Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia

O contexto atual tem sido marcado por retrocessos nas políticas públicas voltadas ao setor educacional, cultural e patrimonial, por manifestações reacionárias frente aos debates sobre identidades de gênero e diversidade sexual e pelo escancaramento do racismo que caracteriza, historicamente, a sociedade brasileira e tantas outras. Tal conjuntura traz, portanto, desafios específicos para pesquisadoras/es e profissionais do campo da Arqueologia e do Patrimônio. Não por acaso, exemplos mundo afora têm evidenciado tensões e descontentamentos vinculados a essas áreas. Insurgências contra monumentos masculinistas e que representam figuras responsáveis pela colonização e escravização de povos indígenas e africanos têm provocado debates acerca da retirada dos mesmos, evidenciando a luta pelo patrimônio e pelo direito à memória.

Este número da Revista de Arqueologia Pública reúne reflexões que, de diferentes formas, demonstram o papel da crítica feminista e dos debates em torno da historicidade das identidades de gênero no campo da Arqueologia, do patrimônio cultural e da memória, bem como refletem a multiplicação de abordagens, inspiradas sobretudo pelas discussões feitas por feministas negras, lésbicas e trans, em diálogo com os marxismos, os estudos culturais, pós-coloniais e decoloniais. Em decorrência disso, variáveis como raça, classe, sexualidade, geração, dentre outras, aparecem como eixos incontornáveis, analisados de forma interseccional ao gênero. Leia Mais

FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010, 125p. ALMEIDA, Fábio Py Murta de. Varia História. Belo Horizonte, v. 28, no. 47, Jan./ Jun. 2012.

O livro Arqueologia, do professor doutor Pedro Paulo Funari, livre docente de História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é uma composição ímpar, indicado especialmente aos cursos introdutórios de História, Arqueologia e de História da Literatura do Antigo Oriente Próximo. Seu texto tem forma agradável e objetiva; mérito do autor, fruto dos anos de atividade profissional e dedicação ao estudo arqueológico. Assim, pela larga experiência na temática, Pedro Funari busca objetivamente apresentar a Arqueologia tendo em vista o ramo da história cultural, isso com uma linguagem fácil e direta; aponta logo no início da obra que a arqueologia não se compreende apenas pelas descobertas das figuras e das imagens, mas institui-se num campo muito reflexivo, envolvendo tanto a leitura, quanto a prática nos sítios arqueológicos.

Olhando mais detidamente sua obra, Pedro Funari começa informando basicamente o “estado da questão” da ciência arqueológica, definindo seu objeto de estudo e a evolução do pensamento. Para ele, a arqueologia consiste nos conhecimentos dos primórdios, dos relatos das coisas antigas. Só mais recentemente, por conta do campo de atuação e de envolvimento (diálogo) com ciências sociais, é que a arqueologia vem se traçando de forma interdisciplinar. Com ela, não se visa revelar apenas o sentido das coisas e dos artefatos desenterrados, mas configurar que os “ecofatos e biofatos são vestígios do meio ambiente e restos dos animais que passaram sobre apropriação do ser humano”, o que retira a limitação do estudo arqueológico apenas ao passado, mas, também, liga-o ao presente, como o é na arqueologia industrial. Mesmo assim, pensando especificamente na idealização do passado, indica-se que esse pensamento é metodologicamente pautado nas etapas arqueológicas, sempre olhando dados e artefatos. Materiais entre os quais podem ser vistos indicativos das relações sociais que foram produzidos, uma vez que atuam como mediadores das atividades humanas, determinando estereótipos e comportamentos de uma sociedade. Para a atividade é fundamental entender que a partir da “reintegração dos artefatos a um contexto cultural como o nosso e em um invólucro da relação de poder que o artefato produz, o mesmo adquire importância crucial”, portanto, o arqueólogo tem que inserir tais objetos no interior das relações sociais em que foram produzidos, fazendo-os exercer novas funções de mediações. Portanto, é dentro da cultura,1 como desenvolvimento e criação humana, que o objeto transforma-se em artefato, recebendo uma formulação junto à humanidade.

Outro nicho de saberes destacado pelo autor são as formas de pesquisa na arqueologia: indicando um “complexo de técnicas utilizadas pelo arqueólogo, formulações não neutras, que se inserem num complexo de questões metodológicas que derivam das políticas do arqueólogo”. Técnicas, por exemplo, como o desenterramento e a escavação estratificada. Elas teriam evoluído ao longo do tempo dividindo-se em três importantes fases: a primeira, a preocupação com a superposição de níveis de ocupação e com datação relativa aos artefatos; a segunda, com o estudo e registro dos estratos; e a terceira, com a escavação de amplas superfícies, preocupada com o estudo do funcionamento da sociedade que ali viveu. Infelizmente, no Brasil, inicialmente, houve uma “desvalorização do contexto histórico devido às grandes importações de técnicas e ideologias (no caso, arqueológicas), advindas da Europa, ou seja, a valorização de um passado externo ocasionou a desvalorização da memória nativa (indígena)”. Ainda sim, apesar do desenvolvimento exemplar que a arqueologia vem tendo no Brasil, ela está longe de ser valorizada. Percebe-se que recentemente está ocorrendo uma grande reviravolta na pesquisa brasileira e internacional, trazendo um diálogo entre a arqueologia brasileira e a mundial, o que dinamiza o estudo nacional. No detalhe da relação entre a arqueologia e as outras áreas do conhecimento, Pedro Funari mostra que essa ciência não pode ser desarticulada das outras disciplinas. Deve estar relacionada com as demais ciências (como a história, a antropologia, a biologia, a geografia, a física, a arte, a arquitetura, a filosofia, a linguística e a museologia), pois elas são e foram fundamentais para sua evolução, como já indicamos.

No fim, a obra Pedro Funari faz uma explanação e um convite ao aprendizado arqueológico no Brasil. Indica, antes de qualquer coisa, que o arqueólogo deve ter o compromisso com a burocracia regional e responsabilidade social. Também, aponta que deve haver respeito para com a sociedade no todo, desde grupos majoritários até os minoritários. Para ele, a arqueologia é uma ação política2 que, por isso, tem algumas dificuldades de inserção no Brasil, até mesmo por que, como profissão, tem um difícil reconhecimento por não haver uma graduação específica na área. Mesmo assim, existe pós-graduação nessa área de atividade profissional, e pode-se atuar como professor, pois em museus, laboratórios, arqueologia (setor burocrático) de contrato, como maneira de proteger o patrimônio arqueológico, e na gestão turística do patrimônio arqueológico brasileiro. Enfim, algumas áreas podem servir como convite ao estudo e trabalho arqueológico. Merece destaque a gama de projetos e novos horizontes arqueológicos, pois nosso território é um vasto campo de pesquisa sobre as comunidades que aqui habitaram no passado.

Por fim, com vasto conhecimento acerca da ciência arqueológica, não só no Brasil, mas também, em outros países em que realiza suas pesquisas, Pedro Paulo Funari expõe de maneira singular, sucinta e principalmente realista uma ampla visão acerca da arqueologia e do seu desenvolvimento ao longo dos últimos séculos. Sobre a abordagem dos conceitos e objetos de estudos, o livro Arqueologia pode ser encarado como um belo convite ao seu estudo como disciplina acadêmica. Caso os leitores queiram aprofundar os apontamentos apresentados pelo autor, vale a pena à consulta de obras, como, por exemplo, a História do pensamento arqueológico de Bruce G. Trigger3 e algumas obras da vasta bibliografia do professor Pedro Funari.4 Ao fim da resenha, destacamos a admiração pelo esforço do autor que, mesmo em um texto relativamente pequeno, consegue ter riqueza de detalhes e não deixa de enaltecer as questões histórico-metodológicas da disciplina. Por isso, pensamos que cumpriu o objetivo de explorar de forma suscita questões que vem levantado a arqueologia nos últimos anos, bem como exauriu o intento de introduzir suas questões de forma geral. Assim, em termos de historiografia, o autor faz uma aproximação da disciplina de arqueologia junto a um ramo da história, a luz dos termos e conceitos reconhecidos na história cultural. Propriamente, aproxima a variante da nova história cultural, principalmente a estilizada por Roger Chartier, com as questões que vêm levantado os embates da cultura material escavada como as: representações, poder e práticas culturais – ajudando no diálogo história e arqueologia sobre o prisma do conceito simbólico de cultura de Clifford Geertz e de Marshall Sahlins.5 Agora, pensando mais longe, é urgente que as editoras se preocupem em produzir livros desse tipo, sendo relevantes ao nicho dos alunos e aos cursos introdutórios de nível superior. Assim, fica aqui o apelo para a produção de livros e materiais que sejam sucintos e que possam da melhor forma introduzir o estudo dos discentes às cadeiras acadêmico-científicas.

1 A noção de cultura utilizada pelo autor é ligada á história cultural, vista em FUNARI, Pedro Paulo A. e PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. Quando Pedro Funari utiliza da contribuição decisiva de Roger Chartier, autor que aponta a história cultural relacionada com a “noção de ‘representação’ e de ‘práticas’ (…) tanto os objetos culturais seriam produzidos ‘entre as práticas e representações’, como os sujeitos produtores e receptores da cultura circulariam entre esses dois pólos, que de certo modo corresponderiam respectivamente aos ‘modos de fazer’ e aos ‘modos de ver'”, como cita BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. Petrópolis: Vozes, 2004, p.76.
2 Sobre ação política e seu destaque dentro da história política, vide a descrição de Marieta de Moraes Ferreira quando comenta a obra de René Rémond: “Nova História Política (…) ao se ocupar do estudo e da participação na vida política (…) integra todos os atores, mesmo os mais modestos, perdendo assim o caráter elitista e individualista e elegendo as massas como seu objeto central”, RÉMOND, René. Por uma história política.Rio de Janeiro: FGV, 2003, p.7. Assim, a ação política permeia o respeito aos atores sociais de diferentes grupos ligados as redes de poder que constituem a sociedade.
3 TRIGGER, Bruce G., História do pensamento arqueológico. Tradução de Ordep Trindade Serra. São Paulo: Odysses Editora, 2004.
4 Citamos aqui, por exemplo, as duas obras: FUNARI, Pedro Paulo A. Arqueologia e patrimônio, Erechim: Habilis, 2007; e FUNARI, Pedro Paulo A. (org.). Cultura material e arqueologia histórica. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1999.
5 Assim para Clifford Geertz e Marshall Sahlins o conceito de cultura pode ser definido como um conjunto de sistemas de signos e significados constituídos pelos grupos sociais. Portanto, para interpretar as culturas, no caso do antropólogo Clifford Geertz significa interpretar: símbolos, mitos, ritos. Agora, partindo de Clifford Geertz, Marshall Sahlins defende que os grupos de uma cultura também “representam” suas interpretações do passado no presente. Vide para isso, GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978; e SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

Fábio Py Murta de Almeida – Historiador e mestre em Ciências da Religião pela UMESP. Professor de História da Faculdade Batista do Rio de Janeiro (FABAT) e pesquisador do grupo de Arqueologia do Mundo Bíblico ligado a UMESP Faculdade Batista do Rio de Janeiro. Rua Jose Higino 416, Tijuca, Rio de Janeiro. CEP: 20510-412. [email protected].

BUDAR, Lourdes; VENTER, Marciel L.; GUEVARA, Sara Ladrón. Arqueología de la costa del Golfo: Dinámicas de la Interacción Política, Económica e Ideológica. Facultad de Antropología/Universidad Veracruzana. Administración Portuaria Integral de Veracruz, 2017. Resenha de: LARA, Pedro Jimenez. Clio Arqueológica, Recife, v.35, n.1, p.228-233, 2020.

Arqueología de la Costa del Golfo – Dinámicas de la Interacción Política, Económica e Ideológica, publicado por la Universidad Veracruzana y coordinado por la Dra. Lourdes Budar Et. Al pone en relieve desde una perspectiva distinta al área conocida como la Costa del Golfo una de las 9 componentes de la macro región conocida como Mesoamerica. En este volumen participan diversos investigadores que presentan avances de sus pesquisas en esta área conocida como La Costa del Golfo. En ella quedan vertidas sus posturas y visiones ante esta rica y diversa región mesoamericana abarcando aspectos que les permitieron una aproximación a los grupos que aquí se desenvolvieron y la forma como interactuaron abarcando aspectos de la vida cotidiana, sociales, económicas, administrativas, religiosos (rituales). Como lograr implantar y forjar aspectos de su desarrollo tanto interna como externamente.

En esta obra quedan plasmadas diversas miradas y postura de los que escriben los resultados de sus investigaciones del crisol cultural que representa la Costa del Golfo de México. Otros de los aspectos a resaltar es que aquí se presentan temas desconocidos de algunas de las tres regiones geográficas, norte, centro y sur, que integran esta área cultural. Se enfatiza el centro-sur.

Aparte de la nueva información vertida en muchos de los artículos publicados en esta edición llamada Arqueología de la Costa del Golfo – Dinámicas de la Interacción Política, Económica e Ideológica corresponden al Clásico sin olvidar los antecedentes y datos posteriores, continuidades y discontinuidades en algunas de las regiones estudiadas.

Abordar el paisaje como parte de la dinámica establecida en los diversos grupos que se desarrollaron en esta región fue otro de los retos, muchas veces los sitios se ven de forma aislada cuando no fue así, tuvieron ejes articuladores que fueron más allá de ser simples ocupaciones incomunicadas y tomar como referente el paisaje fue y es importantísimo para el establecimiento y que ha sido la pauta para entender las dinámicas de los diversos asentamiento que aquí se establecieron y desarrollaron. El espacio geográfico fue vital para estos grupos y lo sigue siendo para el desarrollo de la humanidad.

Es claro que los resultados presentados en esta publicación se demuestra que hay una articulación contemporánea de sitio a sitio según la fase en que se desarrollaron, hablando cronológicamente. Si bien en la composición y tamaño de cada asentamiento hay variaciones eso no impidió su relacionamiento a veces por el comercio o el simple conocimiento entre ellos, las ideas viajaron y quedaron plasmada ideológica y materialmente Otro de los hilos conductores es la arquitectura sus diferentes objetivos para las cuales surgieron y el lugar que ocuparon algunos edificios según su estructuración, van de estructuras dedicadas a lo sagrado, orientaciones especificas a los más común y espacialmente más grandes que son las áreas habitacionales. Poco se sabe del habitad, pocos investigadores se han interesado por estudiar estos espacios y muchos los sitios que se han registrado y que siguen apareciendo en su forma típica mesoamericana o algunos ya destruidos y solo se evidencian los cimientos de los mismo. Sumados todos estos elementos los articulista de Arqueología de la Costa del Golfo – Dinámicas de la Interacción Política, Económica e Ideológica nos muestras la configuraciones y articulaciones que tuvieron estos asentamientos durante el periodo Prehispánico. El intento de mostrar la integralidad de estas regiones con una visión más amplia y aguda otra forma de mostrar la nueva arqueología que se practica en esta región y mesoamericana.

Algunos de estos arqueólogos abordan los temas en cuestión de forma simple, dejando de lado las formalidades que impone lo académico, el marcaje de las diversas corrientes teórico metodológicas. Es decir la reseña, en algunos casos es de manera más simple y sencilla. Haciendo las descripciones tal cual de la estructuración de los sitios, si bien hay hilos conductores, razón de más para ver como las formas que guardaron entre si los asentamientos y como las ideas viajaron y quedaron plasmadas como parte de los diversos componentes de estos.

Así como hay patrones en los diversos componentes de los sitios estudiados, donde se determina la función de la constucción de acuerdo a su ubicación y los materiales de construcción utilizados, haciendo la diferenciación entre área nuclear y periferia, es decir, estructuras que cumplieron un rol en la parte central o nuclear, también están áreas habitacionales como parte integral del asentamiento. Aquí el fenómeno se torna más interesantes y profundo cuando se logran determinar actividades específicas.

Plenamente identificados los hilos conductores que hace afín esta área con otras mesoamericana, uno de ellos son las conflictos sociales y rituales plenamente identificados con la muerte y asociados a costumbre violentas como sería el sacrifico humano, el caso del Juego de Pelota por decapitación o abrir el pecho para arrancar el corazón del sacrificado en una acción de saciar la sed de sangre de los dioses. El espacio sagrado queda estructurado con dos construcciones con dos o un cabezal, según la tipología de “I” o “T”. Las representaciones quedan plasmada de diversa formas en tableros, pintura mural, esculturas, cerámica y figurillas.

Asociados a lo anterior existió la tradición de los entierros o ritos funerarios fue una práctica muy recurrente en los grupos mesoamericanos indistintamente de la fase o  cronológico. La forma de entierro dependió del status socio económico. Así queda manifestado por algunos de los arqueólogos que participan como articulista de este volumen Arqueología de la Costa del Golfo – Dinámicas de la Interacción Política, Económica e Ideológica.

Tratándose de la Arqueología de la Costa del Golfo – Dinámicas de la Interacción Política, Económica e Ideológica, según la división cultural y no política es incuestionable no hablar de la Huasteca esta región como un componente de esta área multicultural. Sin restarle importancia a su desarrollo es claro que sabemos poco por el desapego y desinterés de la investigación científica.

Se trata de un grupo con matices distintos pero no desarticulados del contexto cultural mas amplio, hablando regionalmente, un ejemplo seria su particular escultura donde queda de manifiesto el manejo diestro de la piedra.

Las aportaciones y resultados es la radiografía presentada, por cierto muy bien recibida de los Wastecos, el recorrido cronológico y linguistico es meritorio. Sin embargo es necesario atender esta región desde el punto de vista científico y así poder tener una visión más completa y no fragmentada como la que existe.

La extensión territorial, la complejidad del tiempo largo cronológico, los diversos grupos aquí asentados hace más difícil tener una historia más fácil de digerir. Los diversos rasgos existentes no se le pueden endilgar a un solo grupo.

Lo que si queda claro y sin una frontera política asible esta región convivio y se retroalimento con diversos grupos que existieron más al norte y occidente de esta macro región llamada Mesoamerica La novedad es el Puerto Marítimo o los puertos marítimos a algo parecidos identificados como tal en la esta región de la Costa del Golfo. Si bien es cierto la escases de información relacionado con el tema por el poco interés mostrado por investigadores. La existencia de estos Puertos, atracaderos, muelles, existieron gracias al comercio a larga y corta distancia. En este región es novedad sin embargo hay áreas donde hay más información al respecto como la zona maya.

Interesante el planteamiento que se hace que no solo toca a los litorales, también tierra adentro hay grandes cuerpos de agua que sirvieron de vehículo para las actividades cotidianas y el traslado de diversos productos y claro para el comercio.

Pedro Jimenez Lara – Universidad Veracruzana. Facultad de Antropología E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia

Experimental firing of an oven inside a reconstructed building. Çatalhöyük/Turquia. Photo: J. Quinlan. Catalhoyuk.com.

Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia
DOHERTY, Chris. The Clay World of Çatalhöyük. A fine-grained perspective. Oxford: BAR Publishing, 2020. Resenha de: GASPARIC, Zibrat. Documenta Praehistorica, v.42, 2020.

Chris Doherty’s study focuses on the role of clay in the development of Çatalhöyük, the famous and largest Neolithic settlement in the Konya Plain in central Anatolia. The author offers a holistic approach to understand the interrelationship between all clay materials used at the site and the landscape. Çatalhöyük lies on the clay-rich bed of the former Pleistocene Lake Konya, which lacked local sources of stone, and this makes its position interesting as clay plays a dual role here, i.e. as the main landscape component and a raw material for different types of material culture at the site. The book is divided into 10 chapters and is supported with many illustrative figures and tables.

In the first chapter, The clay world of Catalhoyuk, Doherty first introduces the questions regarding the need to study clay in the Neolithic and presents the analysed archaeological site and its regional context.

At Çatalhöyük, the community was clearly familiar with the use of clay from the earliest building levels, and could skilfully exploit clay for a wide variety of domestic and symbolic uses. A lot of the related issues have already been studied in detail, but Doherty attempts to combine this data and answer a series of questions on topics such as: How was clay used at the site? What were the resources and how did these change? What was the nature of the landscape around the site? What was the relationship between the material culture and landscape? Was the site successful due to its clays? The research also is framed by Tim Ingold’s term taskcape, i.e. a socially constricted space defined by related human activities (Ingold T. 1993. The Temporality of the Landscape. World Archaeology 25(2): 152–174), although Doherty proposes a new term and tries to work with a ‘clayscape’, i.e. a clay-oriented taskscape for Çatalhöyük.

