Porque a ONU não fez nada em Ruanda Qual é a política da ONU nos países?

Ficou conhecido como “genocídio do Ruanda” o período de 100 dias, entre 7 de abril e meados de julho de 1994, durante o qual foi levada a cabo uma campanha sistemática de massacres pela maioria Hutu contra a minoria Tutsi.

A violência foi desencadeado pela morte do presidente do país, um Hutu, cujo avião em que viajava foi abatido na véspera, dia 6 de abril de 1994. É aplicada a designação de “genocídio” porque não se tratou de incidentes isolados ou de confrontos esporádicos, mas sim de uma campanha preparada e sistemática, destinada a eliminar toda a população Tutsi, de forma geral e indiscriminada.

Calcula-se que tenham morrido entre 800 mil a 1 milhão de pessoas durante este período de pouco mais de três meses, enquanto a guerra civil que se seguiu terá causado cerca de 2 milhões de refugiados.

  • Como se explica?

O Ruanda e o Burundi são dois pequenos países africanos que viviam em permanente tensão desde a sua independência, na década de 50. Essa tensão decorria precisamente do conflito entre a maioria Hutu e a minoria Tutsi.

No Ruanda, as raízes desta hostilidade remontam ao período colonial, quando a região estava sob administração alemã e, posteriormente, belga. Como noutras regiões de África, as fronteiras dos territórios são artificiais e não correspondem a limites naturais ou respeitam as diferenças étnicas. Além disso, a administração colonial belga favoreceu a rivalidade entre os dois grupos e promoveu a supremacia da minoria Tutsi.

No início da década de 90, a guerra civil estava iminente e previa-se um conflito em larga escala, sobretudo pelo surgimento de um movimento supremacista Hutu que promovia a violência contra os Tutsi e rejeitava as tentativas de conciliação e de partilha de poder.

O Ruanda era uma espécie de barril de pólvora, cujo rastilho deflagrou, precisamente, no dia 7 de abril de 1994.

  • Nada foi feito para impedir os massacres?

O genocídio do Ruanda causou enorme indignação na opinião pública mundial, não apenas pelo horror causado pelos massacres, mas também pela passividade e indiferença das potências mundiais.

A ONU colocou um pequeno contingente militar no país, nos meses que antecederam os massacres, mas foi completamente impotente para proteger as populações. Houve alertas e denúncias de que estava em marcha uma catástrofe humanitária no país, mas nada foi feito.

A França, tradicional aliada dos Hutus, foi posteriormente acusada de ter tido conhecimento dos planos genocidas das elites Hutus e de não ter tomado nenhuma ação. As organizações de defesa dos direitos humanos denunciaram igualmente a hipocrisia e a insensibilidade da comunidade internacional, por se tratar de uma região remota, longe dos centros de poder mundiais.

O genocídio do Ruanda teve um impacto profundo na economia e no equilíbrio político de toda aquela região, e cujas feridas continuam, em boa parte, ainda por sarar na atualidade.

Ouça aqui outros episódios do programa Dias da História

Circunstâncias históricas:

Após o término da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), a Bélgica passou a colonizar Ruanda – devido à perda da Alemanha na referida guerra. Seguindo o padrão de atuação dos países imperialistas no continente africano, para controlar e manipular as relações locais, a Bélgica deixou a minoria tutsi no poder, enquanto que a maioria hutu não tinha acesso a privilégios.

Devido a esta composição, houve uma revolta hutu em 1959. Porém, ao invés de tentar um governo partilhado, o representante belga substituiu os governantes tutsis por hutus, levando ainda a um revanchismo deste em cima da minoria.

Em 1962, Ruanda se tornou uma república independente, através de um plebiscito com participação da ONU, mas os postos de comando permaneceram sob o controle dos hutus; a violência contra a minoria étnica tutsi seguiu acontecendo, o que gerou diversos refugiados. Apesar do golpe em 1973, o favorecimento aos hutus permaneceu, uma vez que Juvenal Habyarimana (1973 – 1994) era o presidente e era tido como um hutu moderado. Durante os anos seguintes, ainda houve ataques hutus contra os tutsis refugiados e exilados. Isto levou a criação de diversos grupos, como a Frente Patriótica Ruandesa (FPR). Esta tinha o intuito de chegar à reconciliação entre as diferentes etnias.

