RESUMO:Este artigo objetiva compreender a educação de surdos no século XIX e como se dava a circulação da língua de sinais no Imperial Instituto de Surdos-Mudos, no referido período. O Imperial Instituto de Surdos-Mudos foi fundado em 1857 para a educação de surdos no Brasil e para um trabalho de reabilitação. O estudo empreendido trata-se de uma pesquisa3 3 A pesquisa em questão contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). documental e bibliográfica de natureza qualitativa. A coleta de dados foi realizada em fontes primárias, tais como: Relatórios dos Ministros e Secretários de Estado dos Negócios do Império e Relatórios dos diretores do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Como resultados, encontramos evidências de que a língua de sinais circulava na instituição e estava presente nas relações que se estabeleciam entre professores e alunos. Entretanto, tal língua não aparecia no currículo prescrito da instituição, em função do oralismo. Show
Palavras-chave: ABSTRACT:This article aims to understand the education of deaf people in the 19th century in Brazil and describe the circulation of sign language at the Imperial Institute of Deaf-Mutes during that period. The Imperial Institute for Deaf-Mutes was founded in 1857 to educate deaf people in Brazil and for rehabilitation work. This study is a qualitative documentary and bibliographical research. Data were collected from primary sources, including Reports from Ministers and State Secretaries of the Empire and from the Directors of the Imperial Institute for Deaf-Mutes. We found evidences that sign language circulated at the institution and was present in teacher-student relationships. However, it did not appear in the institution's prescribed curriculum, due to oralism. Keywords: RESUMEN:Este artículo tiene como objetivo comprender la educación de las personas sordas en el siglo XIX y cómo fue la circulación de la lengua de señas en el Instituto Imperial de Sordomudos en ese período. El Instituto Imperial de Sordomudos fue fundado en 1857 para la educación de personas sordas en Brasil y para un trabajo de rehabilitación. El estudio realizado es una investigación documental y bibliográfica de carácter cualitativo. Los datos fueron recolectados de fuentes primarias, como: Informes de los Ministros y Secretarios de Estado de Negocios del Imperio e Informes de los Directores del Instituto Imperial de Sordomudos. Como resultado, encontramos evidencias de que la lengua de señas circulaba en la institución y estaba presente en las relaciones que se establecían entre maestros y estudiantes. Sin embargo, la lengua de señas no aparecía en el plan de estudios prescrito de la institución debido al oralismo. Palabras clave: INTRODUÇÃOO desenvolvimento da educação de surdos no período Imperial no Brasil, especificamente no Segundo Reinado, ainda suscita muitos questionamentos devido às suas variantes e tentativas de estabelecimento de um projeto
educacional especializado, alinhado com o projeto de instrução escolar para as camadas menos favorecidas em termos econômicos e, consequentemente, sociais do período vigente (SOFIATO, 2018SOFIATO, Cássia Geciauskas. A educação de surdos no século XIX: currículo prescrito e modelo de educação. Cad. Pesq., São Luís, v. 25, n. 2, p.207-224, abr. 2018. Disponível em: <Disponível em:
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/9329/5544 >. Acesso em: 09 jul. 2018. Alguns pesquisadores do campo da Educação Especial já empreenderam pesquisas sobre o referido período, entre eles Rocha (2007ROCHA, Solange.
O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.), Soares (1999SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação do surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados; Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1999.), Mazzotta (2001MAZZOTTA, Marcos José Silveira. Educação Especial no Brasil: História e políticas públicas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.),
Jannuzzi (2004JANNUZZI, Gilberta de Martino. A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XIX. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.), Sofiato (2011SOFIATO, Cássia Geciauskas Sofiato. Do desenho à litografia: a origem da língua brasileira de sinais. 2011. 265f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes - Campinas, SP: [ s.n. ], 2011. Disponível em:
<Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000796432&fd=y >. Acesso em: 15 dez. 2016. A educação formal de surdos foi principiada no Brasil em 1857, com a fundação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, por E. Huet, surdo e professor francês. Segundo Rocha (2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.), Huet levou a cabo o projeto de estabelecimento de tal instituição com a anuência de D. Pedro II, que instituiu, desde o início, uma comissão inspetora para acompanhar o funcionamento do Instituto. Por meio de estudos realizados por Sofiato (2018SOFIATO, Cássia Geciauskas. A educação de surdos no século XIX: currículo prescrito e modelo de educação. Cad. Pesq., São Luís, v. 25, n. 2, p.207-224, abr. 2018. Disponível em: <Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/9329/5544 >. Acesso em: 09 jul.
2018. Diferentemente de outros colégios da época, que ofereciam o ensino de mais de uma língua, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos previa o ensino e o desenvolvimento de uma língua de forma oficial, ou seja, por meio de seu currículo
prescrito, a língua portuguesa. No ano de 1868, verificamos que a língua francesa também foi cogitada para o ensino, mas não fez parte do currículo prescrito (BRASIL, 1868BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Jose Joaquim Fernandes Torres). Relatorio do anno de 1867 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 13ª Legislatura. (Publicado em 1868). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1694/ >. Acesso em:17 out.
