Qual a importância do Tratado de Assunção?

Os primeiros passos da aproximação entre Brasil e Argentina foram dados em 1979, quando os países resolveram a disputa em torno de projetos hidrelétricos na Bacia do Rio Paraná. A partir de então, só houve avanços. Em 1980, assinaram um acordo sobre o uso pacífico da tecnologia nuclear. Em 1982, o Brasil manifestou apoio às reivindicações argentinas na Guerra das Malvinas. 

Em 1985, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín aproveitaram a cerimônia de inauguração da Ponte Tancredo Neves, entre Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú, para assinar a Declaração do Iguaçu, que previu a integração entre os dois países. O Brasil e a Argentina haviam acabado de sair de ditaduras militares, e a redemocratização facilitou a aproximação.

— Verificamos que há um avanço como nunca tinha havido — avaliou Simon. — Se compararmos todos os presidentes da República, desde o primeiro, Deodoro, veremos que todos juntos não visitaram a Argentina tantas vezes quanto o presidente Sarney visitou. Havia a interrogação em relação ao presidente Collor, se ele se dedicaria de corpo e alma à causa da integração. Afinal, ele fez uma campanha tão dura e tão ácida contra o presidente Sarney. Justiça seja feita. Ele assumiu no dia 15 de março [de 1990]; no dia 16, o presidente Collor e o presidente Menem assinavam convênios no Palácio do Planalto. Os dois faziam questão de demonstrar que defenderiam, que lutariam, que haveriam de avançar com a causa da integração Brasil-Argentina.

A Declaração do Iguaçu é considerada o embrião do Tratado de Assunção. O Uruguai e o Paraguai, que assistiram aos vizinhos assinando acordo atrás de acordo a partir de 1985, perceberam que a aliança era promissora e decidiram somar-se ao grupo. Foi assim que o degelo acelerado das relações bilaterais entre Brasil e Argentina deu origem ao Mercosul.

— Os dois presidentes [Sarney e Alfonsín], desde a inauguração da Ponte Tancredo Neves, estão decididos a encaminhar a economia dos dois países para um integração com que possam chegar a um futuro marcado. A integração começa com os dois. Depois virá o Uruguai. Depois será a vez do Chile. Foi a integração, pelo Mercado Comum Europeu, que salvou a Europa da pobreza e da dependência. Assim, me parece que a solução para a pobreza do nosso país e da nossa região é a sua integração em um mercado comum — disse, em 1989, o senador Ney Maranhão (PMB-PE).

Outro motivo que levou à criação Comunidade Econômica Europeia (antecessora da atual União Europeia), em 1958, foi justamente uma rivalidade histórica. A Alemanha e a França haviam protagonizado, sempre em lados opostos, as batalhas mais sangrentas da história da Europa, incluindo as duas guerras mundiais. Quando ambas as economias foram umbilicalmente conectadas, a tentativa de destruição mútua se transformou num mau negócio. Alemães e franceses nunca mais se enfrentaram. 

Nesta sexta-feira, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) completou 30 anos de sua criação. Em 26 de março de 1991, os presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, marco jurídico fundador do maior projeto de integração regional na América do Sul. Ao longo destas três décadas, o Mercosul expandiu seus objetivos de uma pura inserção no comércio mundial para um viés multitemático.

O Mercosul se originou em um esforço de aproximação e construção de confiança entre Brasil e Argentina via negociações no âmbito bilateral. Embora tenham ocorrido aproximações casuais ao final dos regimes militares destes países, foi no período da redemocratização – na segunda metade dos anos 1980 – que houve um grande impulso neste empenho a partir de uma série de reuniões entre os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín. O resultado disso foi o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), que estabelecia um processo de incentivo ao intercâmbio comercial, harmonização e compatibilidade de diversos setores econômicos e produtivos de ambos os países.

Neste meio tempo, o Uruguai e o Paraguai, por se tratarem de economias menores, fortemente dependentes dos seus grandes vizinhos, e temendo possíveis dificuldades econômicas caso estivessem fora da integração, solicitaram o ingresso no projeto. As negociações, outrora bilaterais, tiveram como resultado final a assinatura do Tratado de Assunção em 1991, que estabeleceu o Mercosul.

O início da década de 1990 foi um período de grande avanço comercial e de desenvolvimento jurídico-institucional no bloco. Neste período, seus países-membros abriram seus mercados para o comércio intrabloco e buscaram uma inserção conjunta nas Cadeias Globais de Valor. Ao mesmo tempo, avançaram negociações, construíram paradigmas jurídicos e introduziram a chamada “cláusula democrática” no regramento institucional – que destaca o respeito à ordem democrática como fundamental para a integração regional.

Esta euforia inicial, no entanto, começou a perder força na segunda metade da década. Após as crises econômicas russa e asiática, a comunidade internacional temia algo similar nas economias latino-americanas. A perda de confiança internacional, vinculada à baixa competitividade das indústrias nacionais, a falta de liquidez das economias – consequência da abertura indiscriminada de mercados e de outras políticas econômicas de cunho neoliberal dos anos 1990 – e a explosão das dívidas externas, levou a graves recessões nos Estados-Parte, e a mudanças nas suas políticas econômicas. Isso acabou impactando negativamente a ideia do Mercosul comercial, que não retornou a este patamar.

