paradigmas familiares à luz da legislação e da jurisprudência

Gabriel Araújo Monteles[1]

RESUMO

A presente pesquisa busca examinar a situação jurídica da adoção, com ênfase nos arranjos familiares percebidos no direito brasileiro e, especificamente, promovendo uma análise acerca da possibilidade da adoção por casais homoafetivos, bem como de seus pormenores legais. Objetiva, com isso, além de abordar a possibilidade que casais do mesmo sexo adotem menores, descortinar como esse processo ocorre, identificando suas eventuais fragilidades e, ainda, observando como a jurisprudência entende a temática, considerando o já consolidado entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em prol do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, elemento esse que é pressuposto ao regular andamento do processo de adoção no Brasil e, consequentemente, contempla em maior escala a possibilidade de ser assegurada uma saudável ambiência doméstica à criança e ao adolescente, onde se possa promover condições físicas, psicológicas e morais benéficas ao desenvolvimento do indivíduo.

Palavras chave: Adoção. Homoafetividade. Possibilidade Jurídica. Jurisprudência. Famílias. 

ABSTRACT

The following research’s purpose is to examine Brazil’s legal situation regarding adoption, with focus on family models perceived by brazilian law and, especifically, presente na analysis about the possibilities of adoption  by a homoaffective couple, as well as it's legal details. futhermore, it aims to explain how it works and identify it's possible flaws, which will be assessed through observation of judicial decisions regarding the theme, taking into consideration Supreme Court's consolidated understanding in relation to recognizing a stable union between same gender individuals. Such recognition is a requiremnt for adoption under brazilian law and, therefore, encompass the prospect of being assured a healthy domestic environment for the child and adolescent that provides beneficial physical, psicological and moral conditions for the individual's growth.

Keywords: Adoption. Homoaffectivity. Legal possibility. Jurisprudence. Families

Considerações iniciais

As relações sociais estão em frequente evolução, sobretudo na contemporaneidade. Nesse contexto é que estão inseridas as relações familiares, que sofrem inúmeras metamorfoses ao longo do tempo, aspecto esse que, por sua vez, exerce influência direta sobre o Estado Democrático de Direito, na medida em que se descortina a necessidade de arcabouço jurídico a regular o modo como as pessoas se relacionam civilmente, enquanto sujeitos de direitos e deveres.

            Na esteira das evoluções relativas às famílias, a Constituição Federal de 1988 passa a representar marco significativo, na medida em que tutela, expressamente, arranjos familiares socialmente percebidos, tirando dessas nuances familiares quaisquer possibilidades de marginalização, na medida em que a Carta Magna objetiva, além de tudo, promover um trato igualitário às pessoas.

Diante do exposto, busca-se compreender que a sociedade está em constante mudança e que, por isso, é fundamental que se observe o desenvolvimento das famílias, a fim de que se tente adequar a norma à realidade fática tanto quanto possível, de modo a garantir que as pessoas vivenciem, independentemente de sexo, orientação sexual ou qualquer outro fator, o Estado Democrático de Direito.

1 DA ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS: POSSIBILIDADE REGISTRAL E ASPECTOS CORRELATOS.

            Embora não se esteja tratando de uma temática nova, a adoção por pares homoafetivos, no contexto brasileiro, ainda traz consigo polêmicas, tabus e divisões de opiniões acerca do assunto, considerados seus reflexos à conjuntura social que se vivencia contemporaneamente.

            De antemão, note-se que

Em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual. A homoafetividade não é uma doença nem uma opção livre. Assim, descabe estigmatizar a orientação homossexual de alguém, já que negar a realidade não soluciona as questões que emergem quando do rompimento dessas uniões. (DIAS, 2016, p. 212).

            Levando em consideração que tal diferenciação não mais encontra espaço no universo jurídico brasileiro, é que se faz necessário entender a constituição da família homoafetiva, desde os aspectos que englobam a união de pessoas do mesmo sexo até que se chegue a considerações sobre a adoção por casais homossexuais, bem como à contemplando a perspectiva legal em relação a essa que, indubitavelmente, é uma realidade.