2016. Assim sendo, este estudo tem como objetivo compreender a educação de surdos no século XIX e como se dava a circulação da língua de sinais no Imperial Instituto de Surdos-Mudos, no referido período. Iniciaremos nossos estudos no ano de 1855, com a chegada de E. Huet ao Brasil (ROCHA, 2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.), e percorreremos a trajetória dessa instituição até o ano de 1889, contemplando parte do período Imperial. Salientamos que a escolha por esse estabelecimento se deu devido à sua relevância histórica, às possibilidades de acesso a um corpus pouco explorado pela área e pelo tempo que essa instituição orientou a educação oferecida aos estudantes surdos em nível nacional. A presente investigação possui uma abordagem qualitativa e se caracteriza como bibliográfica e documental. Gil (2002GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.) pontua que a diferença entre a pesquisa bibliográfica e a documental está relacionada à natureza das fontes. Segundo o autor, a pesquisa bibliográfica é desenvolvida “com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002., p. 44) e “a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa” (GIL, 2002GAMA, Flausino José da. Iconographia dos signaes dos surdos-mudos. Rio de Janeiro: Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1875. (Série Histórica do Instituto Nacional de Educação de Surdos; 1. Rio de Janeiro: INES, 2011)., p. 45). No estudo em questão, o corpus utilizado foi constituído por Relatórios dos Diretores do Imperial Instituto de Surdos-Mudos, Relatórios dos Ministros e Secretários de Estado dos Negócios do Império e cartas da época, ou seja, fontes primárias. Ademais, a análise do material encontrado referente ao período delineado, seguiu os pressupostos de Marson (1984MARSON, Adalberto. Reflexões sobre o procedimento histórico. In: SILVA, Marco A. da(Org.). Repensando a história. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984, p. 37-64.), considerando os três níveis de indagação propostos pelo autor sobre os documentos, entre eles:
Tais questões nortearam as análises e circunscreveram núcleos de sentidos a partir dos quais pudemos constituir uma narrativa, em busca de algo mais original para o campo, considerando, também, contribuições pertinentes de outros autores no âmbito da pesquisa bibliográfica. A LÍNGUA DE SINAIS NO IMPERIAL INSTITUTO DE SURDOS-MUDOSA fundação do Imperial Instituto de Surdos-Mudos no Brasil foi um reflexo das discussões que fervilhavam no cenário mundial, mais especificamente no europeu, a respeito da educação dos surdos. Nesse contexto, Alemanha e França traziam duas grandes tendências na educação dos surdos e as questões relativas à surdez estavam ganhando destaque em todo o mundo. “A escola alemã representava o método oral e a escola francesa o método combinado”4 4 Segundo Rocha (2007), a escola alemã era representada pelo pastor Samuel Heinicke, enquanto a francesa era representada pelo abade Charles Michel L’Epée. (ROCHA, 2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007., p. 15), duas correntes distintas que permeiam há séculos as discussões sobre a comunicação dos surdos. Soares (1999SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação do surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados; Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1999.) afirma que a educação brasileira sofreu durante muito tempo influência do cenário educacional francês, apesar de, economicamente, não ter sido dependente desse país. Isso trouxe reflexos para educação dos surdos, que foi profundamente marcada por esta influência. Em alguns países do mundo já havia instituições que se dedicavam à educação de surdos desde o século XVIII. No Brasil, a primeira, como dito anteriormente, surgiu no século XIX. Segundo Rocha (2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.), foi no ano de 1855 que o professor surdo E. Huet, do Instituto de Surdos de Paris, mostrou a intenção de estabelecer uma escola destinada ao ensino de surdos no território brasileiro. Huet apresentou ao imperador do Brasil um documento que pedia ao governo ajuda para a instalação da primeira escola de surdos (ROCHA, 2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.). Iniciou-se, naquele momento, o processo de criação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Segundo Rocha (2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007., p. 29-30), a princípio, o Instituto teve como proposta oferecer um curso que:
E. Huet estabeleceu a primeira escola de surdos no ano de 1856, sendo que ela funcionou, provisoriamente, no prédio do Colégio Vassimon (MAZZOTA, 2001MAZZOTTA, Marcos José Silveira. Educação Especial no Brasil: História e políticas públicas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.). Segundo dados do Almanak Laemmert (1856, p. 406), o objetivo da fundação do Instituto
era a “regeneração intellectual e moral dos Surdos-Mudos do Brasil”. Os objetivos da educação que se oferecia à época não eram muito distintos dos previstos para colégios de ouvintes. Por exemplo, para o Instituto Collegial de Nova Friburgo, a finalidade era “dar aos seus alumnos uma educação religiosa e moral, physica e intellectual” (ALMANAK, 1856ALMANAK Laemmert (1844-1889). In: Center for Research Libraries. Global Resources Network. Disponível em: <Disponível