In the second chapter, Clay-based material culture studies at Catalhoyuk: a review, the author presents us with a brief review of publications that relate to the four main aspects of living with clay at Çatalhöyük: materials (clay artefacts), the technology of production, the resources available, and the clay-rich landscape of the site. Here, details on artefacts and materials such as mudbricks, plaster, pottery, clay balls, geometric clay objects, stamp seals, and figurines are presented with information and results on studies that focused on these individual types, as well as with a comment on problems that arouse from them. Doherty sees the major problem with these studies in the fact that each of these materials was researched singularly, and the clay material culture was mostly interpreted without any consideration of the raw materials and their distribution in the landscape.

In the third chapter, titled The clay landscape of Catalhoyuk, the author presents the results of landscape studies at the site and focuses mostly on the multi-year KOPAL project and its results (e.g., Roberts N. et al. 1999. Chronology and stratigraphy of Late Quaternary sediments in the Konya Basin, Turkey: Results from the KOPAL Project. Quaternary Science Reviews 18(4–5): 611–630). The project proposed a view of Çatalhöyük and its surrounding that were in stark contrast to Mellaart’s (Mellaart J. 1967. Catal Hoyuk: a Neolithic town in Anatolia. McGraw- Hill) and Cohen’s (Cohen H. R. 1970. The palaeoecology of south central Anatolia at the end of the Pleistocene and the beginning of the Holocene. Anatolian Studies 20: 119–137) visions of the site as centred on a grass steppe. The KOPAL project envisioned an area filled with backswamps and river channels in the Neolithic, and a drier landscape only at the end of the Neolithic, with the nearest area suitable for agriculture more than 10km away from Çatalhöyük. These results prompted Ian Hodder (Hodder I. 2006. The Leopard’s Tale: Revealing the Mysteries of Catalhoyuk. Thames & Hudson. New York), the excavator of the more recent excavations, to suggest that the site was chosen for its availability to clay more than for its agriculture potential.

The KOPAL project results were mostly disproven with archaeobotanical, faunal and other biogenic studies, as well as from clay studies conducted in previous work by Doherty (Doherty C. 2013. Sourcing the Lower Alluvium) to re-interpret Çatalhöyük’s local environment and that of the Southern Konya Plain. The alluvial system proposed by the KOPAL project is inappropriate for this physiographic setting.

An alternative alluvial system is thus proposed which, together with an acknowledgment of changes due to soil formation, presents a truer picture of the landscape context for the Neolithic clay deposits.

Here a view emerges that the landscape around the site was much drier than that proposed by the KOPAL model, and brings the narrative back to the wellwatered grassland setting already proposed by Mellaart and Cohen.

In chapter six, The Holocene alluvium – a clay for all purposes, the Holocene alluvium, i.e. a silty calcareous clay, is explored in more detail. Special focus is put on early mudbricks vs. mudbricks in the later occupation phases. The alluvium was used initially as it was a readily available surface clay, and as such an attractive raw material. After the South M phase these dark alluvial clays were no longer used for mudbricks, and the conflict arising between the continued use of this material and its corresponding fertile soils is seen as the probable cause for the sudden abandonment of dark clay mubricks.

In chapter seven, A common ground: the white marls and lake clays of the Konya Plain, the white marls are explored in more detail. This material was used for the final plaster layers of floors and walls and has already been extensively studied, but the burnt lime plaster technology, an obvious PPNB connection, that was proposed for the earliest layers at Çatalhöyük is questioned here. Doherty presents firm evidence that burnt lime plaster was more labour intensive to produce and complicated to use compared to the readily available white marl (which is strikingly obvious from the comparison of the operational sequences of both processes in Figure 7.5).

Next a micro-textural analysis is presented that proves the use of softlime, found in weathered Neogene limestone outcrops west and southwest of the settlement, was present at Çatalhöyük from the formation of the site onwards. As such, there is no solid archaeological evidence for burnt lime technology at Çatalhöyük.

Additionally, non-white marls are also presented in this section of the book, and these became more important after the South M phase, with the author arguing that the diversity of clays around the site was more important than white marl availability alone, as argued by Hodder (2006).

Çatalhöyük’s Clays. In I. H. Hodder (ed.), Substantive technologies at Catalhoyuk: reports from the 2000–2008 seasons. Cotsen Institute of Archaeology Press: 51–66). These results suggest that Çatalhöyük was located in a landscape with localized wetlands, not in a continuous seasonal wetland with only a few dry areas.

The fourth chapter, Establishing the sequence of clay use, presents the clays identified by the artefact timelines to reconstruct the actual clay deposits that might have been present in Çatalhöyük’s landscape or have been brought from elsewhere. The main observed patterns of clay use include the use of alluvial dark clays in the earliest levels (i.e. Lower Alluvium in the KOPAL stratigraphy) for making mudbricks, and this then changes in the South M phase.

A similar observation can be made for mortars and plasters, clay balls, pottery, and geometric clay objects.

Only figurines were made from whatever clay was available at all occupation layers, while stamp seals show a lack of fabric variations and have a fixed composition.

Doherty also proposes using clay colour as a useful investigative approach as people at Çatalhöyük made full use of this in their material culture. Although colour is systematically recorded in excavation and post-excavation, it has not been interpreted in landscape terms (except in the KOPAL stratigraphy). Clay colour, as argued by Doherty, can provide the essential link between clay material culture, raw materials and landscape that allows clay use to be examined on all levels of engagement.

The author then presents the four fundamental clay groups identified at Neolithic Çatalhöyük, of which the first three are local materials (the dark alluvial clays, the white marls and the local calcareous red clays as a continuous sedimentary sequence, the colluvial clays), but the fourth is of non-local character (non-local non-calcareous red clays) and implies the transport of clays or finished artefacts. As these four groups also have different temporal ranges they provide the most logical framework for exploring life with clay at Çatalhöyük.

The following five chapters deal with these four clay groups and their interpretation in more detail.

Starting with Reinterpreting the Holocene alluvium: challenging Catalhoyuk’s clay foundation (Chapter 5), the author details the first of these four fundamental clay groups, the Holocene dark clays (i.e.

Chapter eight, Colluvium: the rise of new clay, looks at a new clay source recognized at Çatalhöyük, i.e. the colluvium which is an unconsolidated earth material that has been transported down the tell by gravity and accumulates at its base. The composition of the colluvium is a direct reflection of the material brought onsite, as it is a mixture of degraded mudbricks, plaster and mortar. This type of material, as argued by Doherty, was not only the dominant clay for mudbrick building after the South M phase at Çatalhöyük, but also had beneficial effects on the local landscape. The concept of a clay cycle is proposed and explored in more detail, as the dynamic link between clay material culture and landscape was fully developed only with the colluvium phase.

The proposed ‘clay cycle’ explains most of the high volume clay transitions at Neolithic Çatalhöyük.

In the ninth chapter, Arrivals from a distant clayscape, the only non-local clays used at Çatalhöyük are presented. These were used only for a single group of artefacts, specifically the pottery that appeared at South M and which then dominated until the later levels. These clays are the only departure from a full reliance of the Çatalhöyük people on nearby local clays. This change corresponds to the first use of mineral-rich ‘gritty’ clays that were first recorded by Mellaart, but their non-local character was not appreciated until the Hodder excavations.

Doherty presents the pottery forms as well as the full fabric sequence, established after petrographical examination of thin sections. Here convincing results are presented as the mineral inclusions in gritty wares clearly point to the use of non-local noncalcareous raw materials, as these inclusions are not present in the local calcareous clays. However, it is not clear whether clay or readily made pottery was transported to Çatalhöyük.

The final chapter, Conclusions, brings together the main topics discussed in the book as well as all the results which provides a more holistic approach to the clay-based material culture at Çatalhöyük and its place in the context of the local landscape. Even more importantly, Doherty shows how the site’s favoured location on the Konya Plain afforded both raw materials and an environment suitable for early farming, against the view presented by the prevailing KOPAL landscape model. This change to the landscape model will of course have major implications on how all aspects of life at Çatalhöyük are seen, as rightly pointed out by the author.

The factors behind non-local clay use have not been clearly established by this research, as Doherty notes himself, and it is therefore not clear whether pottery made from gritty clays was appreciated because it fitted a new preferred style, or whether technological superiority was a factor – only further work will be able to fully interpret what this variation points to. Nevertheless, Doherty’s book is an interesting multidisciplinary view of clay, clay material culture, and landscape, as well as the different variations that bind them. The book would benefit from some more figures of higher quality, but apart from this it is a well-researched, well-documented, thought-provoking, and inspiring book for any researcher dealing with clay raw materials, pottery, and landscape studies.

Andreja Zibrat Gasparic – Faculty of Arts, University of Ljubljana.

Acessar publicação original

[IF]

As associações interdisciplinares entre os campos historiográficos e antropológicos parecem render grandes contribuições para o entendimento da História, como é possível de se perceber, por exemplo, pela abordagem histórico-cultural da Arqueologia, segundo a apresentação de Bruce Trigger (2004). É, pois, a partir dessa rica relação com a Antropologia que Wachtel, historiador nomeado à Cátedra de História e Antropologia das sociedades meso e sul-americanas do Collège de France em 1992 e grande expoente em seus “estudos marranos”, elabora os capítulos de seu livro2. Sendo dividida em duas grandes partes, separadas em um total de cinco seções, ademais de introdução e conclusão, a obra congrega suas considerações sobre algumas das concepções paradisíacas colocadas sobre a América. Desse modo, em sua Avant-propos, o pesquisador, tratando das principais questões historiográficas da atualidade, situa este livro como parte de suas análises marranas, apoiando-se em uma bibliografia embasada nas discussões sobre os pensamentos ocidentais e sobre a aculturação, bem como em documentos de trabalhos teóricos e de campo, históricos e antropológicos. Portanto, conclui que sua denominação de “Paraíso”, como resposta a eventos traumáticos, surge mais enquanto vocábulo contraditório, ao passo que recupera, pelas comparações paradisíacas, os terrores infernais vivenciados pelo continente americano.

Diante dessas primeiras considerações, o autor dá início à primeira parte de seu texto, denominada “Fables D’Occident”, nela assinalando os impactos do encontro do novo continente sobre o mundo ocidental. Assim sendo, ao inaugurar o primeiro capítulo de sua produção, intitulado “Le paradis en Amérique”, remete à extensa bibliografia dedicada à localização dos paraísos terrestres, um debate renovado com as descobertas de Cristóvão Colombo. Inserindo nesse cenário a obra de Antonio de León Pinelo, erudito e cristão-novo, o percebe alinhado cronologicamente à narrativa barroca, atribuindo a suas observações sobre o continente americano os preceitos e reafirmações de sua fé cristã e mariana. Nelas, coloca, em termos geográficos, e não metafóricos, o paraíso terrestre nas porções de terra centrais americanas, pensando, ainda, sobre questões como as origens do mundo, a presença e a chegada das populações das Américas, a remota existência de gigantes, a presença da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e dos rios paradisíacos no recém conhecido continente. Por esse modo, teria ele principiado um pensamento racional e, tal qual outros cristãos-novos, o advento da Modernidade Ocidental. Para além do literato espanhol, Wachtel atenta-se para o jesuíta português Simão de Vasconcelos, sobretudo por sua colocação metafórica do Paraíso em solo brasileiro. Dessa maneira, assevera a concretização do comum trato narrativo das maravilhas americanas, igualmente que as constatações comparativas entre o Novo Mundo e as qualidades paradisíacas. Leia Mais

HAMILAKIS, Yannis; PLUCIENNIK, Mark; TARLOW, Sarah. Thinking through the body: Archaeologies of corporeality. New York: Kluwer Academic / Plenum Publishers, 2002, 262 p. Resenha de: SILVA, Sergio Francisco Serafim Monteiro da. Clio Arqueológica, Recife, v.34, n1, p.194-201, 2019.

Conforme os editores, o livro está baseado na oficina Thinking through the Body, ministrada na Universidade de Wales, Lampeter, em junho de 1998. Com o mesmo nome da oficina, este volume apresenta o potencial de novas contribuições interdisciplinares para o estudo do corpo e da corporeidade, ilustradas pelos estudos teóricos e filosóficos reunidos nas “arqueologias do corpo”, similarmente ao que ocorreu com a antropologia e a história nos seus vieses de “antropologia do corpo” e “história do corpo”, que dispensam apresentações neste espaço de resenha. Pensar através do corpo pode ser similar ao pensar através dos objetos de cultura material, dentro da produção do conhecimento arqueológico.

O livro trata do “corpo”, considerado aqui como um tópico ou tema que tem dispendido debates e discussões nas humanidades e nas ciências sociais, contando com a influência de expressivos teóricos, como Bourdieu, Merleau-Ponty, Foucault, Douglas e Butler, entre outros. Os capítulos apresentam diferentes (mas relacionáveis) abordagens sobre o corpo, como por exemplo, o significado cultural do corpo humano, como um símbolo, artefato, meio ou uma metáfora.

Este volume apresenta três seções. A primeira seção, Bodies, subjects and selves, apresenta exemplos voltados ao significado do corpo e sua relação com o [eu], o self, sujeito ou, mais especificamente, com o indivíduo – já que estas são ideias relacionadas ao conceito de pessoa. O corpo, como proposto por Sarah Tarlow em Bodies, selves and individuals, pode ser compreendido de variadas formas. No caso dos corpos dos mortos, estes providenciam aos arqueólogos uma aparente fundamentação para interpretar as sociedades antigas.

O tratamento dado ao corpo do morto por sociedades do passado pode ter sido análogo ao tratamento dispensado ao mesmo em vida, representando um ‘status terminal fossilizado’ de um indivíduo. O tratamento do cadáver contém elementos relacionados ao status, saúde ou religião do morto, sobre identidade e enculturação do corpo. De várias maneiras, nesta seção, busca-se desfamiliarizar e problematizar o corpo quanto a sua constituição, seus limites e suas capacidades.

Uma dessas problematizações pode ser encontradas no texto de Foucault, ‘Neitzsche, genealogy, history’, de 1971, p. 153: nada no homem, nem mesmo o seu próprio corpo, é suficientemente estável para servir como base para o autoreconhecimento ou para compreender outro homem. O passado e os corpos do passado, estudados pelos arqueólogos, diferem das ideias modernas que temos sobre os corpos.

Torna-se um desafio aos arqueólogos pensar que a decomposição do corpo possa ter sido mais perturbadora em alguns contextos históricos que em outros.

Provenientes de tempos muito antigos, os corpos não aparentam ser mais pessoas, de algum modo, familiares a nós. O corpo humano, dentro da arqueologia, o ser humano, tem sido sinônimo de ‘pessoa’, ‘indivíduo’, ‘sujeito’ e ‘self’, termos utilizados de forma intercambiável. Mas estes termos podem ser discutidos de forma adequada na arqueologia, em consonância mínima com os pressupostos do antropólogo e sociólogo francês Marcel Mauss e da antropóloga britânica Jean Sybil La Fontaine sobre as noções de pessoa e self e de pessoa e indivíduo.

Nesta primeira seção, as arqueologias interpretativas, pós-processuais, são entendidas como incapazes de se livrar do legado do humanismo, sob o argumento de que isso é violentar a humanidade e as pessoas do passado e do presente. Nesse aspecto, Julian Thomas trata das arqueologias humanistas – pós-processuais, do anti-humanismo e os corpos neolíticos. As partes corporais, segundo Chris Fowler, funcionam como indicadoras de personalidade e de materialidade, simultaneamente, durante o neolítico de Manx. As vestimentas são tratadas como detentoras de moralidades e as usadas pelos mortos na Europa medieval são objeto de estudo de Jos Bazelmans. Ainda, a estética corporal durante o século XIX na Grã-Bretanha é estudada por Sarah Tarlow.

O alarido em torno do corpo nas várias disciplinas do conhecimento refere-se à ideia moderna de corpo como projeto dentro dos estudos sociológicos – o corpo instrumentalizado; do desenvolvimento significativos na filosofia, humanidades e ciência sociais da crítica feminista e dos estudos de gênero – a historicização do corpo, o corpo sexual; do interesse pelo corpo dentro da significância dos aspectos experimentais do passado humano, como a alimentação observada como forma de subsistência dentro de um dado contexto ecológico, como a significância social e política do consumo de alimentos.

Na arqueologia, o estudo do corpo humano se dá mediante a) a antropologia física – situada dentro do guarda-chuva paradigmático da atual bioarqueologia – voltada desde o séc. XIX ao estudo da evolução humana, das categorizações dos “tipos raciais humanos”, aspectos demográficos, de “saúde”, modificações corporais ao longo da pré-história e os estudos em paleopatologia, incluindo traumas, violência e desnutrição; b) representações das formas visuais humanas: nesse sentido, o primeiro texto, mais simples, sobre o corpo humano na arqueologia deriva de uma conferência sobre gênero e arqueologia – Reading the body: Representations and Remians in the Archaeological Record, de Rautman (2000) – , com influência do feminismo e das representações e remanescentes de corpos humanos; c) a fenomenologia aplicada ao estudo do corpo – a arqueologia fenomenológica, arqueologia dos sentidos – com os estudos de experiências rituais em paisagens monumentais a partir de dispositivos corporais sensoriais e do estudo de aspectos integrativos da experiência humana, como a emoção, memória, identidade e experiências corporais particulares como beber, comer, dar a luz, fazer sexo, praticar violência e a guerra.

A segunda parte trata da experiência e corporeidade. O gesto é estudado na arqueologia como um meio de compreender o sentir através do corpo e isso é apresentado por Christine Morris e Alan Peatfield nos estudos sobre a Idade do Bronze em Creta. Ainda a arqueologia dos sentidos relaciona o passado com a história oral no estudo de Yannis Hamilakis. Os modos de comer e de ser no epipaleolítico de Natufian foram discutidos por Brian Boyd. Um estudo de John Robb sobre o tempo e a biografia traz em discussão a osteobiografia da vida útil – vida cotidiana – dos italianos neolíticos.

Na última seção do volume, os corpos são discutidos na e como cultura material. Objetos de cultura material em folhas de ouro da Idade do Ouro na Escandinávia, associados a um gênero específico, podem ser questionados, conforme Ing-Marie Danielsson. A cova de Oseberg, em Vestfold, um dos mais conhecidos casos da Escandinávia, cuja escavação resultou na recuperação de esqueletos femininos, posteriormente reinumados, foi apresentado e discutido por Elisabeth Arwill- Nordbladh. Mark Pluciennik relaciona arte, artefato e metáfora na análise de registros rupestres da Grotta Addaura II (10.000 a 12.000 anos atrás) e cenas da Grotta dela Cala dei Genovesi, em Levanzo. Trata de estética e representação de corpos humanos e não humanos e artefatos no epipaleolítico e neolítico do sul da Itália. Em Marking the body, marking the land, Paul Rainbird estuda similaridades e continuidades temporais nas tatuagens, pinturas nas cerâmicas e gravuras rupestres na Oceania, Pacífico.

Seus modos de interação entre as comunidades insulares incluíam as tatuagens corporais e tatuagens nas rochas e nos artefatos. As futuras agendas sobre o corpo incluem a ideia da sua incorporação à arqueologia, pela historicização do corpo: este passou por mudanças e reconfigurações ao longo da história humana, incluindo a formulação de certos códigos e normas de comportamentos e performances corporais, nos espaços públicos e privados, certos hábitos de alimentação, as várias genealogias da formação do corpo e sua instrumentalização.

As fenomenologias do corpo na arqueologia são desenvolvidas pelas noções de Heidegger de habitação e de ser no mundo, da Fenomenologia da Percepção de Merleau-Ponty ou o desenvolvimento no âmbito da geografia: incluem-se, também as categorias culturalmente influenciadas ou determinadas pelos espaços perceptivo, existencial, arquitetônico e cognitivo dos seres humanos. O biopoder e as biopolíticas do corpo, cujos conceitos são provenientes de Foucault, são importantes para o desenvolvimento das arqueologias da corporeidade. Práticas e processos concretos e materiais atuam sobre o corpo humano: práticas biopolíticas, tecnologias e instituições instrumentalizam os movimentos, a forma de alimentação e a visão dos seres humanos, por meio de gastropolíticas, por exemplo. Também, o corpo fisiológico, como simbolismo e metáfora, pode ser usado para compreender as várias características do mundo natural e cultural: os corpos compreendidos como ‘cultura material’. Os corpos de pessoas vivas podem ser mercantilizados e objetivados em trabalho, materiais, arte, prazer sexual.