1.1 A PERMISSIVIDADE DO CASAMENTO HOMOAFETIVO COMO PRESSUPOSTO À AUTORIZAÇÃO PARA ADOTAR

            Conforme já se sabe, adotar é uma atitude que precisa, para que se concretize, atender a requisitos determinados legalmente. Especificamente no presente contexto, tratando a adoção em sua modalidade conjunta, deve-se observar, primordialmente, que

Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. [...].

§2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (BRASIL, 2009, não paginado, grifo nosso).       

            Tendo por observância que a adoção, quando for conjunta, trará consigo a imprescindibilidade do casamento para que possa ser realizada, tal aspecto passou, ao menos inicialmente, a representar um empecilho, na medida em que

Embora muitos países reconheçam e admitam as parcerias civis, inclusive o casamento entre homossexuais, equiparando seus relacionamentos aos de uma típica entidade familiar com integral proteção estatal, estranhamente ainda sobejam restrições quanto ao pleno reconhecimento dos efeitos jurídicos das uniões entre casais do mesmo sexo, como notadamente esse preconceito podia ainda ser visivelmente identificado na adoção de crianças por casais homoafetivos. (MADALENO, 2018. p. 69).

            É trazido à baila, então, o ponto que certamente se apresenta como o cerne do empecilho à concretização dos direitos inerentes aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo: o estranhamento, o preconceito que ainda paira parte das pessoas e da sociedade, como um todo, no que tange a enlaces estruturados na homoafetividade.

            Ora, menciona Baranoski (2016, p. 91) que

É contraditória uma sociedade que se proclama defensora da igualdade no discurso legal, enquanto que nas relações sociais mantém uma posição discriminatória nas questões da homossexualidade. Essa situação é uma negativa da condição do “ser” cidadão.

             Entretanto, é quando se começa a considerar e efetivar, social e juridicamente, a existência de novos arranjos familiares, que as manifestações de vontade de formar famílias homoafetivas dão vazão à insurgência do inevitável liame existente entre o desejo de adotar e a possibilidade que casais deflagrar um processo de adoção, aspectos tais que serão delineados nas linhas que seguem.

1.1.1 Atuação do Supremo Tribunal Federal frente à possibilidade de adoção por casais homoafetivos

            Os direitos de casais homoafetivos passam, ao longo do tempo, de pauta plenamente ignorada a assunto amplamente discutido e tido enquanto fonte de polêmica nos tribunais brasileiros, até que

Após as diversas controvérsias instauradas nos tribunais do país, seja na primeira ou na segunda instância, no ano de 2011, a discussão sobre o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo ganhou uma nova etapa, uma vez que, pela primeira vez, abandonou as instâncias regionais e alcançaram os tribunais superiores. (BEZERRA, 2015, p. 100).    

            Considerado tal aspecto é que se deve destacar a atuação do Supremo Tribunal Federal enquanto, de certa maneira, elemento decisivo à permissividade do reconhecimento da união estável de casais homoafetivos, uma vez que

No julgamento proferido em 05/05/2011, pelo Tribunal Pleno, do Supremo Tribunal Federal, no qual foram reunidas a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.277/DF e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132/RJ, cujo Relator foi o Ministro Ayres de Britto, a corte máxima brasileira decidiu pelo reconhecimento das uniões homoafetivas. (BEZERRA, 2015, não paginado).

            Abalizados tais fatos, cabe mencionar que se trata do julgamento de uma Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e que, nesse sentido, conforme preleciona a Constituição Federal atualmente vigente,

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

[...] § 1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (BRASIL, 1988, não paginado).     

            Com relação especificamente à ADPF Nº 132/ RJ, em sua reunião com a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 4277/DF, havendo, portanto, uma conversão de uma na outra, considere-se que

Postula o Arguente a interpretação conforme a Constituição do art. 1.723 do Código Civil vigente (“É reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”), para determinar sua aplicabilidade não apenas à união estável estabelecida entre homem e mulher, como também à união estável constituída entre indivíduos do mesmo sexo. (BRASIL. ADPF 132, 2011, p. 54).

            Nesse sentido, e no que respeita à ADPF Nº 132 e à ADI Nº 4277/DF, é primordial observar que

[...] ambas constituem formas abstratas de controle de constitucionalidade, mas o que vem a ser o chamado controle de constitucionalidade? Entende-se por controle de constitucionalidade a verificação da adequação que deve existir entre as normas infraconstitucionais e a Constituição, ou seja, as leis de forma geral devem guardar absoluta observância aos termos expressos na Magna Carta. (MARÇAL, 2012, p. 86).