em: http://www-apps.crl.edu/brazil/almanak >. Acesso em:17 jun. 2018. De acordo com o material da série histórica do Instituto Nacional da Educação de Surdos, que traz a tese de doutorado de Bacellar (1926BACELLAR, Arnaldo de Oliveira. A surdo mudez no Brasil(cadeira de hygiene). Tese de doutoramento em Medicina de Arnaldo de Oliveira Bacellar, pela Faculdade de Medicina de São Paulo,em 1926. (Série Histórica do Instituto Nacional de Educação de Surdos; 6. Rio de Janeiro: INES, 2013)., p. 83), já no ano de 1856 “publicou Huet o seu Programa de Ensino, o qual comprhendia: lingua portugueza, arithmetica, geographia e historia do Brasil, escripturação mercantil, linguagem articulada e leitura sobre os labios (aos que tivessem aptidão) e doutrina christã”. A língua brasileira de sinais ainda estava longe de obter seu reconhecimento linguístico. Isso só se daria no século XXI, e não aparecia no programa educacional do Instituto por razões óbvias: em função do oralismo e por não ser considerada língua. Entretanto, queremos destacar a sua presença no cotidiano do colégio e as evidências de seu uso em algumas práticas escolares. Outra questão é que a língua brasileira de sinais, ao que tudo indica, ainda estava se constituindo no Brasil, na confluência com a língua francesa de sinais. Segundo Rocha (2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES,
2007.), foi no dia 26 de setembro de 18575 5 No dia 26 de setembro é comemorado o Dia Nacional do Surdo, segundo o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES, 2016). Mais informações no site: http://www.ines.gov.br. que Dom Pedro II, pela Lei no 839, garantiu um subsídio financeiro para a instituição e, então, foi oficializada a fundação do Instituto de Surdos e Mudos no Rio de Janeiro. Huet,
fundador e proprietário do Instituto, tornou-se o primeiro diretor desse estabelecimento e ocupou o cargo no período de 1856 a 1861 (ROCHA, 2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.). Segundo dados encontrados no Relatório Ministerial, referente ao ano de 1860, Huet demonstrou a intenção de deixar o cargo de diretor do Instituto (BRASIL, 1861BRASIL. Ministerio
do Imperio. Ministro (Jose Antonio Saraiva). Relatorio do anno de 1860 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª sessão da 11ª Legislatura. (Publicado em1861). Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1733/>. Acesso em:17 out. 2016.). Porém, foi apenas no ano de 1861 que ele oficializou sua saída, garantindo que recebesse certa quantia em dinheiro como reconhecimento de seu trabalho (BRASIL, 1862BRASIL. Ministerio do
Imperio. Ministro (Jose Idelfonso de Souza Ramos). Relatorio do anno de 1861 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 11ª Legislatura. (Publicado em 1862). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1734/ >. Acesso em:17 out. 2016. Depois dele, nesses mais de 160 anos de história, muitos outros diretores foram responsáveis pela gestão do INES e, de alguma forma, contribuíram para a constituição do cenário educacional dos surdos no Brasil. Neste texto destacaremos alguns dos diretores do período imperial que marcaram de forma bastante pontual a história do Instituto e que, em suas gestões, encontramos indícios de circulação da língua de sinais no referido estabelecimento de ensino. Vale lembrar que, no período investigado (1855 a 1889), o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos teve cinco diretores. Com a saída de Huet, segundo Rocha (2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.), o Instituto contou com a atuação de dois diretores no período de um ano. Então, em 1862:
É interessante perceber que, apesar de não estar contida na documentação pedagógica do Instituto, a língua que os surdos usavam, chamada na época de linguagem dos surdos-mudos, é entendida como um requisito importante para aqueles que decidem atuar na educação de surdos. Ou seja, encontramos um indício relevante de que a língua de sinais permeava as relações estabelecidas no Instituto, provavelmente como uma forma de comunicação, ainda que em muitos momentos da história isso não seja evidenciado. No que tange ao aspecto pedagógico, Sofiato (2018SOFIATO, Cássia Geciauskas. A educação de surdos no século XIX: currículo prescrito e modelo de educação. Cad. Pesq., São Luís, v. 25, n. 2, p.207-224, abr. 2018. Disponível em: <Disponível em:
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/9329/5544 >. Acesso em: 09 jul. 2018. No Relatório Ministerial do Império do ano de 1865, mais uma vez são apontadas as disciplinas curriculares que deveriam orientar o trabalho pedagógico. Eram elas: “a lingua nacional, arithmetica e algebra, historia e geographia, calligraphia, desenho, articulação artificial e leitura sobre os labios, accrescendo para as meninas trabalhos de agulha e de bordadura” (BRASIL, 1866BRASIL. Ministerio do
Imperio. Ministro (Pedro de Araujo Lima). Relatorio do anno de 1865 apresentado à Assemblea Geral Legislativa na 4ª sessão da 12ª Legislatura. (Publicado em 1866). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1740 >. Acesso em:17 out. 2016. Vê-se que há, no trecho do
Relatório Ministerial (BRASIL, 1866BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Pedro de Araujo Lima). Relatorio do anno de 1865 apresentado à Assemblea Geral Legislativa na 4ª sessão da 12ª Legislatura. (Publicado em 1866). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1740 >. Acesso em:17 out. 2016. No ano de 1867 que foi atribuído ao Instituto o caráter de estabelecimento público
(BRASIL, 1868BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Jose Joaquim Fernandes Torres). Relatorio do anno de 1867 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 13ª Legislatura. (Publicado em 1868). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1694/ >. Acesso em:17 out. 2016.
No mesmo ano encontra-se a afirmação de que o Instituto fora criado com a finalidade de oferecer
“educação intellectual, moral e religiosa aos surdos-mudos de ambos os sexos que se achassem nas condições de recebel-a” (BRASIL, 1868BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Jose Joaquim Fernandes Torres). Relatorio do anno de 1867 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 13ª Legislatura. (Publicado em 1868). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1694/ >. Acesso em:17 out.