Em 1990, a FPR tentou trazer os refugiados tutsis de volta à Ruanda. Para tanto, a FPR atacou o país, o que levou a uma guerra civil. França e Bélgica enviaram tropas para a proteção dos seus, enquanto o Zaire (atual República Democrática do Congo) ainda apoiou o governo de Ruanda. A FPR não obteve êxito e tornou-se um grupo de guerrilha. O governo massacrava tutsis e os guerrilheiros, hutus.

Apesar das pressões internacionais, após o fim da Guerra Fria, para Ruanda se tornar de fato uma democracia, existia um abismo devido ao ódio étnico, que utilizava a mídia como um instrumento de difusão de pureza racial. Com a perda de vários líderes, Paul Kagame se torna a principal voz da FPR. A articulação internacional para tentar criar um governo moderado falhou, mas a escalada da violência e a pressão dos atores internacionais levou as lideranças à mesa.

Em 1993 foi assinada a Declaração de Arusha para colocar fim à guerra civil e ainda houve um acordo para a participação da FPR no governo de transição. A ONU, a fim de assegurar o cessar fogo, enviou a força UNAMIR – sigla em inglês que se refere à Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda. Entretanto, um acidente de avião mata o então presidente Habyarimana e o presidente do Burundi durante as negociações de paz. Após essa tragédia, a violência espalhou-se pelo país.

O genocídio

Como pólvora, a violência assola o país, e tutsis e hutus moderados são massacrados, o que por sua vez promove a retaliação da FPR. Governo e refugiados fogem para o Zaire. Enquanto isso, o chefe da UNAMIR, o general canadense Roméo Dellaire, tenta articular um cessar-fogo, mas não existe qualquer confiança entre as partes devido à atuação do novo governo – composto por extremistas hutus – e os interahamwe. A FPR se negava a negociar devido à forma de organização do governo e a persistência da violência.

Diante do cenário, o CSNU (Conselho de Segurança das Nações Unidas) é provocado a se manifestar, declara ameaça à paz e segurança internacionais e aprova um embargo de armamentos.  O mandato da UNAMIR não tinha capacidade para atuar nessas condições. Após uma resolução equivocada que diminuía o efetivo no local (Resolução nº 912, em 12 de abril de 1994), o CSNU aprovou a Resolução nº 918, em 17 de maio de 1994, que instalava a UNAMIR II. De acordo com o relatório de organizações internacionais – como Human Rights Watch, Médicos Sem Fronteiras e OXFAM –, o ápice do massacre foi durante o período entre abril e maio de 1994.

Foi só com a Resolução nº 929, de junho de 1994, ao invocar o Capítulo VII da Carta, que se passou a dar proteção aos refugiados. Para a sua execução, houve um acordo entre os membros permanentes do Conselho a fim de atender seus interesses. A França seria responsável pela coordenação da ONU em Ruanda.

Porque a ONU não fez nada em Ruanda Qual é a política da ONU nos países?
Vala com 3 mil corpos do genocídio

Inicialmente, a França apoiava o governo hutu devido aos laços francófonos e área de influência, enquanto a FPR era próxima da área de influência inglesa. Após a morte do presidente, a França apoiou a retirada de tropas da ONU. A ofensiva da FPR alterou a percepção francesa, que passou a advogar pela intervenção. 

A autorização do CSNU só ocorreu em julho de 1994 com a Operação Turquesa. A atuação da França nessa operação foi contraditória, pois visava impedir o avanço da FPR, mas atuava na área dominada pelo governo onde não protegia a minoria étnica, mas sim os hutus. Além disso, ainda tinha intenção de liderar uma ofensiva para recolocar o governo hutu no poder.