Corpos inteiros ou suas partes podem ser mais artefatos do que indivíduos, podem ser fetichizados, como os corpos preservados nos museus, relíquias de santos. Produtos corporais e suas partes podem ser segregados, tabu, usados em magias, trocados, consumidos ou empregados em tratamentos de beleza.

As ‘deformações’ corporais incluem aqui a deformação do crânio e dos pés, avulsões, tatuagens, escarificações: corpos como veículos de identidade e expressão. Os remanescentes humanos, conforme as crenças religiosas, podem ser extensivamente tratados e manipulados post-mortem. Nesse sentido, os corpos e os outros aspectos da personae podem sofrer mudanças nas suas biografias quanto ao poder e suas referências simbólicas. As figuras femininas paleolíticas e os registros rupestres são exemplos de como os corpos humanos ─ suas representações ─ tem sido claramente importantes referências em vários períodos e em várias sociedades.

Existiriam numerosas formas pelas quais os arqueólogos poderiam pensar sobre o passado através do corpo. Essas formas estão representadas pelas novas oportunidades de integração por meio de recentes desenvolvimentos teóricos sobre a corporalidade e a sua importância para as interpretações sobre o passado e os modos de vida. Sobre esse aspecto, o livro editado por Robert Schmidt e Barbara Voss, Archaeologies of Sexuality, em 2000, estabelece relação profícua com Thinking through the Body. Indica parâmetros que direcionam os estudos sobre sexo e sexualidade – e sua linguagem e conceitos – na produção do conhecimento arqueológico vinculado à solução de problemas científicos voltados ao corpo, em primeiro lugar.

Sergio Francisco Serafim Monteiro da Silva – Departamento de Arqueologia, UFPE. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Tags: 2019, Arqueologia, Clio Arqueológica (CA), Corpo, Corporeidade, HAMILAKIS Yannis (Aut), Kluwer Academic (E), Plenum Publishers (E), PLUCIENNIK Mark (Aut), SILVA Sérgio Francisco Serafim Monteiro da (Res), TARLOW Sarah (Aut), Thinking through the body: Archaeologies of corporeality  (T)

Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia

A Revista Ingesta (São Paulo, 2019-) é uma publicação eletrônica de periodicidade semestral, editada por alunos de pós-graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, membros do Laboratório de Estudos Históricos das Drogas e Alimentação (LEHDA), fundado em 2016 na mesma instituição.

Nosso objetivo é publicar artigos, resenhas e dossiês temáticos (em português, inglês ou espanhol) produzidos por pós-graduandos e pesquisadores pós-graduados, que possam contribuir com o desenvolvimento dos estudos históricos sobre alimentação e drogas, em seus amplos aspectos.

Textos relacionados ao campo da História serão privilegiados, mas aqueles que abordarem a temática e estiverem relacionados a disciplinas afins, como a Antropologia, a Sociologia, a Arqueologia, entre outras, também serão considerados para avaliação do Conselho Editorial e do Conselho Científico da revista.

[Periodicidade semestral].

Acesso livre

ISSN 2596-3147

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Tags: 2019, Antropologia., Arqueologia, Atualiza no mês 01, Atualiza no mês 07, Brasil - São Paulo., História, História das Drogas e da Alimentação., Ingesta (Igr), Ingesta (Igs), Ingesta | USP | 2019, Multidisciplinar., Revista Ingesta (RId), Sociologia, Universidade de São Paulo | USP

Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia

Hawò (2019-) é uma revista científica, publicada na versão eletrônica pelo Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás. Tem como objetivo fomentar e divulgar a produção científica realizadas por pesquisadores de instituições reconhecidas, nacional e internacionalmente, que venham contribuir para a geração, preservação e difusão de novos conhecimentos nas áreas relacionadas à Antropologia Social e Cultural, Antropologia Biológica, Arqueologia, Etnolingúistica, Museologia, Arte e Cultura Popular, Patrimônio Cultural, Educação e Etno-História, em seu caráter interdisciplinar.

A revista Hawò, desde sua criação, adotou a modalidade anual de publicação contínua. Essa modalidade permite a publicação dos artigos conforme sua aprovação, agilizando assim  o processo de comunicação e divulgação das pesquisas. Não há fascículos ou periodicidade definidas.

A revista Hawò oferece acesso online e aberto a todo o seu conteúdo, o que significa que todos os artigos estão disponíveis na internet para todos os usuários após sua publicação, sendo os autores responsáveis pelo conteúdo de seus artigos. Segue o princípio de disponibilizar gratuitamente as informações científicas ao público, de forma a contribuir com maior democratização ao conhecimento.

Acesso livre

Periodicidade contínua

ISSN  2675-4142

Acessar resenha

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Tags: 2019, Antropologia Biológica., Antropologia Social e Cultural., Arqueologia, Arte e Cultura Popular., Atualiza continuamente, Brasil - Goiás., Educação, Étno-história., Etnolinguística., Hawò (Hwd), Hawò (Hwr), Hawò (Hws), HAWÒ | UFG | 2019, Interdisciplinar., Museologia, Patrimônio cultural, Universidade Federal de Goiás | UFG

UBELAKER, Douglas. Human Bones and arqueology. Washington: Cultural Recourses Management Series, Interagency Archeological Service, Heritage Conservation and Recreation Service, Department of the Interior, 1980. Resenha de: SILVA, Sergio Francisco Serafim Monteiro da. Clio Arqueológica, Recife, v.33, n.1, p.209-215, 2018.

O livro Human Bones and Archeology, de Douglas Ubelaker, foi publicado inicialmente em 1980, com a preparação conjunta do U.S Department of the Interior, e do Heritage Conservation and Recreation Service e a Interagency Archeological Services, em Washington, D.C, nos EUA. Voltado ao problema dos ossos humanos na arqueologia, em especial aqueles relacionados aos primeiros habitantes da América do Norte, estudados por arqueólogos, antropólogos e bioarqueólogos ainda hoje produtivos, como William Bass, Don R. Brothwell, Jane Buikstra e o próprio Douglas H. Ubelaker, o texto expõe estudos de casos que possibilitam ao leitor perceber os principais aspectos relativos à produção de conhecimento científico em arqueologia quando são escavados sítios com presença de remanescentes humanos.

A análise do contexto arqueológico tem sido de fundamental importância para a compreensão primeira dos processos formadores do registro arqueológico, sendo possível a reconstrução de perfis funerários de populações do passado. Os dados mortuários de natureza biológica, como o sexo, idade, estatura, ancestralidade, doenças, traumas e anomalias, constituem importantes recursos para a reconstrução de perfis biológicos dessas populações, auxiliando nos processos de interpretação arqueológica sobre os seus modos de vida.

Entre 1906 e 1979, pelo menos no período em que Ubelaker escreve Human Bones and Archeology, uma série de documentos legais estabeleceram regras para o tratamento do patrimônio cultural dos EUA, incluindo o arqueológico.

Diferentemente, no Brasil, verifica-se que na Constituição Federal de 1988, art.216, são descritos os bens que constituem patrimônio cultural. Também a Lei Federal No. 3.924, de 26 de julho de 1961, no seu art. 2º estabeleceu como monumentos arqueológicos ou pré-históricos, entre outros, os poços sepulcrais, os cemitérios e sepulturas nos quais se encontrem vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico. Ainda, o Cap. II, item 1 do decreto-lei no. 25/37, art. 2º da lei federal 3.924/61 e a portaria IPHAN no. 230/02, em relação aos sítios históricos, inclui os cemitérios antigos nesse rol do patrimônio arqueológico brasileiro.

Human Bones and Archeology, remete o leitor aos problemas relativos às pesquisas com sepulturas e os remanescentes humanos também para o caso especificamente brasileiro na atualidade: as intervenções de salvamento; as questões indígenas e quilombolas de territorialidade e identidade; a urgência de órgãos gestores da administração pública e privada em resolver problemas com ossos humanos em terrenos de empreendimentos e frente a obras de arquitetura, que irão impactar o registro arqueológico com presença de remanescentes ósseos humanos e outros vestígios de interesse arqueológico.

Estudar ossos humanos na arqueologia constitui um fazer restrito a nichos universitários e de difícil acesso à sociedade de maneira geral, mesmo aos agentes sociais vinculados com a indústria cultural. A exposição museológica de remanescentes humanos em instituições e eventos dentro do Brasil é relativamente rara, encontrando exemplos nas exposições temporárias de corpos humanos dissecados e plastinados provenientes da Alemanha e China e exposições temporárias e permanentes em museus estaduais, municipais, institutos de pesquisa e bienais de arte sobre temas relacionados à evolução humana, a arqueologia e etnologia.

A perspectiva da biocultura, conceito/fenômeno da sociobiologia humana, sob os auspícios do do guarda-chuva paradigmático da Bioarchaeology, iniciado nos anos 1940 e extensivamante propagado por Jane Buikstra e Clark Spencer Larsen desde a década de 1960 nos EUA, prevalece nos dias atuais sob várias formas de abordagens teórico-metodológicas, em interdisciplinaridade com as ciências sociais, a medicina, as ciências forenses e correlatas (as Bioarqueologias social, da tuberculose, da violência, da infância, entre outras). Interessa a reconstrução do comportamento de populações do passado.

A abordagem comportamental em arqueologia moderna encontra expressividade neste trabalho visionário de Douglas Ubelaker. A atualidade do tema tratado mostra a pertinência da sua tradução no Brasil. Aqui, sítios arqueológicos históricos e pré-históricos, sob a responsabilidade do IPHAN e dos arqueólogos, tem sido sistematicamente destruídos no âmbito das reformas e empreendimentos urbanos e rurais. A participação de empresas de arqueologia nesse processo se dá de forma a cumprir as exigências da legislação federal, sendo recorrente a ausência de produção científica relacionada aos remanescentes humanos escavados nos projetos de intervenção e a ausência de profissionais capacitados para a escavação sistemática de estruturas arqueológicas contendo remanescentes de esqueletos humanos.

Douglas Ubelaker, cuja produção bibliográfica contínua em Antropologia Biológica, Forense e Arqueologia é suficientemente extensa, descreve de forma clara e sintética os métodos e técnicas sobre como os sepultamentos e esqueletos humanos devem ser analisados, como determinar o sexo, a idade, a estatura, evidências de doenças e as modificações artificiais dos ossos. Em seguida, ilustra com casos em Maryland, na Costa do Equador, Illinois e Columbia Britânica, enfocando a complexidade do contexto arqueológico de deposições funerárias nos cemitérios pré-históricos, as possibilidades interpretativas sobre nutrição, história das doenças, estrutura social, estatura e status social, acompanhamentos funerários inusitados e o desgaste dentário de origem artificial.

No livro podemos encontrar referências comparadas entre problemas enfrentados por nossos antepassados e aqueles que enfrentamos hoje quanto a nossa alimentação, doenças e modos de adaptação humana ao ambiente. As respostas oferecidas no passado, diante das que oferecemos hoje aos problemas de convivência entre nós mesmos e entre o ambiente, incluindo os seus agentes patogênicos, os recursos alimentares e a devastação antrópica crescente, por exemplo, podem servir de inspiração para podermos amenizar o impacto que causamos às nossas sociedades e ao ambiente em que vivemos.

Para Bennie C. Keel, consultor de arqueologia, que faz um prefácio para o texto de Douglas Ubelaker, os estudos dos remanescentes ósseos humanos na arqueologia são um dos mais provocativos e menos compreendidos aspectos dessa ciência. Esses estudos possuem motivos e métodos que foram apresentados por Ubelaker neste livro (ou livreto) com a finalidade de esclarecer o público, reduzindo os equívocos sobre essa área da Arqueologia.

Embora os ossos humanos representem uma parte diminuta do patrimônio cultural norte americano, alguns possuem importantes significados que somente poderão ser compreendidos considerando-se os seus contextos arqueológicos. Os vestígios arqueológicos são portadores de importantes informações sobre o passado, constituindo materiais frágeis e insubstituíveis, segundo Bennie Keel. Portanto a proteção desse patrimônio – registro do passado – constitui uma missão conjunta entre o Heritage Conservation and Recreation Service (HCRS) e o público. Assim como no Brasil, nos EUA existia, nos anos 1980, o problema da proteção e conservação dos sítios arqueológicos – que, evidentemente, tem se estendido até os dias atuais.

Portanto, aquelas pessoas que conhecem algum sítio arqueológico, podem ajudar na sua proteção e conservação, entrando em contato com uma Secretaria de Preservação Histórica da Capital do seu estado ou, no caso do Brasil, com as superintendências regionais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), distribuídas em todos os estados do país desde 2009. A partir do registro e da proteção e em relação a possíveis perturbações de sítios arqueológicos, com presença de remanescentes ósseos humanos, são extremamente necessários aqueles profissionais experientes nas técnicas de escavação – os arqueólogos, cuja profissão foi reconhecida em abril de 2018 no Brasil. Somente com essas iniciativas, as gerações futuras, tanto nos EUA, quanto no Brasil, poderão ter conhecimento sobre o seu próprio passado.

Lembramos somente ao leitor que este texto foi produzido em 1980 e que algumas considerações devem ser feitas em relação à cultura, política e mentalidade nos EUA naquele período, em especial aos parâmetros de cientificidade então aceitos pelo Smithsonian Institution e ao autor, cuja obra científica, ainda em construção, é merecedora de respeito e inspiração.

Ainda, o caráter extremamente atual do texto, especialmente em correlação com os eventos de descaso e vandalismo sistemático e contínuo em relação aos sítios arqueológicos com presença de ossos humanos no Brasil, especialmente na Região Nordeste, onde esses vestígios extremamente frágeis são sinônimo de crime e de perda da propriedade para as instituições governamentais, torna a leitura e divulgação desta publicação, por enquanto esgotada, emergencial.

Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva – Departamento de Arqueologia, UFPE. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

LOPES, Reinaldo José.  1499: o Brasil antes de Cabral. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017. 246 p. Resenha de: CAVLAC, Carolina Limonge. Uma incursão à pré-história brasileira. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, v.31, p.131-134, 2018. LOPES, Reinaldo José.

Este livro do jornalista Reinaldo José Lopes, publicado em 2017, é uma incursão ao universo pré-histórico da região hoje chamada Brasil. Ele publicou outros livros de divulgação científica: Além de Darwin (2009), Os 11 maiores mistérios do universo (2014), Deus: como Ele nasceu (2015), Luz, ciência e muita ação (2016) e Darwin sem frescura (2019). Lopes é também repórter, colunista e blogueiro do jornal Folha de S.Paulo. É autor do blog Darwin e Deus e youtuber, com o canal “Reinaldo José Lopes – Darwin Deus Tolkien Mozart”. Além de escrever sobre história e pré-história, Lopes tem grande interesse por narrativas de ficção com temas medievais e as influências histórico-culturais que as permeiam.

Nesta obra, Lopes traz informações para um público abrangente, que vai de curiosos não acadêmicos a estudiosos de várias áreas de conhecimento – arqueologia, história, antropologia, sociologia, paleontologia, biologia, geologia, geografia etc. Ele oferece um texto de leitura fluida, com muito bom humor e embasamento científico. Com incursões explicativas, nas seções “explicação técnica” aborda assuntos específicos, como datação radiocarbônica, análise genética e isotópica, e deriva linguística, incluindo ainda assuntos mais complexos e que não são o tema central da narrativa, deixando o leitor inteirado do que há por vir.

Na introdução “O passado não é mais como era antigamente”, o autor trata brevemente de alguns dos principais temas abordados no livro: a chegada dos seres humanos nessa região onde é hoje o território brasileiro, as hipóteses sobre essa chegada e as descendências dos povos nativos atuais, a famosa Luzia (nome dado ao fóssil humano mais antigo encontrado na América do Sul, de uma mulher, que foi descoberto numa gruta da Lapa Vermelha/MG), as comunidades criadoras dos sambaquis, o surgimento da agricultura da Amazônia, a chamada “terra preta de índio”, algumas sociedades pré-históricas que se estenderam da Amazônia central até o litoral oceânico e em direção ao Alto Xingu, a complexidade linguística registrada nesse território e uma contextualização do limiar entre a pré-história e a história propriamente dita. O autor trata de uma questão genética, comentando algumas pesquisas que abordam a descendência da população brasileira atual, incluindo a dos povos nativos, mostrando que no Brasil também ocorreu o padrão de colonização humana amplamente difundido no mundo: os homens dos grupos vencidos são mortos ou escravizados, e as mulheres viram concubinas.

[…] Para ser mais exato, entre 20% e 30% dos brasileiros vivos hoje descendem de uma tataravó índia, como mostra o mtDNA (DNA mitocondrial). Enxergar com mais clareza a ascensão e queda de povos e culturas do Brasil pré-histórico abre, portanto, uma janela com vista para o passado familiar remoto de quase todos nós (Lopes 2017: 23).

Finaliza a introdução trazendo uma questão para seus leitores: como o que está sendo descoberto sobre a pré-história do antigo território do Brasil pode ter implicações no modo de vida que temos hoje? No capítulo um, “Quem é você, Luzia?” o autor traça um contexto “pré-histórico” faunístico da cena sul-americana há cerca de 12 mil anos, quando viveu Luzia. Ossadas de muitos exemplares da megafauna extinta encontradas nessa região e em outros locais do Brasil, como as preguiças gigantes (Catonyxcuvieri, Eremotheriumlaurillardi), o dente-de-sabre (Smilodonpopulator), os tatus gigantes, conhecidos como gliptodontes, os toxodontes, parecidos com o hipopótamo, e macrauquênias, parecidas com lhamas de tromba. O autor foi bem feliz na contextualização da megafauna, mas o achei bem diplomático ao tratar da extinção desses grandes mamíferos, mantendo-se longe da discussão atual da ciência: mudanças climáticas versus ação antrópica/caça. Ele comenta também a colonização das Américas por (outros) primatas e roedores, e o intercâmbio faunístico entre as Américas do Norte e do Sul.

Grande parte da discussão sobre Luzia gira em torno da polêmica sobre os traços africanos de seu rosto. Lopes mostra informações de pesquisas genéticas com dados moleculares de outros paleoíndios, de populações pré-históricas nativas com morfologia mongoloide e dos povos nativos atuais, e esmiúça as hipóteses da origem dos paleoíndios e desses traços, que apresentam morfologia autralomelanésia (negra) em contraste com a morfologia mongoloide (traços asiáticos) dos nativos atuais e de nativos pré-históricos mais recentes. Justifica ter mantido a narrativa na região de Lagoa Santa por ter mais informações diretas e dados mais consensuais. Lopes comenta ligeiramente os vestígios dos sítios arqueológicos encontrados no Parque Nacional da Serra da Capivara/PI e a contradição entre as possíveis datações desses sítios, propostas por diferentes pesquisadores.

Porém, a enorme coletânea de sítios que apresentam inscrições rupestres e material lítico atualmente no Brasil me deixa a sensação de que Lopes poderia ter explorado o assunto muito mais.

No capítulo dois, “As conchas e os mortos”, Lopes discute a cultura e os modos de vida dos antigos habitantes do litoral brasileiro, os criadores dos “morros de conchas” conhecidos como sambaquis. Para que serviam? Que tamanho têm? Em quanto tempo esses povos os construíam? De que são feitos? Quão abrangente se tornou essa cultura na costa do Brasil? O autor tenta responder essas e outras perguntas citando pesquisas atuais, que curiosamente se valeram da exploração mineradora irregular dos séculos anteriores, que usou os sambaquis como matéria-prima para a construção civil. Sem querer, essa exploração revelou (juntamente com pesquisas arqueológicas) informações cruciais sobre a cultura e ecologia dos povos dos sambaquis.

O capítulo três, “Revolução agrícola made in Brazil”, funciona como uma coletânea de informações sobre a temática do manejo e cultivo de vegetais nativos da região amazônica.

Trata do surgimento de florestas antropogênicas e das plantas nativas domesticadas, como a mandioca, a pupunha, o abacaxi e o cacau, e traça algumas possíveis rotas de domesticação, como a difusão da mandioca da Amazônia até o Pacífico, e do milho, domesticado na região do México e espalhado pelas Américas.

Os modos de vida dessas sociedades, que passam a ter uma diversidade de alimentos manejados ou cultivados, formam um elo com as informações e hipóteses abordadas sobre a “terra preta de índio” encontrada em muitos locais da Amazônia.