2016. Assim como já citado, também no Relatório Ministerial de 1867 ressalta-se a importância do oferecimento de uma educação profissional aos alunos. No mesmo ano, com o Decreto 4.046 de 19 de dezembro de 1867, estabeleceu-se um Regulamento provisório para o Instituto (BRASIL, 1868BRASIL. Ministerio do Imperio.
Ministro (Jose Joaquim Fernandes Torres). Relatorio do anno de 1867 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 13ª Legislatura. (Publicado em 1868). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1694/ >. Acesso em:17 out. 2016. Apesar de ter sido criado para atender às necessidades educacionais dos surdos, e de haver um Regulamento que estabelecia diversas disposições acerca de uma proposta pedagógica, uma inspeção feita no Instituto, no ano de 1868, demonstrou que este servia muito mais como um abrigo para seus frequentadores do que como uma instituição de ensino (ROCHA, 2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.). Considerações quanto à natureza do “ensino” que se oferecia aos surdos permearam as discussões sobre a educação desse alunado. Segundo Soares (1999SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação do surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados; Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1999.), o trabalho com surdos sempre foi marcado pelo caráter assistencial e médico, ficando o ensino relegado a segundo plano. As primeiras iniciativas de educação vieram de médicos, que buscavam tratamentos para a surdez, e/ou estavam ligadas à caridade, eram “frutos da benevolência” (SOARES, 1999SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação do surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados; Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1999., p. 108) do homem - a motivação religiosa é bastante presente quando se fala em caridade. Esse caráter inicial parece ter sido mantido ao longo dos anos. Segundo Rocha (2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007.), tendo em vista o não atendimento de uma proposta educacional constatada pela inspeção, o Dr. Tobias Rabello Leite assumiu a direção do Instituto após a exoneração do Dr. Manoel de Magalhães Couto, em 1868, ficando cerca de vinte e oito anos nesse cargo. Acompanhou, durante sua gestão, a mudança de regime político no Brasil (Império para República). Logo no início da gestão, o Dr. Tobias Rabello Leite constatou a ineficiência do ensino que era oferecido no Instituto ao afirmar, no Relatório do Diretor do ano de 1868, que os alunos que estavam há pouco tempo no estabelecimento possuíam o mesmo grau de instrução daqueles que estavam estabelecidos há alguns anos (BRASIL, 1869), ou seja, não havia uma aprendizagem significativa daqueles que tinham acesso à educação no Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Nesse Relatório, o diretor afirmava que não havia dificuldades para a educação dos surdos-mudos6 6 Termo usado à época e que
será utilizado em alguns momentos, quando a necessidade de marcação temporal existir. Atualmente, utiliza-se o termo “surdo” em decorrência dos estudos que encaram a surdez sob a perspectiva da diferença linguística. . O Dr. Tobias Leite pontuava que “a educação do surdo-mudo depende hoje mais da caridade que da sciencia, pois nada mais exige do que a intelligencia, o methodo e a paciencia indispensaveis aos professores dos que ouvem e fallão” (BRASIL,
1869BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Paulino Jose Soares de Souza). Relatorio do anno de 1868 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª sessão da 14ª Legislatura. (Publicado em 1869). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1695/ >. Acesso em:17 out. 2016. Apesar desta afirmação, o Dr. Tobias Leite acreditava no oferecimento de uma educação que ensinasse aos surdos um ofício, de modo que eles pudessem ser (e sentir-se) úteis à sociedade. “Em sua opinião, o objetivo dos Institutos de Surdos não era o de formar homens de letras, mas ensiná-los uma linguagem que os habilitassem a manter relações sociais, tirando-os do isolamento provocado pela surdez” (ROCHA, 2007ROCHA, Solange. O INES e a Educação de Surdos no Brasil. Rio de Janeiro: INES, 2007., p. 40). Para viabilizar essa educação, Tobias Leite enfatizava que era necessário que o surdo tivesse acesso a uma linguagem escrita ou “vocal artificial” (BRASIL, 1869BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Paulino Jose Soares de Souza). Relatorio do anno de 1868 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª sessão da 14ª
Legislatura. (Publicado em 1869). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1695/ >. Acesso em:17 out. 2016. Verificando os relatórios apresentados ao longo da gestão do Dr. Tobias Leite, percebe-se que alguns pontos eram constantemente retomados
pelo autor, dentre eles: a finalidade do Instituto quanto à formação de cidadãos úteis; a utilização do método intuitivo para o ensino; a dificuldade de implantação do ensino profissional, tão necessário para a formação de homens úteis; a importância da linguagem escrita para o ensino dos alunos surdos (BRASIL, 1871BRASIL. Ministério do Império. Ministro (João Alfredo Corrêa de Oliveira). Relatorio do anno de 1870 apresentado á Assemblea Geral Legislativa na 3ª
sessão da 14ª Legislatura. (Publicado em 1871). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1697 >. Acesso em: Acesso em:17 out. 2016. Apesar de discorrer sobre a linguagem escrita, em alguns momentos como a única forma de expressão, no Relatório Imperial do ano de 1870, um trecho dos escritos do diretor, ao descrever o “Estado Sanitário” do Instituto, nos permitiu encontrar mais um indício de circulação da língua de sinais nesse estabelecimento.