            Devidamente delineados os aspectos constitucionais específicos acerca da natureza de tais decisões, é que se traz à baila, novamente, a decisão do Ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, onde o referido indivíduo

[...] conheceu da ADPF nª 132 – RJ como ação direta de inconstitucionalidade. Ação cujo centrado objeto consiste em submeter o artigo 1.723 do Código Civil brasileiro à técnica da interpretação conforme a Constituição (MARÇAL, 2012, p. 94).

            Antes que se adentre nos argumentos estruturados pelo Ministro Carlos Ayres Britto quanto à decisão por ele proferida, se deve atentar brevemente para o fenômeno da interpretação conforme a Constituição, que está intimamente relacionada ao controle de constitucionalidade que, conforme mencionado anteriormente, encabeça a arguição por descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e a ação direta de inconstitucionalidade (ADI). Nesse sentido, observe-se que

[...] a interpretação conforme à Constituição é o princípio que se situa no âmbito do controle de constitucionalidade e não simplesmente regra de interpretação. É procedimento ou regra própria de fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas que se fundamenta em nome de um princípio de economia do ordenamento ou do máximo aproveitamento dos atos jurídicos. (MARÇAL, 2012, p. 92).

            No que tange especificamente à atuação do Supremo Tribunal Federal para que fossem eliminados, aos poucos, entraves ao advento da adoção por casais homoafetivos, destaquem-se os ditames do voto proferido pelo Ministro Carlos Ayres Britto, in verbis

O princípio da igualdade impõe que todas as pessoas devem ser tratadas pelo Estado com o mesmo respeito e consideração. E tratar todos com o mesmo respeito e consideração, significa reconhecer que todas as pessoas possuem o mesmo direito de formular e de perseguir autonomamente os seus planos de vida, e de buscar a própria realização existencial, desde que isso não implique na violação dos direitos de terceiros. (BRASIL, 2011, p. 10).

            Destrinchando, ainda, o texto decisório construído pela excelsa corte, é necessário ir além e notar que a anteriormente mencionada interpretação conforme a Constituição, nos moldes da votação aqui analisada, é aplicada ao artigo 1723 do Código Civil (2002, não paginado, grifo nosso), in verbis "Art. 1723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

            Em relação a isso, e atrelando tal perspectiva ao supradito princípio da igualdade, o entendimento proferido pelo relator, excelentíssimo Ministro Ayres Britto é cirúrgico ao refletir criticamente que

[...] a igualdade impede que se negue aos integrantes de um grupo a possibilidade de desfrutarem de algum direito, apenas em razão do preconceito em relação ao seu modo de vida. Mas é exatamente isso que ocorre com a legislação infraconstitucional brasileira, que não reconhece as uniões entre pessoas do mesmo sexo, tratando de forma desigualitária os homossexuais e os heterossexuais. (BRASIL, 2011, p.10).

            Seguindo com seu posicionamento, o Ministro rechaça qualquer possibilidade que a religiosidade, assim como o argumento de que casais homossexuais não procriam, sobrevivam em relação à omissão acerca da permissividade da união estável de pares homoafetivos.

Para além disso, é tecendo críticas ao modelo patriarcal de família, outrora delineado no corpo da presente obra, e demonstrando as novas nuances familiares verificadas, sobretudo, a partir da Constituição Federal de 1988, que Carlos Ayres Britto afirma ser

[...] fácil concluir que o reconhecimento jurídico da união estável entre pessoas do mesmo sexo não enfraquece a família, mas antes as fortalece, ao proporcionar às relações estáveis afetivas mantidas por homossexuais – que são autênticas famílias, do ponto de vista ontológico – a tutela legal de que são merecedoras (2011, p. 18).