Nos capítulos quatro (“Os filhos da serpente”) e cinco (“No reino das Amazonas”) o autor trata das culturas dos antigos marajoaras, povo que residiu na Ilha de Marajó e dos povos de diversos outros locais na Amazônia, respectivamente. De cerca de 2 mil a.C. aos primeiros séculos da Era Cristã, o autor identifica o crescimento da densidade populacional como indicador para tratar da complexidade social, política e cultural dessas sociedades estabelecidas ao longo do Rio Amazonas. Os antigos marajoaras aproveitavam as condições do ambiente, como a topografia, o clima, o solo e a maré, para criar intervenções em seu ambiente natural, como os Carolina Limonge Cavlac 133 tesos, morros artificiais criados para formarem lagos rasos que armadilhavam uma grande variedade de peixes nas “cheias”. A complexidade das intervenções do ambiente natural e da produção da cerâmica marajoara marcou a cultura e o modo de vida desse povo.

Nos arredores da atual Santarém se estabeleceu o domínio dos Tapajós. Descritos como um povo guerreiro e com uma poderosa chefia ribeirinha, os Tapajós também possuíam ampla diversidade de cultura material, abrangendo artefatos em madeira, algodão e cerâmica, como os muiraquitãs, estatuetas replicadas e bem conhecidas hoje. No atual território do Amapá, a cultura Maracá tem instigado pesquisadores, tanto por conta do sítio com estruturas megalíticas quanto das grutas descobertas com grandes quantidades de urnas funerárias antropomórficas ricas em detalhes. Utilizadas em cerimônias religiosas, tal como os artefatos das culturas Tapajó e Marajoara, essas cerâmicas podem ser indicadores da complexidade econômica e social desses povos.

No Alto Xingu, as estruturas das aldeias pré-históricas descritas eram compostas de enormes áreas circulares, algo em torno de dez vezes maior que as aldeias atuais da mesma região. Elas possuíam áreas com lavouras de milho, mandioca, pequi e outros cultivos, assim como florestas manejadas nas proximidades da região habitada. Os antigos xinguanos dispunham de lagos artificiais e armadilhas nos cursos dos rios.

Pontes, muralhas, grandes fossos e estradas largas e limpas que cortavam as aldeias e as conectavam, também faziam parte da exímia organização estrutural que comportava milhares de moradores. Na região da atual Manaus os pesquisadores identificaram uma grande variedade de tradições de produção cerâmica, pois esses objetos são os mais preservados naquelas condições de clima.

O texto descreve algumas poucas características dos sítios associados à fase Manacapuru, à fase Paredão, à fase Axinim e à fase Guarita. Lopes menciona sítios com estruturas de defesa, como valas, paliçadas e trincheiras, que datam da mesma época em que as aldeias circulares são substituídas por povoados lineares à beira dos rios. Essas mudanças levaram pesquisadores à hipótese da ocorrência de importantes alterações socioculturais. A mais recente incógnita da Amazônia pré-histórica são os geoglifos (estruturas geométricas no solo) encontrados no atual território do Acre e do Amazonas. Essas estruturas foram descobertas recentemente por conta da intensificação do desmatamento na região. Cerca de trezentas estruturas identificadas até agora foram feitas provavelmente em uma época em que o território era muito mais densamente habitado e a floresta era manejada, com forte presença de espécies nativas úteis ao consumo humano.

Apesar de dar grande ênfase à Amazônia e deixar de trazer informações importantes de sítios das áreas abertas, o autor alcança muitas “Amazônias”, como citado neste trecho: “Não existe ‘uma’ Amazônia, mas uma imensa variedade de florestas ditas ‘de terra firme’ e alagadas, áreas de savanas e de campos abertos, matas mais ou menos sujeitas à seca e até uma ou outra região montanhosa” (Lopes 2017: 86).

No capítulo seis, “Tupi or not tupi”, o autor descreve a diversidade linguística dos povos nativos, quão diversa pode ter sido a árvore linguística dessa região no passado e como ela está representada hoje. É estimado que, no contato inicial com os europeus, havia cerca de 1.500 línguas nessa região. Essa diversidade se expressa atualmente em 108 famílias linguísticas sul-americanas (de um total de 420 no mundo). Essa diversidade é inigualável em qualquer outra região do planeta. Os principais grupos linguísticos tratados nesse capítulo são: (1) o Aruak, com aproximadamente sessenta línguas atuais, espalhadas na América Central, Pantanal e Chaco, além da Amazônia; (2) o Tupi, com perto de quarenta línguas, ocupando áreas enormes do Brasil, em especial no litoral e na Amazônia; (3) o Carib, com cerca de trinta línguas, espalhadas pela parte norte da Amazônia, Xingu e algumas ilhas do Caribe; e (4) o Macro-Jê, que soma entre vinte e trinta línguas, que hoje ocupam regiões abertas (o Cerrado) ao sul da Amazônia e áreas de mata de araucária de São Paulo e da Região Sul do Brasil. O autor relata um pouco da cultura e distribuição dos povos falantes dessas línguas, as relações entre eles, com o ambiente e com os europeus. Comportamentos diplomáticos, com relativo pacifismo, habilidades de navegação, boas redes de trocas, alianças matrimoniais intergrupos, generosidade e habilidade de fala se contrapõem a comportamentos de agressividade, com ideologia bélica, rituais antropofágicos, dominação de novos territórios com ciclos intermináveis de vingança. Esses são comportamentos culturais descritos de alguns povos nativos da época da colonização, que representam as extremidades de uma palheta muito diversa e complexa da estrutura cultural dessa grande quantidade de povos.

Por fim, no epílogo, “Por que o Brasil préhistórico foi derrotado”, o autor conta como uma região habitada por cerca de 8 milhões de pessoas não impediu a colonização ou por que essa colonização não ocorreu de outra forma. Entre os maiores culpados desse roteiro, estão as reações biológicas que levaram às epidemias. A falta de contato dos nativos com muitos dos micro-organismos trazidos pelos europeus e seus animais causou devastações populacionais generalizadas nos grupos nativos, muito mais do que a presumível superioridade bélica dos portugueses e espanhóis e o uso da cavalaria.

Também foi marcante a desconexão da comunicação e a (des)organização entre as chefias dos grupos nativos, quando havia chefias, frente à organização estatal dos europeus ao longo do processo. Assim, a dominação e a expansão das áreas conquistadas pelos europeus foram aumentando, como mostra nesse trecho: “muitas das sociedades ameríndias do litoral ficavam cada vez mais desarticuladas diante das epidemias, da conversão religiosa e das exigências de mão de obra dos colonizadores – uma desarticulação demográfica, política e cultural que provavelmente foi sendo transmitida pouco a pouco” (Lopes 2017: 227).

O livro de Lopes aborda a arqueologia do território brasileiro e cumpre muito bem o seu papel de obra de divulgação científica, com a explanação das muitas pesquisas que envolvem o tema. Como não poderia deixar de ser, traz muito mais dúvidas do que certezas, de forma elegante. Apesar de ter deixado de abordar centenas de sítios com inscrições rupestres e com material lítico de que temos registros hoje, a obra contribui muito para a importância da arqueologia dessa parte do mundo, ainda tão pouco explorada. Prova disso é a frase final do livro:

“A pré-história é a chave para entender a importância dessas condições iniciais e para demonstrar – como espero ter demostrado – que o passado profundo do Brasil é tão rico e complexo quanto o do Velho Mundo. Em nome dos que são herdeiros dele, convém não esquecê-lo” (Lopes 2017: 232).

Lopes finaliza assim o livro, mostrando mais uma vez, com excelência, que debruçar o olhar curioso e metódico sobre o passado pode também apontar direções para o futuro.

Referências

Lopes, R.J. 2017. 1499: o Brasil antes de Cabral. Harper Collins, Rio de Janeiro.

Carolina Limonge Cavlac – Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável, no Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

PRADOS, F.; JIMÉNEZ, H.; MARTÍNEZ, J. J. (Eds.). Menorca entre fenicis i púnics / Menorca entre fenicios y púnicos. Murcia: Centro de Estudios del Próximo Oriente y la Antigüedad Tardía de la Universidad de Murcia. 2017. 320p. Resenha de: MISSINGHAM, P. Panta Rei. Revista Digital de Ciencia y Didáctica de la Historia, Murcia, 179-182, 2018.

Menorca, as its name implies, is the ‘small’ island of the Balearics, easily overshadowed by Mallorca, and when it comes to Phoenician and Punic affairs, also and especially, by Ibiza. This has resulted in an unfair knowledge ‘vacuum’ surrounding the island of Menorca. In a similar vein, the archaeology of the Talaiotic culture, subject of a submission to UNESCO, has distracted attention away from the other archaeology present on the island. This book seeks to address this issue. A team of archaeologists lead by Fernando Prados, from the University of Alicante, have been at work since 2014 in an effort to elucidate the presence and status of any Phoenicio-Punic archaeology. This book has the feeling of a once-in-a-generation event and sets a high standard for future Menorcan archaeology books to be measured against.

Of the eleven articles published here, seven are in Spanish and four are in Catalan, with possibly a few Menorquí terms for good measure. A few linguistic tips for the foreign reader, the mysterious oval object on page 163 helpfully labelled ‘mac de la mar’ is a beach pebble, and the ‘denes’, subject of the article starting on page 219 are beads. Otherwise, the only terms likely to cause any real difficulty are chronological references based on the local indigenous culture, the Talaiots or Talayots. The introduction conveniently defines ‘postalaiotic’ as circa 550-123 bc, which effectively covers the entire Punic period, with a little overlap, looking at Carthage here, at each end.

Menorca, as Maria i Ballester, the Conseller de Cultura i Educació, tells us in his Presentació, has been chosen to host the XVI International Dry Stone Walling Congress in autumn 2018. This effort reflects the efforts of the Balearic Islands to have dry stone construction seen by UNESCO as an intangible heritage. The timing of the archaeological work undertaken in Menorca coincides with the candidature of the Talaiotic culture to World Heritage status.

González Wagner sets the scene in his Prólogo by reminding us that the archaeology of Menorca has to be seen as a continuous fluctuating cultural interchange between the Talaiotic culture, the Punics (whether from Ibiza or elsewhere), and the other ‘extra-menorcan’ artefacts in which they trade. In their opening passage, Introducción – Del gris al blanco. La isla de Menorca en el mapa fenicio y púnico, Prados, Jiménez & Roca state that while the Phoenicio-Punic archaeology of Ibiza and Mallorca can be shown in its multicoloured glory, that of Menorca, until this monograph anyway, remained a hazy blur being barely covered in any publications. Which means that the heavy burden of introducing this topic properly, with a solid foundation, falls on the current authors. This new knowledge could form part of a heritage management plan, along the lines of The Route of the Phoenicians, or the Path of Hannibal. Many have contributed to this volume, thank you!

The first article proper by Domínguez Monedero, El ejército de Aníbal, una fuerza de mercenarios, follows the mention of the Path of Hannibal in the introduction, to provide an account of the rise of the Carthaginian practice of employing foreign mercenaries, and how this may be reflected in the archaeological record, typically by the deposit of coinage such as the 56 coins found at Castillo de Doña Blanca probably struck in Melilla. Other evidence may include the construction of S’hospitalet Vell on Mallorca, or Son Catlar on Menorca. The third possible thread of evidence is the number of small bronze figurines, Mars Balearicus, which appear to derive from southern Italian influence, and deposited perhaps as ex voto offerings.

Ramon, in the next article, Pecios y ¿colonias? materiales púnicos en las Islas Baleares, examines 8 Balearic shipwreck sites, four each off Mallorca and Menorca, and also a brief mention of one off Corsica, along with two ‘anchorages’ and finds the maritime ceramic assemblages broadly similar to those found at terrestrial sites. The high percentage of Ibizan goods can be read as an indicator of local suzerainty. The enclosure of Na Galera shows Ibizan construction techniques, while also eschewing the use of Talaiotic pottery. Na Guardis may have been permanently occupied by Ibizans but probably from the 6th century onwards was used as a neutral trading place. In both Mallorca and Menorca, there was a low uptake of Punic technologies such as writing, wheel thrown pottery and coinage. Only Na Galera and Na Guardis show clear Punic control. Colonisation models used elsewhere don’t really seem to apply; Ibizan Punic influence seems to result from commercial activity.

Niveau de Villedary provides the next article, Nuevos datos sobre la evolución formal y estilística de los “pebeteros en forma de cabeza femenina”. A propósito del ejemplar de Torralba d’en Salord (Alaior, Menorca). Of all the perfume burners ever found in Menorca, this article examines the best documented, and accessible, example available – the example from Torralba d’en Salort. This burner is compared against other possible parallels across the Punic world, noting stylistic differences and similarities. The goddess depicted may have originated with the Eleusian mysteries, but she is easily and often modified to conform with local religious practice. The earlier burners found in coastal sites, with closer links to Carthage, may reflect Astarte, or later Tanit.

The fourth, and titular paper is by Prados & Jiménez and is entitled Menorca entre fenicios y púnicos: una aproximación arqueológica desde la arquitectura defensiva. The Talaiotic period can be defined as running from circa 850 – 550, although the start of the period is slowly drifting earlier. The arrival of the Phoenicians, can be seen by the Egyptian Imhotep figurine from Torre d’en Galmés, along with the introduction of fish and other marine products to the existing foodways, along with a rise in violence visible in human skeletal remains. There is also a rise in the number of walls built, still in a Talaiotic architectural tradition, although the only concluded example appears to be Son Catlar, along with a corresponding increase in burning and destruction of habitations. Punic architectural influence may have been recently detected underneath Magon. At Trepucó, there exists defensive structures far beyond the needs to defend against the locals; their stature may possibly a result of the Punic wars. These defensive elements, evidently ultimately from Syracuse, can be seen at Son Catlar, with parallels across the Hellenistic world, although the Punic cubit, rather than a Greek measure, was the unit used during construction. The ceramics from Son Catlar are practically the same as those from Cartagena. In contrast, those from Torrellafuda present a mixture of Talaiotic and Punico-Hellenistic styles.

The next article by Anglada, Ferrer, Plantalamor & Ramis is the first in Catalan – Continuïtat cultural en època de canvis: la producció i preparació d’aliments a Cornia Nou (Maó, Menorca) durant els segles IV-III aC. At the site of Cornia Nou are two edifices, dated to 1100/600 and 400/200 respectively. The close proximity of the two settlements allows direct comparison of their foodways. Of the two, the elder has by far the larger bone assemblage. Of interest here is not only the new presence of dog bones (perhaps as a food source), equines, and turtles, but a doubling by proportion of cattle bones, incidentally much smaller cattle than those from contemporary Tharros, Sardinia. Disappointingly, the ceramics from the older edifice are not discussed, but from the newer, two clear preferences can be discerned – a clear preference for Punic vessels for liquids, but with an almost exclusive use of indigenous wares for cooking. Although lithics, particularly quern stones are discussed, the diminutive size of the artefact labels on figure 13 render the discussion difficult to follow. The evidence for the consumption of dogs is discussed briefly in the later Ramis article.

De Nicolás, Gornés & Gual examine cult objects in Indicis d’un santuari púnico-talaiòtic en el poblat de Biniparratx Petit (Sant Lluís, Menorca). Two bronze figurines (perhaps representing Odysseus and Isis) and some terracotta ceramics were found in the late 19th century near Sant Lluis. Unfortunately, there was some confusion of place names making the source of the artefacts subject to doubt even before the damage caused by the construction of the airport. Excavations on the north-west edge found a Naviform settlement datable to 1500 bc, and on the south-east edge a settlement from the 8th century was found. At the later settlement, with two houses, an out-of-context terracotta figurine sherd was found during investigations. The southernmost house, number 1, produced a beach pebble complete with an inscribed Tanit symbol, leading to ideas of the reutilisation of previous funerary spaces for storage. House 2 has two small chambers which could be interpreted as altars, possibly naiskoi. The ceramics inside the house date from the 4th and 2nd centuries, the house itself suffering minor destruction, before continuing through to the 1st century AD. The Roman phase produced some 40,000 sherds, or 1.5 tonnes, comprising a minimum of 665 amphorae. The archaeology, taken as a whole, shows the three crises typical of eastern Menorca – the overwintering of the Carthaginian fleet, the Roman invasion, and the rise of Roman urbanisation. The male bronze figurine has been identified as Odysseus, or perhaps Philoctetes, while the female one is probably that of Isis, possibly modelled on a 2nd century original from the Greek colony of Rhodes in Spain.

The seventh article, a group effort by Jiménez, Prados, De Nicolás, Adroher, Torres, Martínez, García, López, Expósito & Carbonell is titled, Prospección arqueológica en Torrellafuda (Ciutadella, Menorca). Al encuentro de la Menorca púnica. The enclosure of Torrellafuda appears to have been built in two phases, an earlier cyclopean phase followed by a typically Punico-Hellenistic pattern of architecture, smaller than the original construction perhaps reflecting a defensive stance. Place-name analysis may indicate a Berber origin for the site. The enclosed village was heavily modified in the late 19th century, although the walls are largely recognisable. Aerial photos from 1956 show potential features, and future lidar may be interesting, but for now the features have been located and mapped using GPS. The most promising result has been the discovery of a right angled stone structure. In the intramural area, Campanian and Punico-Ibizan ceramics were found dating from the 3rd and 2nd centuries. Surface collection was done on three transects to the south, and another three, shorter, to the north, with all materials once analised returned to their original location. The majority of the fragments, some 57%, date to the 3rd century BC to the 1st century AD representing the likely date of the settlement. The number of republican Italian amphorae almost matches the quantity from Ibiza, but are twice the number from Tarragona. Coupled with the pertaining coarsewares, the presence of the amphorae indicates the presence of wine, and the inclusion of Menorca in the Mediterranean economy.

Back to Catalan for a discussion by Ramis of, Evidències de contactes exteriors al món talaiòtic a partir de l’estudi del registre faunístic. Almost all the animals in the Balearics have been introduced by humans, not all at once, but gradually over centuries, giving rise to new methods of exploitation and incidentally allowing the later evaluation of the exterior influence involved. The time period involved ranges from the end of the 2nd millennium BC to perhaps the 1st century when true Romanisation can be determined, and geographically covers Mallorca and Menorca. The animals considered are the deer, rabbit, equines, chickens, weasels, cats, turtles, and snails. While it is possible to demonstrate an increase in size for sheep, that for goats and cattle is more problematic, although an introduction of cattle from Tharros, Sardinia, would have been desirable. Changes of exploitation can be seen with the introduction of consumption of dogs, and of fishing, fish here including cetaceans.

The last Catalan article, Denes púniques de pasta de vidre a Menorca: el conjunt del cercle 7 de Torre d’en Galmés by Ferrer Rotger & Riudavets González concerns the discovery of glass and faïence beads at Cercle 7. The abrupt abandonment of the site has provided archaeologists with an unusual opportunity to explore an almost intact settlement, leading to the discovery of 42 beads of probable Ibizan origin and some cockle shells. These beads may have been regarded as status objects, as they accompanied their owners after death, frequently being found in necropoli with possible apotropaic function, with until now only small numbers found in domestic settings. At Cercle 7, the clustering of the finds suggests a perishable material was used to link them together, and their location inside the cercle could indicate they were elements in daily life.

Staying with cercles, Torres Gomariz in, Cercles menorquins: aproximación a la influencia de la arquitectura púnica en las viviendas postalayóticas de Menorca, examines the living quarters. From the 6th century, changes can be seen in the Menorcan way of life, in particular in housing, due to the increasing Punic-Ibizan influence. Menorcan cercles have been a subject of intense interest to antiquarians and archaeologists for 200 years, being finally recognised as ‘standardised domestic units’ in the early 1960s. The model for this standardisation can be matched against other Punic examples in Sicily and North Africa, some Menorcan examples even adopting the opus africanum method of wall construction. The layout of the house, with rooms around a central ‘patio’ reflects the newly fragmented social structure. The unequal commercial exchanges with the Phoenicians may have been the catalyst behind the formation of an hierarchical society.

The last article of this book by Torres, Obrador & De Nicolás called Ba’al-Hammon, Caelestis y el dios del plenilunio en el santuario con taula de Son Catlar (Ciutadella) demonstrates the continuing polyglot nature of life in Menorca. Two stones bearing inscriptions in the Latin script were found in the 1920s at Son Catlar. A further stone with Latin script, but Punic content, and a fourth stone with a 2nd century Punic inscription have since been found. Tanit, renamed as Caelaes(tis), through a last minute correction has been dated to the 2nd century AD. The first two inscriptions mentioned reading LACESE and LACESEN respectively could be interpreted as being addressed, in Punic with Latin letters, to the moon god. Besides these four inscriptions on stone, is another written in the Punic script on an ostracon, and in the Greek alphabet dedicated to Diodorus, perhaps to be interpreted as ‘Gift from Baal’. Examples of the name, Caelaestis, in mainland Spain, appear in fully Romanised urban settings. Associated with the sanctuary at Son Catlar is a cistern perhaps for ritual use. Secondary symbols of the gods, bulls for Baal and perfume burners for Tanit, appear in numerous other places in Menorca, showing the importance of Punic religion there.