Notamos, por meio desse excerto, que, para o ensino, valorizava-se a linguagem escrita, no entanto, podemos inferir que a “linguagem de signaes naturaes” estava presente no cotidiano do Instituto e era a forma de comunicação utilizada pelos alunos do estabelecimento durante as interações sociais. Percebemos que a língua de sinais circulava, embora já tenhamos destacado que ela não era reconhecida e aceita no processo educacional do surdo. No Relatório Ministerial do ano de 1871, encontramos uma mudança de pensamento do diretor Tobias Leite. Anteriormente, ele havia declarado que para educar surdos-mudos bastava ser professor. No entanto, após alguns anos exercendo sua função, ao que tudo indica, passou a pensar de maneira distinta.
A vivência como diretor pode ter feito o Dr. Tobias Leite perceber algumas especificidades de seu alunado. Retomando aspectos já
apontados pelo diretor, no Relatório Imperial fica explícita a educação que se deveria oferecer ao surdo-mudo: uma educação de caráter “prático e real” (BRASIL, 1872 BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (João Alfredo Corrêa de Oliveira). Relatorio do anno de 1871 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 4ª sessão da 14ª Legislatura. (Publicado em 1872). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1698/ >. Acesso em:17 out.
2016. Em todos os Relatórios estudados percebe-se que a linguagem escrita era enaltecida e havia também menção à linguagem articulada. No entanto, encontramos referência à mimica no Relatório do ano de 1872, na seção chamada Instrucção.
Analisando o excerto,
pode-se inferir que a mimica era a língua de sinais e, mais do que presente nas interações entre os alunos, ela era fonte de estudo dos professores que ali atuavam, pois se afirmava que a mimica poderia ser aprendida por meio das leituras de estampas. Esse fato nos remete às possíveis consultas feitas por professores que atuavam no instituto a materiais com estampas de outras línguas de sinais (possivelmente franceses), já que, naquele tempo, no Brasil não havia recursos de tal
natureza, afinal, o primeiro material de que se tem notícia só seria publicado em 1875 (SOFIATO, 2011SOFIATO, Cássia Geciauskas Sofiato. Do desenho à litografia: a origem da língua brasileira de sinais. 2011. 265f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes - Campinas, SP: [ s.n. ], 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000796432&fd=y >. Acesso em: 15 dez.
2016. No Relatório Ministerial do ano de 1873 constava que “em virtude da autorização conferida no art. 2º da Lei nº 2318 de 25 de agosto do anno findo, foi expedido o Decreto nº 51359 9 Não temos certeza em relação ao número do Decreto, pois a consulta foi realizada em uma
fonte primária mal conservada, que dificultou a nossa leitura. de 15 de outubro, que deu nova e definitiva organização a este Instituto” (BRASIL, 1874BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (João Alfredo Corrêa de Oliveira). Relatório do anno de 1873 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª sessão da 15ª Legislatura. (Publicado em1874). Disponível em: Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1701 . Acesso em:17 out.
2016. Ainda nesse relatório, uma observação feita por Tobias Leite chamou a atenção, pois esse afirmava que no ensino de língua portuguesa seria importante que se preservasse a ordem natural das frases no momento de sua composição. Além disso, salientava que se deveria evitar o uso de figuras para o ensino dos estudantes surdos (BRASIL,
1874BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (João Alfredo Corrêa de Oliveira). Relatório do anno de 1873 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª sessão da 15ª Legislatura. (Publicado em1874). Disponível em: Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1701 . Acesso em:17 out. 2016. Apesar da importância da língua portuguesa para o desenvolvimento do aluno surdo, o Dr. Tobias Leite parece ter aceitado o uso dos sinais pelos surdos do Instituto, já que, além de encontrarmos, nos Relatórios Imperiais, indícios de circulação dessa língua no referido estabelecimento, no ano de 1875 foi publicada a Iconographia dos signaes dos surdos-mudos, importante obra para o estudo em questão. Segundo Tobias Leite, a publicação da Iconografia teve dois fins específicos:
Diversos pontos podem ser analisados a partir desse excerto. O primeiro é que o Dr. Tobias Leite reconheceu a “linguagem dos signaes” (GAMAGAMA, Flausino José da. Iconographia dos signaes dos surdos-mudos. Rio de Janeiro: Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1875. (Série Histórica do Instituto Nacional de Educação de Surdos; 1. Rio de Janeiro: INES, 2011)., p. 12) como meio predileto de comunicação dos surdos, ou seja, inferimos que, além de estar presente no Instituto, a comunicação dos surdos por meio da língua de sinais era a mais efetiva e a predileta, porque era natural. Outro ponto é que se o dicionário foi publicado com o intuito de vulgarizar/divulgar a “linguagem dos signaes” (GAMAGAMA, Flausino José da. Iconographia dos signaes dos surdos-mudos. Rio de Janeiro: Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1875. (Série Histórica do Instituto Nacional de Educação de Surdos; 1. Rio de Janeiro: INES, 2011)., p. 12), os sinais não eram proibidos naquele estabelecimento de ensino, mas também não eram “reconhecidos” no processo educacional do surdo, tendo em vista que não faziam parte do currículo. Finalmente,