Ademais, e considerando que reconhecer a união estável de casais homoafetivos não implica, necessariamente, em máculas a quaisquer outras formas e constituir famílias, é que um outro ponto de extrema importância é abordado: a insegurança jurídica verificada na inexistência de enquadramento jurídico definido no que concerne à tutela dos direitos relativos à homoafetividade. Em seu voto, o Ministro Ayres Britto, então, afirma:

Com efeito, a insegurança jurídica se instala não apenas quando os poderes Legislativo ou Executivo inovam no ordenamento legal de forma abrupta, atingindo situações consolidadas no passado, ou quando eles, pela sua ação ou omissão, frustram a legítima confiança dos cidadãos. A exigência de segurança jurídica envolve igualmente a função jurisdicional, uma vez que a incerteza sobre o entendimento jurisprudencial a propósito de determinadas questões pode ser um provocador de grave intranquilidade e insegurança na sociedade, que devem ser evitadas. (BRASIL, 2011, p. 26).    

            Resta, então, em conformidade com o apontado acima, configurada uma omissão no que respeita à efetivação jurídica, por assim dizer, do instituto da adoção no tocante, especificamente, ao fato da legislação silenciar sobre a temática, a despeito de aspectos já mencionados, como o princípio da igualdade e a pertinente questão da segurança jurídica.

            Demonstrados, então, alguns dos argumentos incutidos no bojo da votação em comento, a atuação do Supremo Tribunal Federal se mostra um divisor de águas quanto ao aspecto da adoção por casais homoafetivos porque, no âmbito do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132,

Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011, não paginado, grifo nosso).

Diante disso, a partir de então se torna inequívoca a permissividade da união estável entre casais homoafetivos, uma vez que se trate de entidade familiar jurisprudencialmente reconhecida e, portanto, juridicamente resguardada quanto à sua validade perante o arcabouço normativo vigente no Brasil.

1.1.2 O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do casamento entre pessoas do mesmo sexo

            Na esteira das concepções acerca dos direitos atinentes a pares homoafetivos e do direito à união estável enquanto um dos pressupostos básicos para que casais exerçam a paternidade ou a maternidade por meio da adoção, torna-se importante mencionar o julgamento, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Recurso Especial (REsp) Nº 1.183.378 / RS, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, cuja decisão transcende os aspectos considerados pelo Supremo Tribunal Federal, abarcando a habilitação de casais do mesmo sexo para o casamento. Perceba-se, então, o que determina parte da peça do mencionado REsp:

Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. [...] 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família [...]. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 20112, não paginado).

            O Superior Tribunal de Justiça, então, ao afirmar que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, atua promovendo inquestionável avanço quanto ao status jurídico conferido aos relacionamentos firmados entre pessoas do mesmo sexo, colaborando na eliminação de barreiras para que se formem famílias estruturadas na homoafetividade.

            Evidenciados tais aspectos, é que se mostra presente a condição fundamental para que casais constituídos por pessoas do mesmo sexo possam compor um processo de adoção. Dito isto é que, a partir daqui, serão ressaltados os aspectos acerca da adoção, enfatizando a paridade de condições que deve haver, ou que pretensamente há, entre casais hetero e homoafetivos.

1.2 DO PROCESSO DE ADOÇÃO

            Tendo sido expostos tais aspectos, é que se mostra fundante trazer à baila os aspectos que revestem a adoção no Brasil atual.

Para tanto, será observado, primordialmente, o arcabouço legal contido no âmbito da Lei Nº 8069, de 13 de julho de 1990, amplamente reconhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)[2] e, subsidiariamente, os ditames da Lei Nº 12010, de 03 de agosto de 2009, que dispõe especificamente sobre adoção, bem como da Lei Nº 13.509, de 22 de novembro de 2017, na medida em que se tratam de diplomas alteradores da estrutura consolidada pelos ditames do ECA.

1.2.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a adoção

Na esteira dos requisitos que o processo de adoção compreende, em se tratando do Brasil, conforme já dito, mas sendo conveniente repisar:

Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes salvo os impedimentos matrimoniais. (BRASIL, 1990, não paginado).

Aspecto primordial a ser levado em consideração no presente contexto é o estágio de convivência, ao passo em que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que

Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso. (BRASIL, 2017, não paginado).

            Nesse contexto, é forçoso notar a imprescindibilidade do estágio de convivência para que um casal possa vir a adotar determinada pessoa. Dessa forma, e acerca do mencionado estágio, note-se que

[...] é o período no qual a criança ou adolescente passa a ter um contato mais intensivo com a(s) pessoa(s) interessada(s) em sua adoção (o fato de a Lei não falar em “guarda provisória” sugere que a aproximação entre os mesmos deve ocorrer de forma gradativa, podendo o “convívio” inicial ocorrer no âmbito da entidade de acolhimento, com saídas no período diurno, passando-se a seguir a pernoites e permanência no lar adotivo por um período mais prolongado - sempre de forma planejada e acompanhada por equipe técnica), para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo paternofilial a partir, inclusive, da análise do relacionamento entre o adotando e os demais integrantes do núcleo familiar, com os quais este irá conviver. (DIGIÁCOMO & DIGIÁCOMO, 2017, p. 67).