Pete Missingham – University of Bristol.

Acessar publicação original

[IF]

Tags: Arqueologia, Centro de Estudios del Próximo Oriente y la Antigüedad Tardía de la Universidad de Murcia (E), Cultura Talaiotic, JIMÉNEZ H (Ed), Mallorca, MARTÍNEZ J J (Ed), Menorca entre fenicios y púnicos (T), Menorca entre fenicis i púnics (T), MISSINGHAM P (Res), Panta Rei – Revista Digital de Ciencia y Didáctica de la Historia (PR-RDCDH), Patrimônio, Povos Fenícios, Povos Púnicos, PRADOS F (ED)

Fabrício José Nazzari Vicroski é arqueólogo com doutorado em História pela Universidade de Passo Fundo e atualmente desenvolve seu pós-doutorado como pesquisador bolsista PNPD Capes. O atual livro tem como principal objetivo a divulgação científica da pesquisa arqueológica centrada em Porto Alegre e região metropolitana, e a delimitação temporal são os períodos pré-colonial e colonial com enfoque nos povos indígenas e afrodescendentes. O livro, assim como a pesquisa levantada para sua produção, são advindos da empresa Sírius Estudos e Projetos Científicos LTDA, com suporte do Núcleo de Pré-História e Arqueologia vinculado ao PPGH da Universidade de Passo Fundo.

A obra é dividida em duas partes, sendo a primeira sobre “O conhecimento arqueológico”. No início desse primeiro capítulo, o autor trata sobre a diversidade de fauna e flora na região, que propicia uma alta quantidade de sítios arqueológicos devido a grande movimentação sazonal desses grupos pesquisados. Pelo alto número de sítios arqueológicos na região (Vicroski dimensiona um número próximo a cem), o autor já levanta a pauta da importância da preservação dos mesmos pelas políticas públicas, questão levantada diversas vezes ao longo do livro.

Colocada a importância da preservação, o pesquisador demonstra a gama variada de pesquisas desenvolvidas por inúmeros colegas de ofício, delineando as que são de maior notoriedade: Gislene Monticelli, Júnior Domiks, Francisco Silva Noelli e outras instituições que apoiam e produzem pesquisas arqueológicas em Porto Alegre. A defesa do patrimônio arqueológico em conjunto com órgãos de fomento a cultura é um assunto extremamente importante levantado e defendido por diversos estudiosos da área, como Ulpiano Meneses (2007) e Ana Flávia Sousa Silva (2014), e também é uma discussão importantíssima dentro dos estudos históricos e percepção temporal, como escreve François Hartog (2006).

Vicroski indica que essas descobertas apontam para assentamentos humanos de ao menos 9000 anos de idade. Com essa grande periodicidade de tempo também é necessária uma divisão e classificação dos diferentes materiais a partir da cultura material, o que é feito em seguida. A distância temporal é utilizada para formular esta parte: o autor cita primeiro as mais distantes (com povos nômades caçadores e coletores) e por último as mais próximas, fazendo com que, no final do capítulo, o autor consiga estabelecer algumas trocas e relações culturais com o período colonial e com as culturas que perduram até os dias atuais, tal qual a cuia de chimarrão, que é uma herança do estilo de cerâmica e do consumo da erva de tribos jê e guarani.

Ademais, demonstra-se a disposição e movimentação geográfica destes povos nômades, posto que, a partir da organização e catalogação da cultura material, podemos identificar as informações necessárias através da cerâmica produzida e comparar com outras áreas e localidades onde peças com a mesma estrutura no formato e arte são encontradas. Desta forma, o autor cita povos indígenas de diversas áreas como a Argentina, Uruguai e até mesmo Amazônia, tornando explícitas as razões da região de Porto Alegre abrigar a vasta variedade arqueológica já citada anteriormente.

A segunda parte, “O conhecimento etnohistórico”, introduz questões acerca dos povos indígenas, africanos e afrodescendentes no período colonial, já se utilizando da história oral e escrita histórica preservada por esses povos ou relatos de contato com os mesmos. O autor deixa claro como os saberes indígenas foram de extrema importância para o início da colonização do local, já que tais populações possuíam vasto conhecimento da região que, por possuir extensa malha hidrográfica, necessitava de guias para a navegação fluvial.

A relação de conquista e demarcação territorial fez com que os grupos indígenas e europeus entrassem em conflito direto por todo o período colonial. Os indígenas se movimentaram sazonalmente e os colonizadores em contato acreditavam que eles estavam abandonando tais localidades e que não voltariam mais. Este desentendimento, assim como diversos outros problemas, provocou a guerra guaranítica, que levou vários indígenas à situação de cativeiro em missões sob regime de escravidão. Contudo, o pesquisador alerta que até hoje, através de resistências diversas, os indígenas nunca deixaram de frequentar a região de Porto Alegre e seus entornos. Logo, essa permanência pode ser traçada como contínua até os dias atuais, como exemplificado pelo artesanato e agricultura.

Os povos africanos e afrodescendentes também são apresentados, já no final do livro, como essenciais para um entendimento etno histórico mais aprofundado não somente da região porto alegrense, mas também do próprio estado do Rio Grande do Sul, posto que são encontrados quilombos em diversas regiões.

O autor explora como esses grupos resistiram e se apresentam até os dias atuais como produtores essenciais nos inúmeros setores econômicos da cidade, como as atividades domésticas nos meios rural e urbano. O autor ainda salienta que a luta de tais grupos tem sido frutífera, já que através delas conquistaram suas terras historicamente ocupadas. Vicroski dá enfoque ao Quilombo da Anastácia, pioneiro na luta pelos direitos a posse de propriedade quilombola e auxiliou diversos quilombos vizinhos a se estabelecerem formando uma cadeia de suporte mútuo.

A conclusão do livro se propõe a arrematar as reflexões e destacar a diversidade da região, além de ressaltar a etno-história, em conjunto com a arqueologia, como campos do conhecimento chaves para revelar essa diversidade, que torna não somente a sociedade mais tolerante por reconhecer seus traços culturais, históricos e genéticos, como mais perceptiva com sua própria história, reconhecendo esses grupos indígenas e afrodescendentes.

Vicroski obtém sucesso com o objetivo deste livro, demonstrando conhecimento da produção acadêmica sobre o assunto e explicando suas ideias com linguagem didática, lançando mão de imagens e raciocínios leves, para que quem não tem contato com o trabalho desenvolvido tenha um vislumbre básico, mas repleto de conteúdo substancial. O pesquisador se debruça sobre uma importante tarefa, cada vez mais necessária nos dias atuais: a divulgação das ciências humanas e a reafirmação da importância desses saberes. Em momentos não tão otimistas como os quais se vive atualmente, em que bolsas de estudo são cortadas (PORTARIA…, 2020) sem motivo justificável ou em que autoridades se manifestam contra a preservação de sítios arqueológicos em tom jocoso (SPERB, 2019), divulgar a importância da pesquisa na construção de um país mais igualitário é essencial.

Referências

HARTOG, François. Tempo e Patrimônio. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 22, n. 36, p. 261-273, 2006.

SILVA, Ana Flávia Sousa. Complexo Arqueológico Serra do Morcego, Caxingó (PI): proteção, conservação e manejo de sítios arqueológicos de registros rupestres. 2014. 150 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia e Arqueologia) – Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2014.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Premissas para a formulação de políticas públicas em Arqueologia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 33, p. 37-57, 2007.

PORTARIA da Capes corta bolsas de diversos programas de pós-graduação. Andes, 24 mar. 2020. Acesso em: 08 jul. 2020.

SPERB, Paula. Cocozinho petrificado de índio barra licenciamento de obras, diz Bolsonaro. Folha de S. Paulo, 12 ago. 2019. Acesso em: 08 jul. 2020.

Bruno Stori –  Estudante do 5º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.

Helena Putti Sebaje da Cruz – Estudante do 3º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.

Kauana Silva de Rezende – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.

Walter Ferreira Gibson Filho – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná. É bolsista do PET História UFPR.


VICROSKI, Fabrício José Nazzari. Breve contextualização arqueológica e etnohistórica de Porto Alegre e região. Porto Alegre: Sírius Estudos e Projetos Científicos, 2020. Resenha de: STORI, Bruno; CRUZ, Helena Putti Sebaje da; REZENDE, Kauana Silva de; GIBSON FILHO, Walter Ferreira. Cadernos de Clio. Curitiba, v.9, n.1, p.144-149, 2018. Acessar publicação original [DR]

BENITO, Augustin Escolano. A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas: Alínea, 2017. Resenha de: MAGALHÃES, Justino. Revista Brasileira de História da Educação, n.18, 2018.

Este livro é uma tradução do título La escuela como cultura: experiencia, memoria, arqueologia, de Agustín Escolano Benito. A tradução foi feita por Heloísa Helena Pimenta Rocha (UNICAMP) e Vera Lucia Gaspar da Silva (UDESC). No Prefácio, Diana Vidal adverte o leitor que, pelo tema, pela escrita do autor e pelo enlevo da leitura, está perante um livro ‘inescapável’. Na Apresentação, as tradutoras previnem que, na migração entre as duas línguas, a tradução foi por elas pensada como interpretação e adaptação consciente, no esforço de “[…] compreender as reflexões do autor e torná-las compreensíveis” (Escolano Benito, 2017, p. 18).

O livro é composto por Introdução – A escola como cultura– e quatro capítulos: Aprender pela experiência; A práxis escolar como cultura; A escola como memória; Arqueologia da escola. Termina com Coda: cultura da escola, educação patrimonial e cidadania.

Qual é o objecto do livro que Agustín Escolano agora publica? Em face do título enunciado, através da comparação A escola como cultura, o que fica de facto resolvido no livro – o assunto escola ou o objecto cultura? E o que contém o subtítulo Experiência, memória e arqueologia, que relação há entre estes enunciados? Mais: Que relação entre o subtítulo e o título? O subtítulo reporta à escola ou à cultura? Ou aos dois termos, estabelecendo dialéctica através de ‘como’, ou seja, dando curso à comparação? Experiência, memória e arqueologia não são termos de igual natureza, nem de igual grandeza. Reportarão a um mesmo referente? A escola é parte da vida e foi experienciada ou mesmo experimentada pelos sujeitos, individuais ou colectivos. Daqui decorrem marcas que constituem memória – a experiência. A arqueologia reporta à materialidade e simbologia que ganham significado a partir de um olhar externo, deferido no tempo. A operação arqueológica permite a (re)significação de marcas que sejam apenas reminiscências.

A interpretação mais subtil para o título reside porventura na capacidade ardilosa e densa de Agustín Escolano em conciliar educação e história através da escola como cultura. A substância e o sentido da escola residem na cultura. Em cada geração, foi como cultura que a escola se substantivou, e foi como experiência que se tornou significativa. Para as gerações actuais, a escola é cultura e experiência, mas é também memória e arqueologia. Como refere o autor, a escola-instituição foi por diversas vezes questionada, mas a educação precisou (e precisa) da escola, como fica assinalado pela confluência de diferentes variações pedagógicas.

A história e a historiografia acautelaram essencialmente o institucional. Agustín Escolano entende, todavia, que é fundamental e significativo no plano educacionale de cidadania salvaguardar o cultural. A cultura escolar apresenta materialidade e historicidade, constituindo uma fenomenologia do educável e desafiando a uma hermenêutica como currículo e como representação. Dialogando com uma constelação de disciplinas é na etno-história que o autor encontra a ‘episteme’ e a matriz discursiva para o estudo que apresenta.

Pode aventar-se que este livro é um ensaio-manifesto. Agustín Escolano procura dar nota de uma genealogia e de uma evolução da cultura e da forma escolar, compostas por distintas dimensões processuais e orgânicas, e comportando descontinuidades, contextualizações, adaptações que não comprometeram o que frequentemente designa de ‘gramática da escola’ ou de ‘forma escolar’. Refere que esse historial está plasmado nas narrativas sobre experiências e modalidades orgânicas, nos restos materiais e arqueológicos sobre a realização escolar, nas memórias individuais e colectiva, enfim, na arqueologia como substância e método para a reconstituição e a interpretação do passado. Tal como a entende Escolano, a etno-história congrega estas distintas instâncias, devidamente apoiada na arqueologia, na fenomenologia e iluminada por um labor hermenêutico, aberto à complexidade e à interdisciplinaridade.

A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia contém uma história da escola, mas é sobretudo uma argumentação sobre a articulação entre escola e cultura e sobre a (re)significação da história-memória da escola como cidadania.

Na Introdução, o autor procura justificar o título do livro focando-se no enunciado ‘a escola como cultura’. Incide fundamentalmente sobre as práticas, posto que são inerentes ao escolar e, em seu entender, não têm sido objecto de um labor apurado por parte da teoria educativa e da história. Tal vazio constata-se no que reporta aos fundamentos, mas torna-se sobretudo notório no que respeita à recepção, seja esse vazio alocado às instituições ou à mediação e adaptação de conteúdos e práticas por parte dos professores, ou seja, por fim, às práticas incorporadas e apropriadas enquanto pragmática da educação. O autor chama a si o ensejo de dar a conhecer como a práxis escolar se constituiu em cultura.Inerente à práxis, sua evolução e sua conceitualização, está uma praxeologia resultante de uma depuração e de uma espécie de darwinismo que intriga o autor. Se em cada momento a pragmática educativa foi um habitus, há que analisar a evolução semântica desta constante.

No primeiro capítulo ‘Aprender pela experiência’, Agustín Escolano coloca a inevitabilidade da inscrição espacial e temporal das práticas, mas admite também a linha de continuidade, sem o que não será possível uma racionalidade inerente à prática. Partindo da figura do professor, reforça a noção de experiência como contraponto à focalização externa. Recorrendo a Michel de Certeau, refere que as circunstâncias não actuam fora de um racional. A constituição da práxis em cultura e da cultura em experiência são inerentes ao escolar – “Como instituição social, a escola abriga entre seus muros situações e ações de copresença, que resultam em interações dinâmicas” (Escolano Benito, 2017, p. 77). A cultura escolar congrega aspectos vários, incluindo a dimensão corporativa e a grande parte das práticas escolares integram um “[…] regime de instituição” (Escolano Benito, 2017, p. 88). A cultura empírica da escola constitui uma ‘coalizão’ nomeadamente entre ideais, reformas educativas, ritos e normas, práticas experiências profissionais.

No segundo capítulo ‘A práxis escolar como cultura’, o autor procura inquirir em que medida a pedagogia como ‘razão prática’ poderá explicar ou governar a esfera empírica da educação, pois que, como disciplina formal e académica, tem permanecido associada aos sectores político-institucional. Nesse sentido, a cultura empírica afigura-se como ingénua e não científica, e o seu valor etnográfico reside no plano descritivo, a que foi sendo contraposta uma racionalidade burocrática. Numa perspectiva sócio-histórica, a escola é uma construção cultural complexa que seleciona, transmite e recria saberes, discursos e práticas assegurando uma estabilidade estrutural e mantendo uma lógica institucional. Mas, para Agustín Escolano, em articulação com a cultura empírica da escola desenvolveram-se duas outras culturas: “[…] uma que ensaiou interpretá-la e modelá-la com base nos saberes (cultura académica) e outra que intentou governá-la e controlá-la por meio dos dispositivos da burocracia (cultura política)” (Escolano Benito, 2017, p. 119). Na sequência, retoma vários contributos que convergem na centralidade da cultura empírica associada ao ofício docente, seja referindo-se-lhe, entre outros aspectos, como arte e ‘tato’/ prhónesis, seja referindo-se à formalidade escolar como gramática e ao recôndito da sala de aula como ‘caixa-negra’. Centra-se, por fim, no binómio hermenêutica/ experiência, associado à narratividade dos sujeitos, para sistematizar o que designa de etno-história da escola, cujas orientações metódicas resume a: estranhamento, intersubjectividade, descrição densa, triangulação, intertextualidade.

O capítulo 3, ‘A escola como memória’, permite ao autor glosar o que designa de hermeneutização das memórias – assim as dos professores, quanto as dos alunos. São diferentes quadros em que o material e o simbólico se cruzam, permitindo sistematizar o que Agustín Escolano designa de ‘padrões da cultura escolar’: atitudes, gestos, formas retóricas, formas de expressão matemática. “A escola foi das instituições culturais de maior impacto no mundo moderno” (Escolano Benito, 2017, p. 202), pelo que a memória escolar é interpretação e pode ser terapia. Hermeneutizar as memórias escolares é retomar as pautas antropológicas de pertença e é valorizar uma fonte de civilização.

Se toda a obra vai remetendo para o CEINCE – Centro Internacional de la Cultura Escolar – do qual Agustín Escolano é fundador-director –, o quarto capítulo, ‘Arqueologia da escola’, é um modo sábio e fecundo de apresentar, justificar e conferir valor patrimonial e significado educativo a um Centro de Cultura e Memória da Escola, na sua materialidade e na profunda razão de ser como lugar de história e antropologização da história, e como fonte de subjectivação. Repegando a arqueologia como desígnio, são ilustradas de modo singular as virtualidades do CEINCE.

Em modo de epílogo, o autor escreve ‘Coda – cultura da escola, educação patrimonial e cidadania’, na qual dialoga com a moderna museologia, buscando lugar, sentido e significado para a preservação do passado. Que fazer com os testemunhos do passado? Agustín Escolano, com legitimidade e com a propriedade que lhe assiste, não hesita em contestar a estreiteza da memória oficiosa da escola, que poderá servir objectivos de governabilidade da educação e até alguns ensejos patrimoniais, mas o Museu investe-se de novo sentido na medida em que combine o racional e o emocional, tornando possível uma educação patrimonial. A memória escolar é pertença de todos e a todos respeita.

Por onde viajam o pensamento e a escrita de Agustín Escolano? Como constrói o discurso, alimenta o texto, fundamenta o argumento? Que unidade no diverso? Que dialéctica? Ensaio, manifesto, narrativa? Originalidade, glosa, réplica?

Este livro é formado por textos que têm um mesmo quadro de fundo. Há referências de assunto e de autores que se repetem, dando a cada capítulo uma unidade. Mas há uma trama, uma unidade de conjunto, uma sequência e uma ordem que consignam o livro. O argumento evolui para a arqueologia como materialidade-testemunho e como ciência-tese. Preservar e hermeneutizar – eis dois verbos-chave para (re)significar a memória escolar. A história da escola é formada por permanência e mudança.

Agustín Escolano dialoga antes de mais consigo próprio, gerando enigmas, esboçando uma trama, fazendo evoluir uma tese. Os autores que revisita (e são muitos – porventura todos os que, domínio a domínio, podem ser tomados como principais) são interlocutores cujos enunciados servem o texto do autor, sem prevalências nem rebates desnecessários. São personagens de uma peça maior, quiçá interdisciplinar, que é a cultura escolar, ou melhor, a escola como cultura. Agustín Escolano escreve sem reservas. Referenciou os principais autores e compendiou os assuntos nucleares. Mas, sobretudo, escreve com a propriedade que lhe advém de uma tão ampla como aprofundada cultura erudita e pedagógica. Escreve com a soberania que lhe assiste enquanto senhor de uma materialidade e de uma cartografia representativas do institucional escolar, tal como foi sendo constituído, concretizado, globalizado desde a Antiguidade Clássica.

A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia é fundamental e disso se apercebe o leitor desde a primeira página. Não é necessariamente um livro consensual, mas um bom mestre é-o enquanto senhor de uma verdade que serena e fomenta novas questões. Agustín Escolano é mestre-exímio. Assim o presente livro seja acolhido com as virtualidades que lhe cabem.

Justino Magalhães – Historiador de Educação. Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Investigador Colaborador do Centro de História da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia

Castillo de Mora de Rubielos./ Imagen cedida por Shutterstock. https://www.lugaresconhistoria.com/

Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia
ASOCIACIÓN para la Recuperación de los Castillos Turolenses [ARTC]. Castillos de Teruel. Historia y Patrimonio. (Actas de las I Jornadas Castillos de Teruel: de la puesta en valor a la didáctica). Mora de Rubielos:  Qualcina, 2018. 95p. Resenha de: JIMÉNEZ, Miguel Ángel Pallarés. Clío – History and History Teaching, Zaragoza, n.44, 2018.