por meio da publicação da referida obra, percebemos que havia uma preocupação com a divulgação do léxico da língua de sinais. Embora não tenhamos aqui um indício mais preciso de circulação dessa língua na época do Império, temos uma possível evidência de sua importância e a necessidade de seu registro. Sofiato (2011SOFIATO, Cássia Geciauskas Sofiato. Do desenho à litografia: a origem da língua brasileira de sinais. 2011. 265f. Tese (Doutorado) - Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Artes - Campinas, SP: [ s.n. ], 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000796432&fd=y >. Acesso em: 15 dez. 2016. Além dos pontos destacados anteriormente, que nos fazem refletir sobre a publicação da Iconografia dos signaes dos surdos-mudos, Sofiato faz uma ressalva a respeito do aluno e repetidor Flausino da Gama que, apesar de ter reproduzido uma obra já existente, deve ser reconhecido como “um surdo
que teve importante papel na propagação da língua brasileira de sinais, com a primeira tentativa de registro há cento e trinta e seis anos atrás” (SOFIATO, 2011SOFIATO, Cássia Geciauskas Sofiato. Do desenho à litografia: a origem da língua brasileira de sinais. 2011. 265f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes - Campinas, SP: [ s.n. ], 2011. Disponível em: <Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000796432&fd=y >. Acesso em: 15 dez. 2016. Ao estudar os Relatórios Imperiais de 1876, 1877, 1878 e 1879, deparamo-nos com fatos marcantes, que não tratavam especificamente do uso da língua de sinais pelos alunos do Instituto, mas que tiveram relação com a educação de surdos. Elencamos os acontecimentos mais relevantes deste período sem, no entanto, explorar detalhadamente cada um deles. Constatou-se no ano de 1876: o aumento significativo do número de alunos do Instituto, a mudança do prédio para a Rua das Laranjeiras, a necessidade de ampliar o tempo de curso no Instituto para melhoria do
ensino, a dificuldade em encontrar um professor para a cadeira de linguagem articulada e, em relação ao ensino profissional, o funcionamento de duas oficinas (de sapateiro e de encadernador), além do incentivo aos trabalhos agrícolas que os alunos desempenhavam durante as manhãs (BRASIL, 1877BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (José Bento da Cunha e Figueiredo). Relatório do anno de 1876 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª sessão da 16ª
Legislatura. (Publicado em1877). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1742/ >. Acesso em:17 out. 2016. O ano de 1877, além da exoneração do repetidor Flausino da Gama, justificada por motivo de enlouquecimento, foi marcado: pela ênfase no direito constitucional do surdo à instrução, pela luta pelo provento da cadeira de 5º e 6º
anos que permanecia vaga, pela finalidade da educação prática (foram sugeridas novas oficinas). Além disso, permanecia vaga a cadeira de linguagem articulada (BRASIL, 1878BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Carlos Leoncio de Carvalho). Relatorio do anno de 1877 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. (Publicado em1878). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1744/ >. Acesso em:17 out.
2016. Já no ano de 1878 houve uma expressiva discussão acerca da instrução. Dentre os temas discutidos tem-se: os saberes que um aluno do 5º ano de instrução deveria ter adquirido; o tempo de aprendizagem do surdo variando de acordo com “as intelligencias, os methodos, e o zelo dos professores” (BRASIL, 1879BRASIL.
Ministerio do Imperio. Ministro (Carlos Leoncio de Carvalho). Relatorio do anno de 1878 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 17ª Legislatura. (Publicado em1879). Disponível em:<Disponível em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1745/ >. Acesso em:17 out. 2016. Por fim, no ano de 1879 ganhou força a luta pelo reconhecimento da eficiência da instrução dos surdos-mudos mediante a sociedade. Para a garantia de uma instrução com status de “perfeição”, o Dr. Tobias Leite defendia ainda a presença dos repetidores e
a ocupação das cadeiras de 5º e 6º anos e de linguagem articulada (BRASIL, 1880BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello). Relatorio do anno de 1879 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª sessão da 17ª Legislatura. (Publicado em1880). Disponível em:<Disponível em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1746 >. Acesso em:17 out.
2016. O Brasil, assim como outros países, também sofreu o impacto do Congresso de Milão e, no Relatório Imperial de 1881, novamente destacaram-se as disciplinas oferecidas no estabelecimento supracitado. Eram elas: “lingua portuguesa, por meio da escripta, arithmetica, em suas aplicações communs, e noções geraes de geographia e historia do Brazil” (BRASIL, 1882aBRASIL.
Ministerio do Imperio. Ministro (Manoel Pinto de Souza Dantas). Relatorio do anno de 1881 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª sessão da 18ª Legislatura. (Publicado em 1882a). Disponível em:<Disponível em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1747 >. Acesso em:17 out. 2016. Nesse Relatório também foi aprovado um novo Regimento Interno para o Instituto dos surdos-mudos. Nele estavam dispostas considerações sobre os cargos e as funções, sobre o serviço sanitário do estabelecimento, sobre os regimes disciplinar e econômico,
entre outras disposições (BRASIL, 1882aBRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Manoel Pinto de Souza Dantas). Relatorio do anno de 1881 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª sessão da 18ª Legislatura. (Publicado em 1882a). Disponível em:<Disponível em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1747 >. Acesso em:17 out. 2016.