Ditos tais aspectos, se depreende que o estágio de convivência não se trata de uma facultatividade para que aspirantes a adotantes e adotando se conheçam, mas de uma obrigação imposta aos trâmites que envolvem a adoção, que só encontra exceção na hipótese do §1º do art. 46 do ECA, onde se ensina que

Art. 46. [...]

§1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. (BRASIL, 1990, não paginado).

No que concerne ao prazo de 90 dias, proporcionado para o gozo do estágio de convivência, também o art. 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no corpo do seu §2º-A, estabelece que

Art. 46. [...]

§2º-A. O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada por autoridade judiciária. (BRASIL, 2017, não paginado).

            Restando inequívoco tal aspecto, ainda numa perspectiva que envolve o aspecto do estágio de convivência, deve-se levar em conta que

Art. 46. [...]

§ 4 o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (BRASIL, 2009, não paginado).

            Essa medida pode ser encarada, de pronto, num viés atinente ao estabelecimento de uma adequada convivência familiar, ao passo em que, havendo periódicas averiguações acerca dos resultados do estágio de convivência e, sendo eles positivos, torna-se mais eficaz a tomada de decisão acerca da concessão da adoção a quem almeja tal pleito.

             A legislação segue seu curso afirmando que não haverá óbice para que o adotando venha a conhecer, caso assim queira, sua família biológica. Quanto a isso, é frisado legalmente que, caso o processo de adoção seja findado, de modo a adotantes e adotado(a) passar a constituir uma família, a eventual morte dos adotantes não ocasiona que o poder familiar da pessoa adotada retorne à sua família biológica, dado o aspecto da destituição do poder familiar.

            Em último aspecto, note-se a prevalência de um registro onde constarão pessoas aptas a ser adotadas, na forma da lei estatutária relativa à criança e ao adolescente

Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção. (Vide Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 1º O deferimento da inscrição dar-se-á após prévia consulta aos órgãos técnicos do juizado, ouvido o Ministério Público.

§ 2º Não será deferida a inscrição se o interessado não satisfizer os requisitos legais, ou verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 29. (BRASIL, 2016, não paginado).

            Acerca desse registro, cuja imprescindibilidade é notável, ao passo em que se trata de uma medida que visa assegurar a efetivação do direito que se tem de adotar ou ser adotado sem, no entanto, negligenciar a existência de critérios para atingir tal finalidade, perceba-se, ainda, que

As exigências da prévia habilitação, assim como da instituição dos cadastros de pessoas e casais interessados em adoção, visam moralizar o instituto da adoção, tornando obrigatória a definição de critérios o quanto possível objetivos para o chamamento dos interessados, sempre que constatada a existência de crianças ou adolescentes em condições de ser adotados. Os referidos critérios deverão ser informados aos pretendentes à adoção, desde quando de sua habilitação, o mesmo se podendo dizer acerca do número de pessoas ou casais já habilitados na Comarca. (DIGIÁCOMO & DIGIÁCOMO, 2017. p. 75-76).

            Esses cadastros, na forma da lei, contemplarão, primordialmente, postulantes à adoção que sejam domiciliados em território brasileiro. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente também trate de situar a adoção internacional nos moldes da legislação, a presente obra não comportará as noções acerca disso, visto que se trata a adoção, neste contexto, no âmbito do território brasileiro.

            Ademais, é fundamental notar e, mais que isso, mencionar, a implantação de um Cadastro Nacional de Adoção, ato esse realizado por obra do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e através da Resolução nº 54, de 29 de abril de 2008[3] que, entretanto, sofreu alteração por força da Resolução nº 190, também do CNJ.