La provincia de Teruel, la más meridional de las tres que conforman la Comunidad Autónoma de Aragón, ha sido escenario de numerosos conflictos bélicos desde la Alta Edad Media hasta la última Guerra Civil, por lo que la arquitectura defensiva ha sido una constante de su paisaje humano; de hecho, están documentadosen su territorioalrededor de 600 puntos fortificados datados entre el siglo X al XIX, desde la época andalusí hasta las Guerras Carlistas. Son por tanto uno de los elementos más característicos del patrimonio histórico y cultural turolense, y en su restauración y conservación se ha realizado un gran esfuerzo en las últimas décadas, con vistas a su preservación y a su rentabilización como recurso económico, dado el interés que estas construcciones suscitan en la sociedad actual.

De ahí que la Asociación para la Recuperación de los Castillos Turolenses (ARCATUR), Qualcina. Arqueología, Cultura y Patrimonio, y Acrótera Gestión del Patrimonio, promovieran las “I Jornadas Castillos de Teruel”, celebradas en la fortaleza de Mora de Rubielos los días 19 y 20 de octubre de 2018, para tratar sobre la puesta en valor de estos edificios, que suponen los principales recursos turístico-culturales de las localidades donde se levantan; de manera muy acertada, las actas de dicho encuentro fueron distribuidas allí entre los asistentes, de manera que éstos pudieron contar in situ con el material expuesto en las ponencias, reunido en el libro que aquí reseñamos. Esto es algo muy a tener en cuenta, puesto que estamos acostumbrados a que los trabajos presentados a coloquios o congresos relacionados con las Ciencias Sociales tarden en ser publicados un tiempo(a veces más dilatado que lo que sería recomendable), por lo que se pierde frescura y novedad cuando pueden ser por fin leídos.

Además, Castillos de Teruel. Historia y Patrimonio, libro que recoge dichas actas yque ha sido editado con la ayuda del Gobierno de Aragón, la Diputación de Teruel, el Grupo de Investigación ARGOS de la Universidad de Zaragoza y los distintos entes municipales que poseen fortificaciones y aparecen en el libro, cuenta con un formato muy manejable y atractivo, con una tipografía amable y un destacado apartado gráfico, con numerosas fotografías actuales a color, mapas de situación del Instituto Geográfico Nacional; y cartografía base, planos y plantas de las distintas fortalezas, materiales que en algunas ocasiones son antiguos, como lo son algunos grabados y fotografías en blanco y negro que se incluyen. Para una mayor utilidad de la publicación, se han incluido al final de cada capítulo dos prácticos apartados: “Para saber más”, donde se cita una sucinta bibliografía relacionada con cada castillo; e “Información útil”, donde se muestran los horarios de apertura para visitar dichos edificios y los teléfonos de contacto de quienes se encargan de mostrarlos.

Tras una breve presentación a cargo de Rubén Sáez Abad, presidente de ARCATUR, donde se advierte del variado origen y tipología de la arquitectura castral turolense, y se confirma la aspiración de que sean motor de desarrollo en los lugares donde se asientan; se da paso a una visión de conjunto firmada por dicho autor, Jesús Franco y Javier Ibáñez, profesores de Didáctica de las Ciencias Sociales e Historia del Arte de la Universidad de Zaragoza, respectivamente; en este capítulo se hace un repaso de las distintas fortificaciones turolenses, agrupados por comarcas, según la relación de castillos y su localización, registrada en la Orden de 17 de abril de 2006 del Departamento de Educación, Cultura y Deporte del Gobierno de Aragón.

Se ofrece a continuación una visión actualizada de la información histórica, patrimonial y turística de nueve fortalezas punteras de la provincia, que tienen en común que son visitables tras dicho esfuerzo restaurador y el pertinente acondicionamiento de sus instalaciones: a cargo del citado Javier Ibáñez, los castillos de Mora de Rubielos y Alcalá de la Selva, en el segundo caso en colaboración de José F. Casabona; el dePuertomingalvo, de estos dos autores y Ruben Sáez; el de Castellote, firmado por Casabona; el de Albarracín, de Antonio Jiménez Martínez; el de Peracense, de Jesús Franco y Antonio Hernández Pardos; el de Alcañiz, de José Antonio Benavente; el de Albalate del Arzobispo, de Marta Clavería; y el de Valderrobres, de Manuel Siurana.

Cierra el libro un capítulo que redondea la obra, “Interpretación y didáctica en recintos fortificados”, escrito por Jesús Franco y Darío Español, también profesor de Didáctica de las Ciencias Sociales de la Universidad de Zaragoza. Exponen estos autores que se lleva un tiempo trabajando en la dinamización de una serie de castillos de Teruel y, para que el esfuerzo sea óptimo, el patrimonio ha de ser gestionado correctamente (sea desde ámbitos públicos o privados), sin perder el hilo de la definición de los objetivos que se pretenden, a saber: la investigación, la conservación y la comunicación global del patrimonio, punto último que pretende la notoriedad (que nos conozcan y sepan qué actividades realizamos), influir en la imagen mental que los demás tienen de nuestro patrimonio y un interés comercial.

Aparte del esfuerzo divulgador, que no asegura la asimilación de la información, la educación patrimonial tiene que basarse en la interpretación y la didáctica. El hecho de poder visitar una de estas fortalezas ya tiene un potencial didáctico muy potente,pero no suficiente, por lo que se deberían establecer actividades interpretativas que permitieran ampliar conocimientos, a la vez que aportaran valores de conservación y respeto al patrimonio; de hecho, los recursos informativos pasivos (paneles, maquetas, visitas o recursos audiovisuales o informáticos en lo que no hay opción de interacción) son mucho menos efectivos que los activos (talleres, recreación de procesos, juegos de simulación, representaciones, realidad virtual, etc.). Por ello, Franco y Español proponen dos de los activos como herramientas poderosas de dinamización e interpretación de los recintos fortificados turolenses: la recreación histórica (o “reenactment”) y los recursos digitales, que permitan la reconstrucción de escenas históricas, la recreación y restitución de espacios patrimoniales, geolocalizadores, etc.; siguiendo el modelo estadounidense de los museos al aire libre, que fue adoptado muy pronto en Centroeuropa. Para los autores, la didáctica del patrimonio tiene que considerar a los castillos una fuente primaria a analizar, con una carga de valores identitarios y empáticos vinculada a la localidad donde se halla, lo que es palpable en el territorio turolense; siendo la interpretación el instrumento adecuado para decodificar la realidad patrimonial. Si los modelos son adecuados y creativos, bien diseñado el programa didáctico y la difusión, la atracción turística estaría asegurada, además de servir de acicate a la investigación y divulgación de la historia de dichos castillos y su territorio.

Miguel Ángel Pallarés Jiménez – Universidad de Zaragoza, Grupo de investigación ARGOS. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

FERREIRA, Luiz Fernando; REINHARD, Karl Jan; ARAÚJO, Adauto (Orgs.). Fundamentos da Paleoparasitologia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 483 páginas, 2011. Resenha de: MARTIN, Gabriela. Clio Arqueológica, Recife, v. 32, n. 1, p. 189-191, 2017.

A Paleoparasitologia tem-se desenvolvido amplamente no Brasil nas últimas décadas, e esse avanço deve-se em grande parte aos trabalhos dos pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, sediada no Rio de Janeiro.

Desde o edifício de arquitetura eclética, conhecido como Castelo Mourisco e que se destaca na paisagem de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro, os pesquisadores que organizaram a obra que aqui resenhamos foram pioneiros no Brasil ao tratar de uma ciência que hoje representa um pilar inamovível no estudo da Pré-história. Das ciências propedêuticas da Arqueologia, é a Paleoparasitologia a disciplina que, junto à Antropologia Física, mais auxilia no estudo e no conhecimento do homem antigo.

Trinta e um autores participam de Fundamentos da Paleoparasitologia, que, com 28 trabalhos de síntese, compõe a coletânea mais completa já publicada sobre o tema no Brasil e extrapola o conhecimento puramente parasitológico para adentrar nas origens e nos caminhos seguidos pelo Homo sapiens no povoamento das Américas.

O livro está dividido em quatro partes claramente diferenciadas. Na primeira, os oito artigos incluídos no item Os Parasitos, Hospedeiros Humanos e o Ambiente apresentam um viés histórico, que se completa com o artigo Parasitos como Marcadores de Migrações Pré-históricas, de autoria de Adauto Araújo, Karl Jan Reinhard, Scott Gardner e Luiz Fernando Ferreira, trabalho especialmente importante para os arqueólogos.

A Parte II versa sobre Vestígios de Parasitos Preservados em Diversos Materiais, Técnicas de Microscopia e Diagnóstico Molecular, com 11 artigos que nos informam sobre os diversos materiais onde os parasitos são detectados, âmbar incluído. A Parte III, denominada O Encontro de Parasitos em Material Antigo: Uma Visão Paleogeográfica, relaciona os mais importantes achados arqueológicos nos cinco continentes. Finalmente, essa importante obra encerra-se na Parte IV, intitulada Estudos Especiais e Perspectivas, com trabalhos sobre documentação histórica e métodos em Paleoepidemiologia.

Fundamentos da Paleoparasitologia é sem dúvida um dos grandes logros da Fiocruz e uma obra que não deve faltar na biblioteca de pré-historiadores e arqueólogos em geral.

Gabriela Martin – Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação Patrimonial, UFPE. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

OVADIAH, Asher; TURNHEIM, Yehudit. Roman Temples, Shrines and Temene in Israel. Roma: Giorgio Bretschneider Editore, 2011. 155páginas e 78 pranchas. Resenha de: BASTOS, Marcio Teixeira. Espaços sagrados na Palestina romana: arqueologia, imperialismo e a multiplicidade ritual no Oriente Médio. Topoi v.17 n.32 Rio de Janeiro Jan./June 2016.

Asher Ovadiah e Yehudit Turnheim oferecem um trabalho pioneiro de pesquisa que contribui amplamente para o estudo da arquitetura e da cultura material associada aos lugares de culto em Israel; assim como para a investigação das distintas manifestações daquilo que foi considerado sagrado no período romano e a ocupação das múltiplas topografias na região. Este é o primeiro livro a tratar da arquitetura dos templos erigidos em Israel e da cultura material associada a ocupação dos templos, santuários e témenos no período romano (em seu contexto maior, a parte sul da extensa Província da Síria Romana e suas consequentes transformações). O estado de conservação dos sítios arqueológicos, o número limitado de escavações e a escassez de publicações sobre templos romanos escavados nessa parte do império são obstáculos que limitam a imagem e abrangência do esforço de abordagem feito pelos dois arqueólogos da Universidade de Tel Aviv na tentativa de reconstrução de práticas e lugares de culto em Israel durante esse período. A faixa cronológica dos templos, santuários e témenos discutidos neste livro se estende ao longo de um período que compreende desde o reinado de Herodes até o início da dinastia Dioleciana (primeiro século AEC até terceiro século EC).

Os autores decidiram não separar a discussão entre santuários e templos, e em alguns casos eles são apresentados conjuntamente. Um olhar apurado sobre a lista apresentada na obra mostra claramente quão variado e diferentes entre si são estes complexos. O livro é dividido em duas partes distintas: na primeira, são abordados onze sítios arqueológicos e seus respectivos santuários e templos; na segunda parte, é apresentada uma discussão de treze outros lugares, baseada essencialmente em fontes históricas, literárias, epigráficas e numismáticas, mais do que em vestígios das edificações nos sítios arqueológicos na região. Convém salientar que alguns dos sítios abordados nunca foram escavados, como é o caso da Caverna de Elijah, no Monte Carmelo; e outros sítios arqueológicos escavados não têm até hoje seus resultados completos de escavação publicados. Esse é o caso do santuário de Paneas (Banias), e dos três templos localizados em Citópolis (Beth Shean), que foram escavados há mais de dez anos e ainda aguardam a publicação completa e resultados finais dos trabalhos executados.

Nesse mesmo sentido, os autores apresentaram crítica ao trabalho desenvolvido pela Universidade de Minnesota no templo de Omrit, na Alta Galileia, salientando que até aquele momento nenhum resultado havia sido publicado sobre o sítio. Contudo, durante o mesmo ano de edição do livro aqui resenhado, Andrew Overman e Daniel Schowalter publicaram os resultados preliminares das escavações no templo de Omrit (J. Andrew Overman e Daniel N. Schowalter, The Roman Temple Complex at Horvat Omrit: An interim report, BAR International Series 2205). A crítica de Ovadiah e Turnheim não ficou sem resposta. Dois anos depois, Andrew Overman em resenha para o Journal of Roman Archaeology (2013, vl. 26, p. 877-878) procurou rebater as assertivas analisando o livro dos autores. Por sua vez, Arthur Segal, da Universidade de Haifa, em resenha publicada em 2011 (Roman Temples, Shrines and Temene in Israel, Israel Exploration Journal, v. 61, n. 2, p. 242-246) já havia alertado para a dificuldade que os autores enfrentaram na tentativa de proporcionar uma imagem balanceada do que foi denominado como “Arquitetura do Culto Romano em Israel”. Apesar de tais críticas, é preciso salientar que, em função do quadro variado e obstáculos de acesso à informação, Ovadiah e Turnheim chegaram à conclusão de que não é aconselhável, para o momento, estabelecer uma tipologia de construção para as edificações dos templos e santuários romanos em Israel.

Na primeira parte do livro (que corresponde a onze sítios arqueológicos) são abordados: 1 – Paneas-Banias / Cesareia Philippi; 2 – Horvat Omrit; 3 – Templo de Baal Shamin, em Kedesh; 4 – Beth Shean / Citópolis; 5 – Caverna de Elijah, Monte Carmelo; 6 – Dor; 7 – Cesareia Marítima; 8 – Samaria-Sebaste; 9 – Templo de Zeus Hypsistos, Monte Gerizim; 10 – Jerusalem / Aelia Capitolina; 11 – Témenos de Elonei Manre e Me’arat Hamachpelah / Tumba dos Patriarcas, em Hebrom. Já na segunda parte os treze lugares que compõem a obra são apresentados sob o título “Varia“. São eles: Keren Naphtali / Khirbet Harrawi; Bethsaida; Hippos / Sussita; Tiberíades; Beset; Acre (Akko) / Ptolemais; Antipátrida (Aphek) / Antipatris; Jaffa / Jope; Beth Guvrin / Eleutheropolis; Ascalon / Askelon; Gaza; e Elusa / Halutza. O Epílogo finaliza o livro e um apêndice sobre as fontes literárias, bem como a reprodução das fotos dos sítios arqueológicos, são providos no final da obra.

Os templos e santuários dedicados a Pan e outros deuses, situado no sopé da caverna de Paneas em Banias, na Alta Galileia, é um local que formou, na Antiguidade, um fascinante complexo religioso. Porém, como referido, poucos resultados das escavações foram publicados em mais de dez anos após o fim das atividades. Nesse sentido, merece destaque o estudo da cerâmica ritual encontrada no sítio. O estudo feito por Andrea Berlin, da Universidade do Minnesota, em The Archaeology of Ritual: The Sanctuary of Pan at Banias/Caesarea Philippi apresenta excelente descrição das possíveis atividades realizadas no local. Nesse contexto de escassez de publicações, a descrição do sítio apresentada por Ovadiah e Tunheim é uma fonte essencial para compreender o espaço, uma vez que tem por base, principalmente, os relatórios preliminares de escavação, além da obra de Zvi Uri Ma’oz, Baniyas in the Graeco-Roman Period: A History Based on the Excavations. No livro é possível encontrar uma análise das fontes escritas, epigráficas e numismáticas relacionadas com o sítio. Os autores procuraram utilizar toda a informação disponível, a fim de proporcionar, na medida do possível, uma imagem objetiva dos templos e santuários descritos nessa obra.

Observe a imagem e descreva como são feitos os estudos de arqueologia

Figura 1 Santuário de Omrit, Alta Galileia (Foto: Marcio Teixeira Bastos)

No santuário de Omrit, que ainda passa por escavações realizadas pela equipe da Universidade de Minnesota (Macalester College), foram descobertos três templos romanos. O templo mais antigo foi erguido no primeiro século AEC, talvez nos tempos de Herodes. O segundo, que teve um plano tetrastilo períptero, foi construído no final do primeiro século AEC ou início do primeiro século EC, enquanto o terceiro templo, com um plano hexastilo períptero, seria uma expansão de seu antecessor e teria sido construído no decorrer do segundo século EC. Mesmo que a escavação ainda esteja em curso, não há dúvidas de que este sítio é um dos mais impressionantes templos romanos encontrados em Israel. A respeito de Horvat Omrit, os autores inferem que possivelmente o sítio serviu como um claro referencial paisagístico, assim como para propósitos eróticos e orgásticos de culto. Contudo, nada em Omrit parece sustentar essa especulação e mais evidências são necessárias para tal inferência.

As escavações no magnífico templo de Hippos/Sussita e algumas recentes publicações têm consideravelmente impactado o modo como tem sido entendido e abordado o leste do mar da Galileia e as cidades da Decápolis, brevemente abordadas pelos autores no livro. Arthur Segal e uma equipe de pesquisa da Universidade de Haifa têm publicado consistentemente sobre o tema nos últimos anos (SEGAL, Arthur et al. Hippos-Sussita of the Decapolis. The first twelve seasons of excavations 2000-2011. v. I, Haifa: The Zinman Institute of Archaeology, University of Haifa, 2013 ).

Ainda na primeira parte do livro, uma detalhada descrição do Templo de Baal Shamin em Kedesh (escavado por Ovadiah, Fischer e Roll em 1984) é apresentada. Sem dúvida um trabalho de fôlego sobre um templo romano preservado em estado satisfatório (os resultados das escavação desse sítio foram publicados amplamente). A respeito da caverna no Monte Carmelo, o questionamento de Overman sobre a estrutura ali existente é válido: trata-se de templo, santuário ou témenos? Provavelmente nenhuma dessas opções, como Ovadiah e Turnheim afirmam, tendo em vista que não existe evidência da ocupação da caverna em período romano. Assim, as duas páginas sobre esse sítio dependem em maior medida de algumas fontes literárias, notadamente Tácito (Hist. 2.78), que também afirma não haver um templo no lugar, mas considera que a “tradição da Antiguidade” reconhecia no local a presença de um altar e associação sagrada.

Assim, conforme salienta Mircea Eliade em O sagrado e o profano: a essência das religiões, dentro das práticas de consagração dos espaços, a valorização e a desvalorização de locais sagrados organiza uma hierarquização dos lugares e dos territórios. Isto contribui para o fortalecimento e/ou enfraquecimento do referencial de territórios ocupados na composição dos espaços. A seleção e consagração dos lugares depende em maior medida da capacidade que uma dada modalidade do sagrado tem de criar tipos de associação e uma rede de memórias atreladas à irrupção do sagrado naquele determinado contexto. As edificações sagradas e, portanto, os lugares em que elas se encontram, contribuem para a inteligibilidade associativa do que é considerado sacro e do que é considerado profano.

Entre os capítulos VII e VIII, Ovadiah e Turnheim descrevem dois templos erigidos sob a patronagem de Herodes durante o primeiro século AEC em honra e culto ao imperador Augusto. Estes são o Augusteum de Cesareia Marítima e o Augusteum de Samaria-Sebaste. Contudo, as publicações sobre Cesareia Marítima são mais consistentes para os estudiosos que procuram aprofundar o entendimento a respeito do sítio (ver HOLUM, Kenneth et al. Caesarea reports and studies: excavations 1995-2007. Oxford: Archaeopress, 2008 e PATRICH, Joseph. Studies in the archaeology and history of Caesarea Maritima. Leiden; Boston: Brill, 2011). Apesar dos poucos itens de decoração arquitetônica desenterrados e dos comprometidos segmentos das paredes das fundações do templo, o esforço de pesquisa dos autores proporciona uma imagem crível do santuário, construído sobre uma plataforma artificial na costa do Mediterrâneo, a alguns metros do porto da cidade (nominado de Sebastos). Melhor preservado estava o Augusteum em Samaria-Sebaste, localizado no ponto mais alto da cidade, como parte de outro magnífico santuário. Embora escavado na primeira metade do século XX por equipes norte-americanas e britânicas, as pesquisas estão ainda em desacordo a respeito dos estágios de construção e do plano do templo (REISNER, George Andrew; FISHER, Clarence Stanley; LYON, David Gordon. Harvard Excavations at Samaria, 1980-1910. Cambridge: Harvard University Press, 1924, 2v.; CROWFOOT, John Winter; KENYON, Kathleen Mary; SUKENIK, Eleazar Lipa. The Buildings at Samaria I. London, Palestine Exploration Fund, 1942; Netzer, E. The Augusteum at Samaria-Sebaste: A New Outlook. Eretz-Israel, v. 19, 1987, p. 97-105). O livro de Ovadiah e Turnheim oferece aqui um excelente material comparativo e elucidativo para compreender a questão.