O tema da surdez
estava alocado na seção do serviço sanitário, mesma seção responsável por cuidar de relatórios de enfermaria, dos alunos doentes, das atribuições do médico e do roupeiro (quando ele realizava a função de enfermeiro). Isso denota a concepção de surdez à época. Ainda no ano de 1881, afirmava-se que o governo aproveitou a ida do Dr. Joaquim José de Menezes Vieira à Europa para que ele estudasse os métodos de ensino de linguagem articulada utilizados nos países europeus (BRASIL,
1882bBRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Rodolpho Epiphanio de Souza Dantas). Relatorio do anno de 1881 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 18ª Legislatura. (Publicado em 1882b). Disponível em: <Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1748/ >. Acesso em:17 out. 2016. No ano de 1882, o Dr. Menezes
Vieira retornou ao Brasil e assumiu a cadeira de linguagem articulada no Instituto. Segundo o Relatório do ano de 1882 (BRASIL, 1883BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Pedro Leão Velloso). Relatorio do anno de 1882 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª sessão da 18ª Legislatura. (Publicado em1883). Disponível em:Disponível em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1749/ . Acesso em:17 out.
2016. Refletindo sobre essa atitude do diretor, ficamos com algumas inquietações. Qual era o objetivo da separação dos alunos que frequentavam a aula de linguagem articulada daqueles que não a frequentavam? A língua de sinais permeava o Instituto e, por isso, não poderia haver contato entre os estudantes? O Dr. Tobias Leite entendia, assim como diversos contemporâneos seus10 10 Os defensores do método oral tinham como justificativa para a proibição dos sinais a concepção de que “tal prática atrapalharia o aprendizado da língua na modalidade oral” (SÁ, 1999, p. 76). , que os sinais atrapalhariam o desenvolvimento da linguagem articulada? Essas indagações também nos levaram a pensar que tipo de concepção estava norteando as decisões tomadas pelo diretor. A tensão entre o método oral e uso da língua de sinais estava presente também no Instituto dos Surdos-mudos do Brasil. Em pesquisa no acervo da Biblioteca Nacional, sediada no Rio de Janeiro, encontramos uma carta do Dr. Tobias Leite ao Imperador tratando da educação dos surdos-mudos. Nesse documento encontra-se também a carta que o diretor recebeu de Lopes Netto, contando sobre a instrução dos surdos-mudos em Washington. Essas cartas datam do ano de 1883. O Dr. Tobias Leite justificou a busca de conhecimento nos Estados Unidos devido à tradição científica que eles tinham em relação ao público surdo. O Dr. Tobias Leite elaborou alguns quesitos (questionamentos) que foram respondidos por Lopes Netto. A preocupação com o melhor método para o ensino dos surdos-mudos estava presente em toda a carta. Ao perguntar sobre o uso da palavra articulada e da palavra escrita, recebeu como resposta que todos os métodos poderiam ser usados para ensinar os surdos-mudos e que se deveria escolher o mais apropriado. Lopes Netto afirmou que alguns estabelecimentos optaram por utilizar um método misto, com uso de palavra escrita e articulada, e que alguns alunos utilizavam até mesmo os sinais pantomímicos (LEITE, 1883LEITE, Tobias Rabello. Carta a [D. Pedro II] tratando da educação de surdos-mudos e remetendo carta de Lopes Netto que versa os estudos sobre este assunto realizados por Gallaudet. Rio de Janeiro: [s.n.], 02/04/1883. (Acervo da Biblioteca Nacional).). Leite (1883LEITE, Tobias Rabello. Carta a [D. Pedro II] tratando da educação de surdos-mudos e remetendo carta de Lopes Netto que versa os estudos sobre este assunto realizados por Gallaudet. Rio de Janeiro: [s.n.], 02/04/1883. (Acervo da Biblioteca Nacional).) perguntou sobre a utilização e/ou proibição do uso de sinais na educação de surdos. As respostas obtidas apontavam para um melhor desenvolvimento dos alunos que utilizam os sinais junto com as palavras. Com esses exemplos encontrados em uma documentação manuscrita, percebe-se que a língua de sinais fazia parte da comunicação e até mesmo do currículo oculto da educação que se oferecia aos surdos no Instituto de Surdos-Mudos do Brasil, como também de outros colégios e instituições de surdos pelo mundo, mesmo após o Congresso de Milão. Ao perguntar diversas vezes sobre o uso dos sinais, o Dr. Tobias Leite leva-nos a pensar que a recorrência e a influência deles na educação dos surdos-mudos era bastante expressiva. E, pela publicação da Iconographia dos signaes dos surdos-mudos durante a sua gestão, infere-se que ele possivelmente acreditava no uso da língua de sinais para a comunicação efetiva com os surdos. No ano de 1886, ainda na gestão do Dr. Tobias Leite e em um contexto pós Congresso de Milão, o Dr. Joaquim José de Menezes Vieira ofereceu ao instituto 25 exemplares de sua obra didática A imagem e a palavra (BRASIL, 1887BRASIL. Ministerio do Imperio. Ministro (Ambrosio Leitão da Cunha). Relatorio do anno de 1886 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª sessão da 20ª Legislatura.