Os anos 2000 foram marcados por crises econômicas e também na própria identidade do Mercosul. Expostas suas limitações diante das dificuldades nacionais, se fez necessária uma remodelação dos seus objetivos, para abarcar temas além do comércio. Neste período, houve a ascensão de uma série de governos com projetos progressistas na América do Sul – tendência essa denominada de “onda rosa” – cujas preocupações com questões sociais foram transpostas para os sistemas regionais de integração.

Diante disso, houve um grande esforço de fortalecimento jurídico e institucional do Mercosul, dotando-o de um conjunto de mecanismos técnicos voltados a pautas como educação, cultura e trabalho, sem abandonar os objetivos econômico-comerciais. Outra grande movimentação no bloco foi a sua expansão, com a agregação dos países sul-americanos como membros associados e a entrada da Venezuela como membro pleno. Estas mudanças tiveram como resultados o aumento da importância do bloco e da complexidade de suas decisões.

Os anos 2000 foram um período de grande convergência política, grandes projetos e avanços para a integração regional, que foram sustentados a partir das receitas internacionais do chamado boom das commodities agrícolas. Neste período, as economias nacionais foram paulatinamente reprimarizadas, e houve uma continuidade da perda da competitividade das indústrias nacionais.

Já na segunda metade da década, os países latino-americanos começaram a sentir os efeitos da crise econômica mundial desencadeada pelos EUA. A vulnerabilidade destes Estados diante de um mercado em baixa – associado ao desgaste dos mandatos progressistas e a um movimento global de reação (ultra) conservadora – levou ao fim da “onda rosa” e a ascensão de governos que buscavam uma retomada do projeto de integração comercial e da negociação de acordos de livre-comércio, com menos enfoque nas questões sociais.

Foi em meio a este cenário que ocorreu a suspensão do Paraguai (2012-2013), após uma grave crise política. Esta suspensão abriu espaço para a adesão efetiva da Venezuela como membro pleno do Mercosul – a qual era oposta pelo Paraguai. No entanto, sua participação foi limitada e esta seria suspensa em 2017, sob o argumento de violação da “cláusula democrática”. Já a Bolívia, que iniciou seu processo de adesão formal em 2015, ainda aguarda o aceite brasileiro para sua entrada definitiva.

Na atualidade, nota-se um Mercosul dividido, questionado. No âmbito comercial, o bloco fechou um importante acordo com a União Europeia – um dos seus parceiros tradicionais – que abarca desde o fim das tarifas comerciais e definição de cotas agrícolas até questões trabalhistas e ambientais. No entanto, vale destacar que o acordo não está em vigor e já sofre uma série de questionamentos por parte dos europeus, resultantes do descumprimento das medidas de preservação ambiental, em especial pelo Brasil.

No plano político-institucional, por sua vez, se tornaram frequentes os questionamentos e críticas de determinados setores à morosidade, engessamento e falta de dinamismo da estrutura do bloco. Isto é evidente em propostas de flexibilização de regras, que focam em um desenvolvimento e inserção internacional individual e se afastam da lógica de ação coletiva e/ou regional.

A atual pandemia causada pelo SARS-CoV-2 exacerbou ainda mais as dificuldades econômicas dos países-membros e evidenciou uma nova fragilidade no Mercosul. Assim, é clara a necessidade de novas reformas e ações conjuntas e coordenadas entre os membros, de forma a criar condições de continuidade e até de fortalecimento institucional do bloco.

Referências bibliográficas:

CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 5ª ed. rev. ampl., – Brasília: Editora UnB, 2015.

GUIMARÃES, Davi A. A entrada da Venezuela no Mercosul: do protocolo de adesão ao “rito sumário”. 2017. 66 f. Trabalho de Conclusão de Curso – FACAMP, Campinas, 2017.

__________________. Assimetrias no Mercosul: entrave chave para uma maior integração regional. 2018. 49 f. Trabalho de Conclusão de Curso – FACAMP, Campinas, 2018.

MACHADO, João B. M. Mercosul: processo de Integração: Origem, Evolução e Crise. São Paulo: Ed. Aduaneiras Ltda., 2000.

RICUPERO, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil (1750-2016). 1ª ed. – Rio de Janeiro: Ed. Versal, 2017.

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Qual era o objetivo do Tratado de Assunção?

O presente Tratado se chamará "Tratado de Assunção". Com o objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum, estabelecer-se-á Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL.

O que é o Protocolo de Assunção?

O Protocolo de Assunção visa fortalecer o MERCOSUL político em sua vertente de direitos humanos, ao condicionar a participação dos Estados-membros no processo de integração ao compromisso com a proteção e promoção dos direitos humanos.

Quais países fazem parte do Tratado de Assunção?

O Tratado de Assunção, subscrito pela Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, em 26.03.91, estabeleceu um “período de transição”, que se estendeu desde sua entrada em vigor até 31.12.94.

Quem assinou o Tratado de Assunção?

Documentos guardados no Arquivo do Senado mostram que os senadores, de Brasília, acompanharam com atenção a histórica cerimônia internacional de 26 de março de 1991, na qual Fernando Collor, Carlos Menem, Luis Lacalle e Andrés Rodríguez firmaram o Tratado de Assunção.