Pouco restou do templo de Zeus Hypsistos, escavado em Tell er-Ras em Monte Gerizim. Entretanto, a escavação e a riqueza de informações numismáticas e das fontes históricas permitiram uma reconstrução dos planos do santuário e do templo (MAGEN, Yitzhak. Mount Gerizim; MAGEN, Yitzhak. Flavia-Neapolis, Shekhem in the Roman Period. Jerusalém: Israel Exploration Society, 2005). O templo teria um plano tetrastilo períptero, com o santuário retangular construído em dois níveis. Esse templo contava com uma via de procissão (a via sacra) que consistia basicamente em uma longa escada sobre a íngreme encosta da montanha conduzindo diretamente ao santuário no topo do monte. A via sacra ramificava-se a partir da principal via colunata da cidade. No que diz respeito aos quatro templos erigidos em Jerusalém, após ser refundada e renomeada como Élia Capitolina (Aelia Capitolina) em 130 EC, estes lugares foram dedicados às divindades de Zeus/Júpiter, Aphrodite/Venus, Asclepius/Serapis e Tyche/Fortuna, respectivamente. A informação sobre estes templos deriva essencialmente de fontes históricas, literárias e numismáticas, uma vez que pouquíssimos vestígios arqueológicos restaram destas edificações, em grande medida devido ao processo de cristianização da Palestina a partir do quarto século EC. Nesse sentido, assim como a Caverna de Elijah, no Monte Carmelo, seria mais apropriado alocar estes lugares na segunda parte do livro.

A primeira parte do livro encerra-se com a discussão dos dois témenos encontrados nas imediações de Hebron: o témenos de Elonei Mamre e o de Me’arat Hamachpelah (Tumba dos Patriarcas). As edificações foram construídas no final do primeiro século EC, ao que parece no mesmo período em que foram construídos o Augusteum de Cesareia Marítima (e também o de Samaria-Sebaste). Porém, não existe uma relação objetiva entre estas edificações. Os témenos claramente possuem inspiração Oriental e consistem em duas praças retangulares abertas, formada por paredes com sólidos blocos de rocha. Nestes espaços reuniam-se os participantes das cerimônias comunais e ritualísticas. Novamente se torna pertinente a pergunta: como podemos diferenciar estas estruturas? Basicamente, a origem de témenos está associada à escrita micênica Linear B e seu conceito surge associado a um terreno delimitado e consagrado a um deus, portanto, excluído dos usos seculares. O conceito também pode aplicar-se ao topos do bosque sagrado, ou, de modo genérico, à sacralização de uma dada paisagem (Carl Jung em Psicologia y alquimia associa o termo ao conceito do circulo mágico, que atua como um espécie de “lugar seguro”, onde se pode “trabalhar” mentalmente). Contudo, o sentido atribuído a témenos pelos autores está ligado a uma porção de terra em um domínio oficial, especialmente separada para um basileo (soberano) ou anax (rei supremo). Cabe dizer que tal definição necessitaria estar mais evidente no texto.

Muito foi feito em relação ao estudo dos sítios arqueológicos na transição do período Helenístico para o período romano na região e um número cada vez mais elevado de publicações pode ser consultado pelos estudiosos que se dedicam a este amplo e importante tópico de pesquisa. Bem como todos os que pretendem aprofundar seus conhecimentos no tema. Dessa forma, o livro de Ovadiah e Ternheim fornece uma abordagem holística singular sobre o tema que habilita os estudiosos a traçar seus próprios caminhos de pesquisa. No entanto, entre os importantes sítios não contemplados neste livro, merece menção Sepphoris-Zippori, escavado por Zeev Weiss da Universidade Hebraica de Jerusalém, e a publicação do templo romano From Roman temple to Byzantine church: a preliminar report on Sepphoris in transition.

Na segunda parte do livro, treze lugares são abordados de maneira concisa. Embora breves, todas as descrições são baseadas em evidências históricas, epigráficas e numismáticas, com suas respectivas correspondências nos vestígios das edificações, quando presentes. O livro termina com um epílogo. A importância desta breve conclusão, de apenas seis páginas, reside principalmente na análise dos diferentes tipos de fontes empregadas pelos autores na pesquisa. São listados os nomes das dezoito divindades às quais os santuários e templos foram dedicados em Israel e a bibliografia é acompanhada na sequência pela organização de pranchas com ilustrações dos sítios arqueológicos abordados.

Ao final desta resenha é importante relembrar uma das observações presente no prefácio do livro: os sítios da região passaram por profundas modificações materiais ao longo dos séculos. De fato, a deterioração dos templos e santuários pela erosão e outros agentes naturais (entre os quais terremotos que atingiram a região), e a destruição causada por roubo e pilhagem na Antiguidade, bem como o surgimento e o crescimento do cristianismo, são fatores capitais de mudança. A paisagem da Palestina foi radicalmente transformada com a ascensão do cristianismo no Oriente, apropriando sítios, destruindo e reconstruindo templos e santuários, promovendo, assim, a ressacralização dos lugares. Alguns destes complexos religiosos foram deliberadamente “esquecidos” e/ou destruídos na Antiguidade Tardia (quinto e sexto séculos EC) por ordem das autoridades cristãs e imperadores bizantinos, ou convertidos em igrejas e monastérios. Outros tantos foram demolidos pelas gerações posteriores, ou passaram por distintos processos pós-deposicionais (desastres naturais, incêndios, conquistas etc.). Como afirmou Lucrecio, uma faísca aqui e outra ali provoca um incêndio generalizado.

O número residual de templos romanos sobreviventes em Israel é muito pequeno se comparado à evidência e à preservação dos templos no Líbano, Jordânia e na Síria. A razão para esta discrepância parece ser evidente: as montanhas pouco povoadas e de difícil acesso do Líbano, o tamanho e a distância destas áreas na Síria e Jordânia, além da perda do controle da região durante a Idade Média. No entanto, as fontes literárias, as analogias arqueológico-arquitetônicas e as evidências circunstanciais, fornecem informações suficientes para a compreensão dos contextos e das transformações ocorridas na Antiguidade nessa região. As percepções culturais evidenciadas nestes lugares sagrados e os complexos religiosos do período romano em Israel demonstram como o imperialismo romano atuou eficazmente através da religião e como a veneração e adoração de muitas e variadas divindades dos panteões orientais e greco-romanos foram combinadas e consubstanciadas, fomentando a multiplicidade ritual do período. Além disso, é permitido supor que estes sítios arqueológicos, templos e santuários, demonstram não somente a realidade arquitetônica, mas também a atmosfera religiosa-cultual do período.

Entretanto, não é possível encerrar essa resenha a respeito dos templos romanos em Israel sem a profunda lástima sobre a destruição dos templos de Baal-Shamin (convertido em igreja no quinto século EC) e Baal (Bel) em Palmyra. Assim como sobre o descalabro que foi acometido o arqueólogo sírio Khaled al-Asaad da Universidade de Damasco, brutalmente assasinado pelo extremismo monoteísta islâmico do grupo autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) ou Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS). O mundo contemporâneo testemunha mais uma onda de destruição de sítios arqueológicos, considerados Patrimônio da Humanidade, e a supressão intencional da memória coletiva. E assim, assistimos mais uma versão escabrosa de extremismo monoteísta e fundamentalismo religioso, que insiste em não saber conviver com a multiplicidade ritual presente em todas as sociedades do globo. Quando o objetivo de um grupo social atenta contra a vida e a memória dos povos, é nesse momento que se tornam mais significativas as palavras de Peter Burke: a função do Historiador (e essencialmente do Arqueólogo) é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer.

Marcio Teixeira Bastos – Doutorando cotutela em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), São Paulo, SP, Brasil e da Universidade de Tel Aviv (TAU), Israel, com período de pesquisa na Universidade de Durham, Reino Unido (2013-2014 – bolsa Bepe-Fapesp). Bolsista Fapesp. E-mail: [email protected].

Tags: Arqueologia, BASTOS Marcio T (Res), Espaço sagrado, Giorgio Bretschneider Editore, Imperialismo, Multiplicidade ritual, Oriente Médio, OVADIAH Asher (Aut), Palestina romana, Roman Temples, Templos romanos, Topoi (Tpr), TURNHEIM Y (Aut)

SEPÚLVEDA, Jairo; SAN FRANCISCO, Alex; JIMÉNEZ, Bruno; PÉREZ, Sebastián. El Pucara del Cerro La Muralla: Mapuches, Incas y Espanoles en el Valle del Cachapoal. Santiago: Mutante Editores, 2014. 250p. Resenha de: FAULBAUM, Felipe Vargas. Revista Chilena de Antropología, n.31, p. 127-128, ene./jun., 2015.

Con una prosa ágil, coloquial y resuelta, considerada para privilegiar su lectura por un público masivo, este libro publicado por Mutante Editores nos adentra en los múltiples recovecos de una investigación que busca aclarar uno de los mayores misterios de la Historia Americana. ¿Cuál es el límite meridional del Imperio de los Incas? ¿Cómo eran las poblaciones que resistieron el avance y conquista incaica en Chile Central? ¿Qué dinámicas sociales se desarrollaron en esta región fronteriza? ¿Cuáles fueron las continuidades que permitieron sostener posteriormente una heroica y cruel resistencia a la conquista hispana? Es a través de la investigación arqueológica de una olvidada construcción en la cima de un cerro en las cercanías de San Vicente de Tagua Tagua.

Desde los ruinosos muros abandonados del Cerro La Muralla, en el valle del Cachapoal, se rastrean las últimas huellas que el fabuloso y enigmático “Imperio de los Incas” o Tawantinsuyu dejo en su avance de conquista del sur de Chile.

Las excavaciones arqueológicas realizadas, por los autores, en el Pucará del Cerro La Muralla durante la realización del Proyecto FONDART 18.291 “Por la senda del Inca en el valle del Cachapoal”.

Junto a la revisión erudita de los demás vestigios materiales del período incaico de la IV Región de O’Higgins y Chile Central, son hábilmente utilizadas como una certera herramienta para visibilizar la tenaz lucha de resistencia de las poblaciones mapuche frente a las campañas de conquista inca y su posterior continuidad en la resistencia anti hispana.

Con una copiosa y muy actualizada bibliografía histórica y arqueológica se presentan los distintos procesos que enfrentaron las poblaciones de la región. A partir de una acabada síntesis de largo alcance, que nos adentra a la prehistoria regional, los autores recorren la cronología precolombina y los elementos claves del cambio cultural, resaltando en este sentido, el proceso de andinización preincaico de Los Andes Meridionales. Finalizan presentando con detalles los prolijos documentos y vestigios atribuidos al período incaico.

Luego del desempolvo de los jarrones, sitios y construcciones del lejano tiempo inca la investigación avanza en el esclarecimiento de los procesos históricos y dinámicas sociales acontecidas por los habitantes locales. Clarifican la denominación promaucaes o “gente salvaje” como una definición incaica, reflejo de su incapacidad política en una coyuntura histórica particular, por sobre una realidad cultural y étnica en sí misma. Reforzando así las fuertes conexiones culturales de las poblaciones locales o “promaucaes” con el mundo mapuche.

Con el correr curioso de las páginas se va visualizando el rostro histórico de los mapuches o picunches, que habitaron esta convulsionada región durante los siglos XV y XVI. Las dinámicas que permitieron el levantamiento frente a los distintos invasores, las frágiles alianzas que sostuvieron con los conquistadores cuzqueños y españoles durante la vida de frontera, la derrota y sometimiento luego del fracaso de las estrategias de resistencia.

Revista Chilena de Antropología 31/1er Semestre 2015 127-128 128/ Dione da Rocha Bandeira La continuidad fragmentada del mundo mapuche de Chile Central en las reducciones indígenas y pueblos de indios de la colonia, junto a las sobrevivencias de esos fragmentos en la vida del mestizo chileno hasta la actualidad presionan por la necesidad de visibilizar y reavivar en la memoria social esas continuidades presentes en distintas actividades comunitarias contemporáneas. Tal como la actual procesión y celebración a la Virgen Nuestra Señora de Fátima anualmente realizada entre las murallas derruidas del pasado incaico.

Situado en el valle del Cachapoal.

Observando minuciosamente los acontecimientos desde los antiguos ayllus y tribus del valle, el arribo del Tawantinsuyu a la región y posterior debacle del Imperio Inca por las huestes españolas, este libro es un real aporte al dar cuenta de la riqueza histórica y cultural del valle del Cachapoal. Situando con justicia al valle del Cachapoal en una de los más importantes problemáticas y enigmas de la gran historia americana.

Felipe Vargas Faulbaum – Licenciado en Arqueologia, Universidad de Chile. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

[IF]

Tags: Arqueologia, El Pucara del Cerro La Muralla: Mapuches/ Incas y Espanoles en el Valle del Cachapoal (T), Espanhóis, FAULBAUM Felipe Vargas (Res), JIMENEZ Bruno (Aut), Mutante Editores (E), PÉREZ Sebastián (Aut), Povos Inca, Povos Mapuche, Revista Chilena de Antropología (RCA), SAN FRANCISCO Alex (Aut), SEPÚLVEDA Jairo (Aut), Vale do Cachapoal

DUNNELL, Robert C. Classificação em Arqueologia. Trad. Astolfo G. M. Araujo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. 264 p. Resenha de: CISNEIROS, Daniela. Clio Arqueológico, Recife, v.29, n.2, 2014.

Araujo, ganha em sua apropriada tradução um título mais abrangente: Classificação em Arqueologia. Porém, é importante lembrar que Dunnell referese durante todo o texto à Pré-História.

Com a primeira edição datada de 1971, continua atual. É a expressão de um trabalho meticuloso que pretende analisar e esclarecer os princípios da classificação e formação de unidades dentro da ciência arqueológica. No atual cenário acadêmico brasileiro, com a ampliação de cursos de Graduação e Pós-graduação em Arqueologia, o livro ganha singular relevância, ao trazer um conjunto de refexões de complexas abordagens para o tratamento do problema científico que abrange o artefato e a cultura.

O livro traduzido está estruturado a partir do prefácio, seguido por uma introdução e um texto decomposto em duas partes: Parte I – Sistemática Geral, composta por quatro capítulos de abordagens conceituais (Definições versus descrição, Classificação, Tipos de classificação e Arranjo não classificatório), abrange sistemáticas gerais e tipos de sistemas classificatórios; e Parte II – A Sistemática na Arqueologia, composta por mais quatro capítulos de abordagens específicas e exemplificações (Arqueologia, Classificação em Arqueologia, Agrupamento em Arqueologia e Resumo), em que apresenta um conjunto de termos e procedimentos a serem aplicados em Arqueologia Pré-histórica. Traz ainda uma pequena, mas importante seção com noções ou termos definidos que foram apresentados nos capítulos; e, por )m, referências bibliográficas. No corpo do livro, estão apresentados quadros e diagramas que têm o objetivo de sintetizar a discussão processada.

A obra tem início com um prefácio, em que o autor de)ne a quem se destina o conteúdo da obra e os porquês na abordagem de um tema que muitas vezes é varrido para debaixo do tapete acadêmico em favor de aspectos mais atrativos e fascinantes da disciplina (p. 13).

Assim, são expostos os temas a serem discutidos no livro ciência, teoria, explanação, hipótese e métodos. Na introdução, o autor expõe a disciplina arqueológica e sua trajetória de mudanças quanto à abordagem e natureza. Trajetória essa marcada muitas vezes por sinais de rivalidades entre a Arqueologia Tradicional e a Nova Arqueologia. Apresenta aqui as competências de cada natureza e a clara distinção entre o que chamará de arqueografia e disciplina acadêmica – Arqueologia (Pré-História).

A primeira parte do livro, Sistemática Geral, traz o capítulo Noções Preliminares, que visa fornecer os métodos para a construção da base formal de compreensão para disciplinas cientí)cas. São apresentados conceitos e pressupostos teóricos que se iniciam com a discussão de ciência e sistemática. Seguido da explanação de conceito, teoria, método, técnica e hipótese.

No capítulo Classificação, essa é vista e descrita como um tipo de arranjo que leva à sistemática na ciência. Esse arranjo deve ser realizado necessariamente de maneira explícita para que possa ser transmitido, não apenas o modo como foi realizado, mas a sua razão. Para tanto, define classificação, seus agrupamentos e produtos, discutindo classe e grupo. O autor expõe algumas afirmações axiomáticas de forma pormenorizada para a apreciação da classificação.

No capítulo Tipos de Classificação, estabelece uma relação crítica à tendência em tratar todos os tipos de classificação como sendo a mesma coisa, propondo uma classificação das classificações, expostas a partir de dois tipos de significata (condições necessárias e suficientes para associação em uma classe (p. 83)): classificação taxonômica e classificação paradigmática.

Nessa primeira parte da obra, Dunnell, apresenta ainda um capítulo Arranjo Não Classificatório, que, para o próprio autor, resulta-se deslocado a partir da abordagem principal, mas que pretende expor a relação que esse tipo de arranjo mantém com a classificação.

Na segunda parte da obra, a Sistemática na Arqueologia, no capítulo Arqueologia, o autor cita em essência sua definição de Arqueologia como ciência dos artefatos e das relações entre artefatos, conduzida em termos dos conceitos de cultura (p. 152). A partir dessa apresentação, estipula para Arqueologia e seu tipo de estudo (ciência) o principal componente conceitual: cultura e a maneira com que os fenômenos devem ser concebidos 171 (artefatos). Assim, segue-se o exame conceitual pormenorizado de ciência, artefato e cultura sobre o véu da Arqueologia.

Para o capítulo Classificação em Arqueologia, Dunnell aborda a sistemática comum a todas as ciências, porém a torna específica nas unidades empregadas. Assim, os tipos de escolhas e tomadas de decisões são diferentes para as ciências. O problema aqui relacionado está em como os dados são estruturados para serem tratados pela Arqueologia. Explora, por conseguinte, três aspectos: o locus, os meios e a escala.

Em Agrupamento em Arqueologia, discute grupos foco do estudo científico, deixando explícito que suas considerações estão relacionadas a agrupamentos utilizados ou sugeridos na Arqueologia para criar unidade, apresentando quais as características do seu uso e os problemas resultantes.

No Resumo, ao fim, volta à discussão entre Arqueologia Tradicional e Nova Arqueologia, em que tanto a tradicional quanto a nova são acusadas de desvio de processo classificatório.

Para a tradicional, os créditos são por essa ter fornecido mais do que sabemos sobre a Pré- História. Para a nova, os créditos são para as tentativas de explicar a Pré-História. Assim, reflete e discute suas relações no que tange aos componentes da ciência e aos problemas contraídos ao seguir um modelo para uma ciência do Homem.

A proposta desse livro é não apenas apresentar a sistemática e a classificação como recursos essenciais para a disciplina arqueológica, como também analisar a construção do pensamento científico. As diferentes acepções dos conceitos de ciência, teoria, sistemática e classificação são trabalhadas em profundidade.

Classificação em Arqueologia não pretende ser uma obra de fácil abordagem, trata-se de um livro denso pela quantidade de informações e conceitos, exigindo uma constante atenção do leitor. Porém, Dunnell, com seu caráter didático, impõe ao leitor o desejo de avançar e alcançar as ferramentas necessárias para fazer uma boa arqueologia e ser um bom arqueólogo.

Uma leitura cuidadosa e crítica de Classificação em Arqueologia é indispensável para o conhecimento dos novos questionamentos científicos que se apresentam hoje para a Arqueologia. Os conceitos abordados em profundidade, relacionando razão e sistemática, ecoam sobre as definições superficiais e as terminologias confusas.

Por mais familiarizados que possamos estar com algumas das definições em Arqueologia, a leitura de Classificação em Arqueologia amplia os horizontes para uma discussão do papel da Arqueologia Pré-histórica como ciência. Dunnell expressa que a compreensão 172 dos artefatos é o objetivo da Pré-História. Os artefatos devem ser explicados em termos de cultura como um dado adquirido, o que nos permite discutir a explicação de artefatos como objeto de estudo da Arqueologia ou como dados para explicar a cultura. Assim, leitura indispensável a estudantes de Graduação e Pós-graduação e a todos os arqueólogos que apreciam a construção do método científico.