Com a eleição de Bill Clinton nos EUA houve uma mudança substancial na forma de atuação da política externa, especialmente devido ao fracasso que foi a Somália.

Em julho de 1994, a FPR alcança a capital Kigale e instaura um novo governo com Pasteur Bizimungo como Presidente, com Paul Kagame como vice. O objetivo ali era criar um governo repartido, assegurando o Tratado de Arusha. Ao término do conflito, vários hutus deixaram o país com medo da vingança tutsi, e aqueles que não conseguiram foram para áreas de proteção francesa.

A ocorrência do genocídio de forma rápida, sistemática e cruel, matando quase um milhão de pessoas, gerou uma problemática para a comunidade internacional, especialmente pela paralisia da ONU e o não reconhecimento inicial das atrocidades perpetradas, bem como a atuação precária de potências ocidentais.

A instalação de um Tribunal Penal Internacional para Ruanda iria tentar dirimir e pacificar o país através de uma justiça de transição com o intuito de criar um Estado estável e democrático. Em 2008, três integrantes do governo hutu (Theoneste Bagosora, Aloys Ntabakuze e Anatole Nsengiyumva) durante o período do genocídio foram condenados à prisão perpétua pelo tribunal. Os números do tribunal, de acordo com o site oficial, são:

Porque a ONU não fez nada em Ruanda Qual é a política da ONU nos países?
Fonte: International Criminal Tribunal for Rwanda.

.

Tradução:
93 Indivíduos indiciados pelo Tribunal Internacional para Ruanda;
62 Sentenciados;
14 Absolvidos;
3 Fugitivos procurados pelo MICT
2 Mortes antes do julgamento
2 Acusações retiradas antes do julgamento

Consequências

A paralisia da ONU e a atuação dos países envolvidos foram temas de escrutínios após a propagação das condutas equivocadas atreladas à comunidade internacional. O ponto onde Ruanda se encontra ainda é uma região instável.

Porque a ONU não fez nada em Ruanda Qual é a política da ONU nos países?
Paul Kagame, Presidente da Ruanda

Atualmente, o presidente do país é Paul Kagame, um dos líderes da então FPR, e existem sussurros sobre sua conduta durante a guerra civil. A relação com a França ainda não está completamente restabelecida, pois diversos indivíduos que participaram das atrocidades encontraram proteção do exército francês na época e guarida em Paris.

A atuação da França gerou tanta polêmica que foi publicado um relatório, em 19 de abril de 2021, sobre a aquiescência francesa com as atrocidades perpetradas. O presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que busca o perdão pelo reconhecido papel que a França teve no genocídio de Ruanda e, ainda, tenta reformar a relação entre os dois países. Ademais, as consequências do ocorrido ainda ecoam em outros lugares, como o instável Congo.

Referências

ALJAZEERA. France ‘enabled’ 1994 Rwanda genocide, report says. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2021/4/19/france-enabled-1994-rwanda-genocide-report-says. Acesso em 31 de maio de 2021.

CRISIS GROUP. Five years after the genocide in Rwanda: Justice in question. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/africa/central-africa/rwanda/five-years-after-genocide-rwanda-justice-question. Acesso em 31 de maio de 2021.

CRISIS GROUP. Rwanda’s Genocide Still Echoes in Congo. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/africa/central-africa/democratic-republic-congo/rwandas-genocide-still-echoes-congo. Acesso em 31 de maio de 2021.

DALLAIRE, Roméo. Shake Hands with the Devil: the Failure of Humanity in Rwanda. Toronto :Random House Canada, 2003.

G1. Ex-militares pegam prisão perpétua por genocídio em Ruanda. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL928291-5602,00-EXMILITARES+PEGAM+PRISAO+PERPETUA+POR+GENOCIDIO+EM+RUANDA.html. Acesso em 31 de maio de 2021.

GLOBAL CENTRE FOR THE RESPONSIBILITY TO PROTECT. The UN, Rwanda and the ‘Genocide Fax’ — 20 Years Later. Disponível em: https://www.globalr2p.org/publications/the-un-rwanda-and-the-genocide-fax-20-years-later/. Acesso em 31 de maio de 2021.