            Considerando a determinação de que cada comarca ou foro regional manterá seu registro de crianças e adolescentes com propensão à adoção, bem como o registro de pessoas candidatas a adotar, o Cadastro Nacional de Adoção unifica territorialmente a disponibilidade de pessoas para adoção, estabelecendo que

Art. 1º. O Conselho Nacional de Justiça implantará o Cadastro Nacional de Adoção, que tem por finalidade consolidar dados de todas as comarcas das unidades da federação referentes a crianças e adolescentes disponíveis para adoção, após o trânsito em julgado dos respectivos processos, assim como dos pretendentes à adoção domiciliados no Brasil e no exterior, devidamente habilitados, havendo registro em subcadastro distinto para os interessados domiciliados no exterior, inserido no sistema do CNA. (Alterado pela Resolução nº 190, de 1 de abril de 2014).

Postos tais elementos, as linhas que seguem serão destinadas a mencionar os aspectos atinentes à matriz principiológica do Estatuto da Criança do Adolescente enquanto diploma legal que visa, antes de mais nada, garantir que o público para o qual atenta terá, através de seus responsáveis, uma vida digna e em acordo com pressupostos básicos da vivência do ser humano.

1.2.2 Dos princípios fundamentais à permissividade da adoção: melhor interesse da criança, dignidade da pessoa humana e afetividade

No que se refere especificamente aos direitos da criança e do adolescente, o Estatuto que os regula traz, em seu âmago, determinados princípios que devem nortear a atividade jurídica e social, na medida em que se fala da aplicação dos ditames legais e de seus reflexos perante a sociedade, relativa ao tratamento direcionado ao público infanto-juvenil.

Assim, temos:

  1. princípio da prioridade absoluta: trata-se de um princípio que encontra alicerce nos ditames constitucionais, especificamente no art. 227, in verbis

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2015, não paginado, grifo nosso).

            De modo que a criança e o adolescente gozam de status prioritário dentro do sistema democrático brasileiro, na medida em que devem ser garantias, inclusive pelo Estado, todas as condições para que essas pessoas gozem de adequado desenvolvimento pessoal.

            Trata-se, então, de um elemento que

Estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infantojuvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação por meio do legislador constituinte. (AMIN, 2018, p. 50).

            Nesse sentido, e dado o próprio nome atribuído ao princípio em comento, se deve ponderar que ele não comporta avaliação se deve ou não ser aplicado em campo prático, visto que materializa a prioridade no trato das situações que envolvem crianças e adolescentes.

  1. princípio do interesse superior da criança e do adolescente: esse princípio é, indubitavelmente, um corolário do princípio anteriormente mencionado, ao passo em que

Trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador, determinando a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras (AMIN, 2018, p. 56).

Na esteira das necessidades e interesses da criança e do adolescente no âmbito da adoção, então, esse princípio se mostra de aplicabilidade imprescindível, tanto porque o bem estar dessas pessoas e seu saudável desenvolvimento devam ser pretendidos e preservados, quanto por se trata de efetivar os ditames estabelecidos no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente.

  1. princípio da municipalização: esse princípio trata, sobretudo, da política assistencial direcionada à criança e ao adolescente que, diga-se de passagem, foi ampliada por força da Carta Magna e, com isso,

Seguindo os sistemas de gestão contemporâneos, fundados na descentralização administrativa, o legislador constituinte reservou a execução dos programas de política assistencial à esfera estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social. A cogestão da política assistencial acaba por envolver todos os agentes que, por serem partícipes, se responsabilizam com maior afinco em sua implementação e busca por resultados (AMIN et.al., 2018. p. 57).

Disso se depreende, então, que, uma vez descentralizada a política assistencial direcionada à criança e ao adolescente, atingindo, mais que a esfera federal, Estado e municípios, se tornará muito mais eficaz administrar os trâmites relativos à adoção, permitindo que as pessoas tenham pleno acesso a seus direitos e que cumpram, com efetividade, seus deveres relativos ao direito de adotar.

Dimensionados tais princípios, sua observação, especificamente no âmbito da adoção por casais homoafetivos, não é aleatória. Trata-se, mais que a garantia de aparato material suficiente à saudável e confortável vivência da criança e do adolescente no âmbito da família substituta, de priorizar a pessoa que venha a ser um adotando a ponto de considerar, para tanto, o afeto. Nesse sentido,

[...] cumpre deferir a adoção a casais homoafetivos pela obviedade de que terão crianças e adolescentes uma vida muito melhor se criados(as) por um casal disposto a lhes fornecer amor, respeito e solidariedade, aprendendo, inclusive, a importância desses valores, do que se criados em instituições públicas, que por melhor que sejam jamais poderão fornecer um ambiente propício ao desenvolvimento da individualidade da pessoa em crescimento. (VECCHIATTI, 2012, p. 480).