(Publicado em 1887). Disponível em:<Disponível em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1372/ >. Acesso em:17 out. 2016.
Os debates acerca do método a ser utilizado para a instrução dos surdos sempre estiveram presentes, ilustraram-se com as diferenças de pensamento do francês abade Charles Michel L´Épée e do alemão Samuel Heinicke desde o século XVIII, e que se estenderam aos séculos subsequentes. O Imperial Instituto de Surdos-mudos não ficou alheio a isso e teve sua atuação influenciada pelo cenário internacional. Até o ano de 1889, fim do período Imperial, não houve nenhum outro fato determinante que alterasse os rumos do encaminhamento pedagógico da educação de surdos. Entretanto, sabe-se que o fortalecimento da abordagem oralista se deu a partir do advento da República e se expandiu nos anos subsequentes no Instituto. Em que pese a força da abordagem oralista na educação de surdos enquanto uma tendência mundial e, consequentemente nacional, observa-se que a língua de sinais continuou presente na vida escolar dos surdos de forma marginal, mesmo com toda a força opressiva para a sua descontinuação. CONSIDERAÇÕES FINAISA investigação realizada objetivou apresentar o desenvolvimento da educação de surdos, ao longo da segunda metade do século XIX no Brasil, e os indícios da presença da língua de sinais nos processos pedagógicos e no cotidiano do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Apesar da dificuldade relacionada à busca das fontes e refinamento dos conteúdos encontrados, logrou-se construir uma narrativa para elucidar como a língua de sinais perpassava o processo educativo do surdo brasileiro no século XIX. Por meio do estudo realizado, verificamos a importância que a língua portuguesa, na sua modalidade oral e escrita, teve para o desenvolvimento dos alunos surdos, demonstrada no currículo prescrito do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos e predominando como única língua a ser trabalhada, apesar da inserção de outras línguas (estrangeiras) nos currículos escolares de outras escolas no Império, no caso, escolas para ouvintes. Não obstante, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos procurava seguir os princípios da educação geral, propostos em Leis do Império. Em que pese o fato de o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos ter assentado o seu trabalho pedagógico numa base oralista, antes e depois do Congresso de Milão, percebemos que ocorria a circulação da língua de sinais, mesmo não abarcando o status de língua e com todas as contraindicações a respeito de seu uso. Tal língua, ao que tudo indica, estava presente nas relações sociais entre os alunos, professores e funcionários do Instituto, nas práticas pedagógicas, nos materiais didáticos, e a importância de sua divulgação foi comprovada por meio da publicação da Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos, de Flausino da Gama, em 1875GAMA, Flausino José da. Iconographia dos signaes dos surdos-mudos. Rio de Janeiro: Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1875. (Série Histórica do Instituto Nacional de Educação de Surdos; 1. Rio de Janeiro: INES, 2011).. Além disso, a publicação de tal obra foi um importante marco para a constituição de uma língua de sinais nacional e para a sua difusão, apesar de ter sido espelhada na obra de 1856, de Pierre Pélissier, surdo francês. Embora a língua portuguesa fosse considerada a língua a ser ensinada para o surdo brasileiro no contexto escolar, o estudo também mostrou as inquietações do diretor Dr. Tobias Rabello Leite quanto a escolha dos melhores métodos a serem utilizados, questionando até a pertinência do uso da língua de sinais, juntamente com a linguagem escrita. Faz-se mister lembrar que o método intuitivo era utilizado também na educação de surdos, seguindo uma tendência nacional, mas o seu desenvolvimento, nesse caso específico, ainda necessita ser mais bem precisado. Diante do delineamento acerca da língua de sinais no século XIX, no Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, podemos inferir que, mesmo utilizada de maneira informal e sem o status de língua que possui hoje, esteve presente quando as bases da educação de surdos estavam sendo constituídas no Brasil, apesar do fatídico desfecho do Congresso de Milão, em 1880. Tal afirmação se legitima quando observamos a sua utilização da primeira década do século XX em diante no Instituto, de forma peculiar, mas contundente, como mais uma estratégia para se chegar ao objetivo maior: o de fazer o surdo falar! REFERÊNCIAS
Quando foi criado o Instituto dos surdos?Após ser inaugurado em 1º de janeiro de 1856 como instituição de caráter privado, teve como data considerada de sua fundação 26 de setembro do mesmo ano, dia de promulgação da lei n. 939, por ter esta concedido subvenção anual e pensões aos alunos surdos pobres. (BRASIL, 1857, p.
Qual foi a primeira instituição de Educação de surdos?O início da história de educação de surdos no Brasil aconteceu em 1857, com a fundação da primeira instituição federal de ensino para surdos - o Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES. Essa escola é uma referência na educação de surdos até os dias atuais.
Onde foi fundada a primeira escola para surdos do mundo?A primeira escola para surdos, se iniciou em Paris na França, foi uma carta que desencadeou este processo e deu início a este grande marco na educação de surdos. Um dos controladores gerais na França, em 1764, dirigiu aos intendentes o seguinte conselho: [...]
Quando foi criado o Inês Instituto Nacional de Educação de Surdos primeira escola de surdo do Brasil no Rio de Janeiro?A instituição, atualmente vinculada ao MEC, foi fundada no Rio de Janeiro em 26 de setembro de 1857 e é considerada um centro de referência nacional na área da surdez.
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