GOUREVITCH, Phillip. Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.

HISTORY. Rwandan Genocide. Disponível em: https://www.history.com/topics/africa/rwandan-genocide. Acesso em 31 de maio de 2021.

HISTORY. Violence erupts in Rwanda, foreshadowing genocide. Disponível em: https://www.history.com/this-day-in-history/civil-war-erupts-in- Rwanda?cmpid=mrss_int_taboola_video_his. Acesso em 31 de maio de 2021.

HUMAN RIGHTS WATCH. Rwanda Genocide. Disponível em: https://www.hrw.org/reports/1999/rwanda/Geno1-3-10.htm. Acesso em 31 de maio de 2021.

INTERNATIONAL RESIDUAL MECHANISM FOR CRIMINAL TRIBUNALS. International Criminal Tribunal for Rwanda. Disponível em: https://unictr.irmct.org/. Acesso em: 31 de maio de 2021. 

MANDANI, Mahmood. When victims become killers: colonialism, nativism, and the genocide in Rwanda. Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 2001.

MEDECINS SANS FRONTIERES. Genocide of Rwandan Tutsi 1994. Disponível em https://www.msf.org/sites/msf.org/files/2019-04/MSF%20Speaking%20Out%20Rwandan%20Tutsi%20Genocide%201994_0.pdf. Acesso em 31 de maio de 2021.

MORRIS, J. & WHEELER, N. Humanitarian intervention and state practice at the end of cold war. In: International Society after the Cold War. Great Britain: McMillan Press, 1996.

PRUNIER, Gérard. The Rwanda Crisis, History of a Genocide. New York: Columbia University Press, 1995.

REUTERS. France’s Macron seeks forgiveness over Rwandan genocide. Disponível em: https://www.reuters.com/world/frances-macron-rwanda-reset-ties-survivors-expect-apology-2021-05-26/. Acesso em 31 de maio de 2021.

RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 277p.

Imagens:

FOREIGN POLICY. Exclusive: Rwanda Revisited. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2015/04/05/rwanda-revisited-genocide-united-states-state-department/. Acesso em 31 de maio de 2021.

The Guardian. The Observer view on Rwanda and Paul Kagame’s lust for power. Disponível em https://www.theguardian.com/world/commentisfree/2016/jan/03/paul-kagame-and-others-damage-africa-lust-to-rule-for-ever. Acesso em 31 de maio de 2021.

Porque a ONU não fez nada em Ruanda Qual é a política da ONU nos países Qual a sua opinião a respeito?

Resposta verificada por especialistas Eles provavelmente ajudam países como Ruanda ou África Do Sul de formas microscópicas mas devem ter uma dinâmica de controle onde eles conseguem manter um controle na nação, talvez porque na África exista uma alta diversidade de minérios (como diamante), mão de obra e animais.

Porque a ONU não interveio em Ruanda?

Paulo - Autocrítica: ONU admite que foi omissa em relação a genocídio em Ruanda - 17/12/1999. A ONU foi tímida, desorganizada e mal instruída antes e durante o genocídio que ocorreu em Ruanda (centro-sul da África) em 1994, ignorando e falhando em intervir nos massacres.

Qual foi o papel da ONU no filme Ruanda?

No conflito ruandês a presença da ONU mostra exatamente qual é o papel da ONU, manter a paz, e não faze-la. Por isso protegeram o hotel Mille Collines, pois era um ponto de paz, um campo de refugiados, então eles tentavam manter aquele local a salvo.

Por que o mundo grandes potências não impediu o genocídio em Ruanda?

Segundo Eltringham, outro fator foi "uma completa falta de entendimento de que o genocídio era um ataque planejado aos tutsis (e hutus moderados) com um objetivo político claro (a manutenção do poder). Em vez de mostrar essa realidade, a imprensa reportou que o conflito era 'tribal' com 'raízes de ódio'.