            Considerar tais princípios em relação à adoção é perceber que, se cumpridos e demonstrados na prática, não se pode aplicar qualquer outro óbice para que casais constituídos por pessoas do mesmo sexo também adotem, dada a prevalência de entendimento jurisprudencial favorável a isso, embora a legislação siga, sobremaneira, omissa em relação à matéria.

            Apesar disso, nas linhas que seguem a procedimentalização da adoção será compreendida a partir do aspecto de sua efetivação no que respeita ao registro que estabelece, de fato, a condição de pai, mãe e filho(a) no âmbito do interesse em adotar.

4.3. DAS PROVIDÊNCIAS REGISTRAIS E DOCUMENTAIS AO PROCESSO DE ADOÇÃO

Fala-se, no presente contexto, do processo judicial de adoção, passando por determinados trâmites legalmente previstos, que fornecem as bases necessárias à filiação socioafetiva[4]. Nesse patamar, convém observar, precipuamente, o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis: "[...] Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão." (BRASIL, 2013, não paginado).

            No que se refere, intimamente, ao registro de adoção, aspecto sobre o qual a presente obra se debruçará nas linhas que seguem, Digiácomo e Digiácomo (2017, p. 71) pontuam, pertinentemente, que

O registro será efetuado como se tratasse de um registro de nascimento tardio, e a rigor não conterá qualquer distinção em relação aos demais registros de nascimento, mais uma vez para evitar qualquer tratamento discriminatório em relação à filiação biológica. Interessante observar que os efeitos da adoção se projetam para muito além das partes envolvidas no processo, pois atingem diretamente os ascendentes e demais parentes dos adotantes (assim como do adotado), inclusive no que diz respeito a determinados direitos e deveres, como os direitos sucessórios e o dever de prestar alimentos, na forma da Lei Civil.

            Transcendendo à perspectiva do Estatuto da Criança e do Adolescente, da qual se depreende que não será feita distinção entre pessoas interligadas por vínculos consanguíneos ou por adoção, a Lei de Registros Públicos afirma, quanto ao registro da adoção,

Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:

[...] VIII - as sentenças que deferirem a legitimação adotiva.

§ 1º Serão averbados:

[...] e) as escrituras de adoção e os atos que a dissolverem;

f) as alterações ou abreviaturas de nomes. (BRASIL, 1990, não paginado, grifo nosso).

            No que respeita, então, às formalidades inerentes ao direito de adotar, tem-se, como primeira delas, relativa ao pedido de habilitação para adotar e, posteriormente, à deflagração da adoção em si, que

Após protocolar o pedido de habilitação, o requerente é encaminhado ao setor técnico da Vara da Infância e inserido em grupos de palestras, onde receberá orientações em relação aos documentos necessários e aos procedimentos da habilitação e da adoção. Não é necessária a assistência de um advogado. (ALERG, [2014], p. 64).

            Já no que se refere à documentação capaz de habilitar a pessoa para adotar, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que, para além do preenchimento de formulário adquirido na Vara de Infância e Juventude, será exigida a seguinte documentação: requerimento inicial (fornecido pelo Juizado da Infância e da Juventude ou Fórum); certidão de casamento ou prova de união estável dos candidatos; certidão de nascimento para os solteiros e para os que vivem em união estável; comprovante de residência; comprovante de rendimentos; atestado médico de sanidade física e mental feito por médico particular ou da rede oficial de saúde » Carteira de identidade » CPF (Cadastro Pessoa Física) » Certidão negativa dos distribuidores cíveis e criminais, do foro de seu domicílio (normalmente obtida pela própria Vara da Infância e da Juventude); Outros documentos, a critério do interessado, comprobatórios de sua aptidão para adotar.

Ademais, ainda em consonância com os ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem-se que o trânsito em julgado da sentença trará à baila os efeitos da adoção, já pertinentemente delineados. Note-se, por fim, o estabelecimento do prazo máximo para conclusão do processo de adoção que será, em via de regra, de 120 dias[5], conforme o diploma estatutário supramencionado.

            Feitas todas as ponderações e delineados todos os aspectos acerca da adoção, considerando a paridade de condições pretendida entre a adoção por casais hetero e homoafetivos, ao passo em que se considere a atuação do Supremo Tribunal Federal e, ainda, os aspectos principiológicos apresentados nesta obra, à guisa de conclusão, cabe notar que a própria jurisprudência já se comporta no sentido de tornar legal e legítimo que casais constituídos por pessoas do mesmo sexo realizem o processo de adoção.

Considerações finais

A união homoafetiva, embora não esteja, até então, expressamente contemplada pelo diploma civil vigente no Brasil foi, conforme mencionado na presente obra, reconhecida pela instância máxima brasileira: o Supremo Tribunal Federal que, enquanto guardião da Constituição Federal, com isso colaborou para dirimir os efeitos do preconceito e da discriminação que, há muito, fomentaram a negativa de consideração da homoafetividade enquanto vínculo capaz de realizar a estruturação de núcleos familiares.

Nesse sentido, descortinar a evolução verificada no direito das famílias, em consonância com o aparato normativo vigente e, ainda, com a atuação dos Tribunais Superiores, mostra-se relevante à sociedade e ao meio acadêmico ao passo em que desvenda os olhos da justiça, evidenciando que normatividade e afetividade devam andar de mãos dadas, sobretudo ao conferir tutela jurídica à formação das famílias brasileiras.

            Em face disso, e por considerar, principalmente, a adoção por pares homoafetivos enquanto, mais que fonte de divergência durante muito tempo no direito brasileiro, meio de gozo de direitos relativos a pessoas do mesmo sexo, é que se deve observar que não há óbice concreto a se sustentar frente ao Estado Democrático de Direito, visto que obstacularizar a adoção por casais formados por pessoas do mesmo sexo é caminhar na contramão da igualdade de direitos e da chancela à propagação dos vínculos afetivos, que devem preponderar em relação ao arcabouço legal, sobretudo compreendendo as relações familiares.

REFERÊNCIAS        

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BRASIL. Congresso. Senado. Lei nº 12010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências. Lei nº 12010. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm. Acesso em: 11 junho. 2020.

BRASIL. (Constituição [1988]). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Brasília, DF: Presidência da República.  2019. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 11 junho. 2020.

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BRASIL. Congresso. Senado. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Lei nº 8069. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 12 nov. 2019.

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[1] Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão.

[2] Com o advento da Lei n. 12.010 de 2009, a matéria passou a ser regulada pela lei especial (ECA), que, inclusive, passaria a ter aplicação subsidiária na adoção de maiores. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 706)

[4] Sem dúvida, a adoção consubstancia a filiação socioafetiva,. fundando um núcleo familiar que merece especial proteção do Estado. Estabelecida essa relação, não poderá, naturalmente, o filho adotivo investigar a sua paternidade (até porque, pai ele já tem), embora não lhe seja subtraído o direito de conhecer a origem biológica. (FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 987).

[5] Art. 47. O vínculo de adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

(...)

§10º O prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017).

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É possível a adoção conjunta por casal homoafetivo?

É possível a adoção de crianças por casais homoafetivos? Não existe nenhuma proibição sobre a possibilidade de casais homoafetivos adotarem uma criança. O reconhecimento da união estável homoafetiva em 2011 facilitou e abriu as portas para o novo conceito de família.

É possível a adoção homoafetiva no Brasil?

A resposta para esta dúvida é: sim, é possível e permitido por lei. Desde Março de 2015, a adoção para casais homoafetivos é reconhecida em nosso país como adoção homoparental, sendo reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Como é o processo de adoção de crianças estrangeiras?

Depois de escolhido o país e realizado os estudos de viabilidade, o processo de adoção de criança estrangeira deverá ser iniciado através da habilitação do(s) pretendente(s) na vara da infância e juventude da comarca mais próxima ao seu domicílio, onde será recebido e processado para posterior encaminhamento a CEJAI ...

O que é a adoção homoparental?

Entende-se por adoção homoparental aquela adoção requerida por duas pessoas do mesmo sexo que mantém relação homoafetiva. Ou seja, é adoção por casais homossexuais.