Um pouco sobre o autor: Robert Chester Dunnell (1947–2010) foi um arqueólogo conhecido por sua contribuição em Systematics in Prehistory (Classicação em Arqueologia). Seu interesse pela teoria explicativa originou em parte de uma insatisfação com entendimentos tradicionais da Arqueologia Pré-histórica. Dedicou grande parte da vida acadêmica às abordagens evolucionárias na Arqueologia, defendendo o modelo evolucionista para explicar variação. Expôs os perigos do uso de analogia para explicar eventos históricos. Porém, suas contribuições para Arqueologia estão além da arqueologia teórica. Seus interesses se estendiam à metodologia de trabalho de campo e a análises laboratoriais. Defendia que a compreensão completa dos artefatos requer o conhecimento de física e química, o que o levou a abraçar o campo de Arqueometria.

Outros livros recomendado do mesmo autor: Dunnell, Robert C. Style and Function: A Fundamental Dichotomy. American Antiquity, n. 43 (2), 1978, p. 192–202.

Dunnell, Robert C. Evolutionary Beory and Archaeology. Advances in Archaeological Method and %eory, n. 3, 1980, p. 35–99.

Dunnell, Robert C. Systematics in Prehistory. Caldwell, NJ: Blackburn Press. 2002.

Daniela Cisneiros – Departamente de Arqueologia, UFPE.

Acessar publicação original

[MLPDB]

HENDERSON, Hope; BERNAL, Sebastián Fajardo (comp.). Reproducción social y creación de desigualdades – discusiones desde la antropologia y la arqueologia suramericanas. Cordoba: Encuentro Grupo Editor, 2012. 232 p. Resenha de: SILVA, Bruno Sanches Ranzani. Revista de Arqueologia Pública, Campinas, n.8, dez., 2013.

O livro compilado por Hope Henderson e Sebastián Bernal trata de um tema candente na arqueologia contemporânea. Pensar em agência tem sido uma alternativa conceitual para desalinhar as propostas estruturalistas que permeavam a interpretação arqueológica, tanto de aspectos funcionais como de aspectos simbólicos da cultura material.

Os textos compilados nesta obra tentam mostrar as possibilidades e desafios do uso deste conceito na América Latina.

Os compiladores introduzem a temática e os artigos do livro com um pequeno texto de sua autoria. Nele, definem como objetivo do livro tratar os processos de reprodução social em sociedades pré-hispânicas, históricas e contemporâneas. O conjunto de trabalhos compilados faz jus à proposta geral da obra, defendendo casos em que determinados indivíduos ou setores sociais logram (ou não) intervir na ordem das coisas. 1) Papel social do(a) investigador(a) e relações sociais contemporâneas; 2) Sociedades históricas e relações sociais coloniais; 3) Os agentes, as desigualdades e as mudanças sociais em sociedades préhispânicas. Os artigos seguem a ordem temática proposta pelos compiladores, e darei sequência a essa ordem por julgá-la apropriada.

A primeira série de artigos, de Myriam Jimeno, Andres Salcedo e Alejandro Haber, contempla a arqueologia e seu papel social na Colômbia e Argentina. Se preocupam em esclarecer a subjetividade inerente ao trabalho de investigação eos consequentes problemas gerados por cartografias étnicas desenhadas pela suposta neutralidade científica.

Myriam Jimeno apresenta o desenvolvimento da antropologia como ciência acadêmica na Colômbia, tentando resumir, com êxito, 60 anos de uma disciplina em algumas páginas. Seu percurso tem três momentos: o surgimento da antropologia na Colômbia, vinda do estrangeiro, como uma disciplina de densas descrições etnográficas; o choque geracional entre a primeira geração de antropólogos colombianos e seus mestres estrangeiros; a institucionalização da disciplina e sua participação mais ativa em causas indígenas e diversidade nacional.

De acordo com a autora, a antropologia colombiana passou de atividades de “salvaguarda” de culturas a serem extintas pelo avanço da civilização ocidental, com etnografias meramente descritivas nos anos 1940, para uma postura mais engajada de defesa dos direitos das populações tradicionais. Nos anos 1970 e 1980, as comunidades indígenas constituíram canais de interação diretos com o governo colombiano, e o fortalecimento dos exércitos paramilitares fizeram com que os antropólogos buscassem outras áreas de atuação (especialmente as comunidades rurais).

A principal bandeira daantropologia colombiana contemporânea, ressalta Myriam, é a ampliação da cidadania – entender os indígenas e comunidades tradicionais em seus próprios termos, ensinando o Estado a respeitar e reconhecer a diversidade de modos de viver. O que ela chamou de naciocentrismo marcou o surgimento da antropologia na Colômbia e a empreitada das novas gerações tem sido guiada rumo ao multicentrismo, no engajamento da disciplina com a causa libertária e representativa de diferentes grupos sociais, procurando a constituição de uma condição civil cada vez mais democrática.

Andrés Salceda, em seu artigo, comenta o mesmo processo de conformação da nacionalidade, só que mais preocupado com a cartografia. As políticas segregacionistas com raízes coloniais se materializam na segregação espacial promovida pelo governo colombiano ainda nos dias atuais.

Durante o período colonial, Salceda fala do deslocamento compulsório de indígenas para trabalhar nas encomiendas mineiras, da dependência administrativa de aldeias a centros coloniais maiores e do esvaziamento de territórios não ocupados por colônias espanholas (independente de sua ocupação por povos nativos). Ou seja, os territórios não ocupados por colonos espanhóis eram considerados como baldíos, sujeitos a exploração com respaldo governamental. Essa política continuou após a independência do país em 1821, com a Lei 61 permitindo a colonos e fazendeiros tomarem posse de baldios para extração de recursos e empreendimento da colonização (assim se fez colonização da Antioquia e LlanosOrientales).

Os embates legais pela posse de terra, direitos de exploração de recursos e mão de obra colocou em choque diversos setores constituídos durante o período colonial e que tentavam manter seus privilégios na nova ordem (especialmente conflitos entre republicanos iluministas e católicos monarquistas). No entanto, esses conflitos deixaram de lado os interesses de grupos indígenas e trabalhadores rurais mestiços, maioria da população, explorada como arrendatários ou em trabalhos semiescravos.

Os conflitos agrários se intensificaram no país, e a conformação de forças armadas rebeldes seguiu uma onda de revoltas camponesas a partir dos anos 1940 (com maior intensidade nos anos 1970 e 1990). As FARC, entre outros grupos, se dizem bolivaristas defensoras do campesino contra a opressão do estado e dos grandes fazendeiros. No entanto, muitas comunidades rurais saem lesadas dos embates entre forças rebeldes, governo e forças paramilitares (sob custódia dos grandes fazendeiros do vale do Magdalena).

A situação atual é a de um Estado que o autor chama de multicultural. Por um lado, reconhece e redefine a identidade e direitos de comunidades indígenas e tradicionais, com base em sua comprovada ancestralidade. Por outro, falha nas negociações de paz com os grupos militares rebeldes e se propõe a defender os direitos dos cidadãos ao “combater a violência com violência”. Seu propósito, como defende o autor, não é aparecer como o “defensor do ilusório interesse comum da sociedade” (p. 34). “Ele surge como um intermediário que legaliza e legitima formas de extração e acumulação de riqueza e formas de estatalidade privativas, mercenárias e corruptas” (Aretxaga 2003 apud p. 34).

Os trabalhos anteriores mostram não só a relação conflituosa entre o estado e comunidades tradicionais sobre os direitos por terra e vida, mas mostra também como as ciências humanas se prestam a essa relação conflituosa. Alejandro Haber reflete sobre o aparato conceitual e teórico que guia a arqueologia e antropologia. Seu artigo interpreta os sítios arqueológicos de Ingaguassi e Tebenquiche Chico, no altiplano de Catamarca, Argentina, pela perspectiva do uywaña, palavra indígena que indica, grosso modo, uma relação constitutiva baseada na reciprocidade entre os agentes (humanos ou não humanos).

Em seu caso, as relações humanas e não humanas envolvidas no cultivo da terra, construção de moradias e canais de irrigação. Sua escolha conceitual reforça o caráter agentivo da população local e, de fato, possibilita uma arqueologia descolonizadora, uma vez que Haber desqualifica as interpretações estruturalistas e hierarquizantes para a existência dos canais.

Por meio da etnoarqueologia e de plantas arquitetônicas, o autor procura enxergar a intencionalidade cotidiana dos indígenas na interação com o poder colonial. Inclusive, tenta subverter a historiografia corrente ao atribuir o fim do assentamento de Ingaguassi, a mais rica mina do altiplano durante a colônia, ao abandono voluntário dos indígenas após uma revolta fracassada contra o governo colonial durante o carnaval – eles foram embora para suas aldeias de origem porque preferiam não mais se submeter às demandas e relações insanas do poder colonial com a terra e com o ouro. A “vitória colonial” não foi o decisivo na história do assentamento, assim com a “vitória” norte-americana no Vietnam prova-se mais sobre o papel que sobre suas perdas.

Além da agência das populações no passado, a abertura conceitual ao uywaña possibilita a simetria interpretativa com saberes não-arqueológicos. Ao perguntar para o autor  “se ele achava que a vala crescia durante a noite”,um morador local pode buscar a validação científica de seu conhecimento, ou por apenas estar colocando esse conhecimento estrangeiro à prova (nada impede que a resposta “não” seja motivo de chacota do pesquisador). No entanto, há o ponto de encontro cosmológico entre o estrangeiro e o local, um momento de interação de saberes. Haber, e isso é importante, não apenas usa a palavra indígena, mas sim o conceito, sua forma viva e cotidiana (como uma possibilidade, claro, do passado). E a questão está colocada: porque nosso aparato teórico é mais apropriado para lidar com o passado de grupos indígenas do que o “aparato teórico” (enfim, os modos de pensar sobre o empírico) dos próprios grupos indígenas? Esses trabalhos defendem claramente e com fortíssimos argumentos e casos estudados, que a preocupação sobre os modos de vida de povos nativos e minorias sociais não é uma questão de boa-vizinhança e humanidade, mas sim de políticas nacionais e acessibilidade a recursos naturais (especialmente a terra). As ciências humanas, antropologia, arqueologia, história, que são os casos, têm um papel fundamental na orientação dessas políticas públicas ao serem contempladas com o direito de argumentar pela veracidade, qualidade e merecimento dessas populações quase “depositárias” de culturas ditas milenares. Exigir a ancestralidade de populações que foram compulsoriamente desalojadas de suas terras de origem pelo processo colonizador seria cômico, se não fosse cruel.

Vale observar, brevemente, que o Brasil possui uma história similar aos parceiros latino-americanos. Lucio Menezes Ferreira (FERREIRA 2005a, 2005b, 2009, 2010)analisa o surgimento da arqueologia e antropologia ainda no Brasil imperial, com pesquisadores naturalistas associados aos três principais museus do então Império – Museu Nacional, Museu Paulista e Museu Paraense. Nos três casos, as discussões eram claramente orientadas para a avaliação das possibilidades de ingresso dos indígenas brasileiros como cidadãos da nova nação (recém-independente).

O artigo de Pedro Paulo Funari nos ajuda a pensar essa seara de possibilidades interpretativas na arqueologia e seus fundos políticos. Funari menciona três estudos diferentes sobre o mesmo sítio, o Quilombo de Palmares. Estudararqueologicamente esse importante lugar da história nacional pode tomar diversas vias: pensá-lo como um ponto local de conexão entre diferentes redes constituintes do mundo moderno global, pensá-lo a partir de uma etnogênese própria da miscigenação colonial ou pensá-lo como uma exacerbação da lógica colonial, chegando a ameaçar as colônias portuguesas como entreposto comercial é jogar com as estruturas sociais e os agentes que nelas participam. O autor vai além ao nos lembrar das preferências e usos distintos dessas interpretações por parte de múltiplosagentes sociais no presente (Movimento Negro, mídia independente, poder público), embora não se detenha nesse tema.

Esse trabalho coloca em pauta a segunda temática anunciada pelos compiladores do livro: Os problemas de pensar os enfoques relacionais para contextos específicos como os de contato colonial (Brasil, Colômbia e Argentina). Pedro Paulo Funari, Alejandro Bernal Velez, Silvana Buscaglia e Marcia Bianchi Villella trazem estudos de caso nos quais Pierre Bourdieu, Anthony Giddens e Michel Foucault são referencias constantes no exercício de compreensão das subjetividades em atuação direta nas estruturas, seja para tentar modificá-las, seja para tentar tomar proveito delas. Quais seriam os limites das estruturas estruturantes e estruturadas? Alejandro Bernal Velez, por exemplo, trabalha com inventários e apelos às ouvidorias reais da Argentina colonial no século XVI, para entender como os caciques de Don Juan e Don Pedro foram bem sucedidos no manejo das instituições coloniais para enriquecer.

A tese de Alejandro pretende fugir da dicotomia “dominador/dominado”, pois reconhece a possibilidade de transgressão, e observa como a própria estrutura colonial, enquanto nega a autenticidade do exótico, se assenta sobre ele. Se, por um lado, as encomiendas eram divididas entre os espanhóis mais ricos, por outro, os encomenderos precisavam manter uma relação de certa parceria com as lideranças indígenas das comunidades em território de sua posse, de modo a garantir acesso a recursos e mobilização de mão de obra. Por outro lado, os caciques reconheciam sua posição política estratégica, e muitas vezes usavam métodos coercivos e fraudulentos para ganho de causa de encomenderosmais promissores aos seus interesses. E, a meu ver, aí reside uma contrapartida importantíssima no argumento de Velez.

Ele deixa claro que a aproximação dos caciques aos colonizadores não representa um ganho sem perdas, uma vez que os abusos registrados do poder cacical entre os seus deslegitimava a liderança e crescia o desgosto entre os camponeses pela chefia corrompida. Ao mesmo tempo, muitas lideranças indígenas viam na ouvidoria real uma instituição colonial que valia o risco (e o custo) na tentativa de criminalizar os excessos dos encomenderos em defender seus benefícios.

A institucionalização do cacicado e criação de capitanias familiares nas comunidades indígenas destroem as relações de reciprocidade antes existentes e estabelece uma série de interesses acumulativos típicos do capitalismo moderno. O autor defende que agência é justamente o modo como os indivíduos testam a elasticidade das estruturas presentes.

Seguindo a mesma proposta, Silvana Buscagliaapresenta parte dos estudos arqueológicos desenvolvidos em Floridablanca, um dos primeiros assentamentos da Coroa Espanhola no deserto Patagônico, durante o século XVIII (na Baia de San Julian, atual província de San Julian, Argentina). O malgrado assentamento durou quatro anos apenas, sendo desmantelado e queimado por ordem real, após considerar que seus colonos não tinham meios para viverem por si próprios. Floridablanca possuía mais que um propósito agrícola e ocupacional, seu planejamento, como nos mostra a documentação oficial, previa uma colônia moldada pelas normas do iluminismo patriarcal, igualitária, pacífica e geradora de cidadãos úteis. Munida de Bourdieu (1977), Lightfoot (1998) e Sahlins (1981, 1985 e 1995) na compreensão teórica dos espaços criados pelos encontros coloniais, a autora pretende aguçar a percepção das formas cotidianas e “subliminares” do habitus colonial, debruçando-se no material arqueológico. Em poucas palavras, é possível ver como se constitui, no dia-a-dia, o esquema colonial e as tentativas de subvertê-lo.

O corpo documental analisado é composto, basicamente, pelas cartas escritas pelo superintendente da colônia, Don Antonio de Viedma, à Coroa Espanhola. Entre escritos e omissões, a autora faz três observações: 1) o único contato interétnico que se afirma é daquele entre o superintendente e o cacique (Julián); 2) O fluxo de bens é registrado como indo dos espanhóis aos indígenas (em sua maioria bens recebidos da metrópole), enquanto que dos indígenas só se registra a entrada de “favores” (força de trabalho, carne de guanaco); 3) Não há menção sobre o mundo lúdico (consumo de álcool ou participação de jogos) em nenhum dos lados. A documentação constrói a imagem de uma sociedade pautada pelas normas cristã, produtiva e civilizadora.

Para os propósitos deste pequeno artigo, Buscagliaanalisa a indústria lítica do sítio, e, para tanto, nos dá três razões: 1) O material é resultado de diversas práticas cotidianas das populações indígenas (de práticos a lúdicos); 2) Seria uma novidade para os colonos espanhóis, e aposta no argumento de Pfaffenberger (1988) de que a circulação desses materiais seria acompanhada de relações e interações sociais; 3) Nesse momento de interações é possível expressar, construir e negociar identidades. A distribuição do material lítico pelo sítio e sua qualidade é base para seu argumento pela interação entre os colonos e a população indígena em torno da tecnologia de lascamento. Das casas e do forte, o segundo é o que apresenta uma quantidade maior de materiais líticos, seguido pela (suposta) casa do soldado casado e as casas dos colonos civis. Sua interpretação é de que os militares, responsáveis pela proteção do bem-estar e ordem da colônia, teriam tido um contato mais direto, e talvez mais livre, com os indígenas que circundavam a exótica colônia.

Ainda em Floridablanca, Marcia Bianchi Villelliargumenta sobre as mesmas condições normativas documentadas, mas tenta analisar sua subversão pela arquitetura e organização espacial. Partindo da teoria da estruturação social de Giddens, trabalha com a ideia de que a ocupação é planificada seguindo pautas de interação social. Sendo assim, é relevante perguntar quais são os comportamentos previstos nas edificações existentes, quais foram efetivamente desenvolvidos e quais foram executados além da previsão (e por quê?).

Ou seja, analisar os processos de criação, reprodução e transformação da ordem social, percebendo que as estruturas sociais não são entidades acima do comportamento humano, pelo contrário, são resultado de práticas do dia-a-dia (e aqui aparece o conceito de habitus de Bourdieu).

Sobre essa teoria, Floridablanca nos brinda com um excelente exemplo ao revelar, nas escavações, estruturas que não estavam previstas no plano oficial da coroa. Além dos vestígios de consumo de álcool em uma delas e do cuidado estético na construção da soleira em outra, a própria existência dessas estruturas já nos permite pensar sobre os limites de alcance dos interesses estruturadores no cotidiano.

Até este momento do livro, os trabalhos têm sido felizes e positivos no uso do conceito de agência como categoria analítica para pensar o poder individual e coletivo de mudar a sociedade em que vivem. Victor Gonzáles Fernandés, Hope Henderson, Andrea H.

Cuéllar, Carlos Sanchéz, autores na sequência da obra, discutem problemas conceituais e teóricos de pensar agência em sociedades pré-hispânicas. As principais questões giram em torno da visibilidade da intenção humana no registro arqueológico (choque entre correntes funcionalistas e simbólicas) e mesmo a permeabilidade dos sistemas culturais para tais atos de subversão.

Retomando o tema da hierarquização social, brevemente levantado pelo artigo de Alejandro Haber, Victor González Fernandés propõe que a complexificação social não partiu de elementos externos às sociedades (ele retoma as propostas de Elman Service, Robert Carneiro, Boserup, Cohen, e Reichel-Dalmatoff e as discussões entre 1960 e 1980), tampouco por dinâmicas que enfatizam o exercício de poder de poucos sobre muitos (proposições trazidas por Timothy Earle e Charles Spencer entre 1970 e 1990). Citando o caso de San Agustín, Huila, região de Mesitas (ocupada desde 1000 a.C.) e o gradual aglomeramento populacional em torno de tumbas monumentais.

Estruturas existentes nos sítios estudados mostram certa igualdade produtiva (ausência de diferenciação de materiais) que teria durado cerca de 2000 anos. Segundo o autor, a quantidade de vestígios encontrados durante todo o Formativo 1 ao 3 (1000 a.C. e 1º século d.C.) cresceu proporcionalmente à população e não parece haver distinção quanto ao acesso nos modos de produção, e as aglomerações parecem ser feitas em torno de centros/famílias cerimoniais. Durante o clássico regional (1000-900 d.C.) esses centros cerimoniais e suas famílias regentes parecem ganhar importância com a construção de tumbas monumentais, acompanhado do crescimento populacional em seu entorno e uma marcada distinção de vestígios presentes nos sepultamentos associados aos monumentos, daqueles não associados.

A tese do autor é de que as elites religiosas não teriam se conformado por nenhum tipo de grande diferenciação nas atividades de produção nem em acesso aos recursos. Sua única diferença seria um poder ritual concebido pela tradição (tendo em vista a longevidade do processo de complexificação aqui exposto). A fonte de mudança parece estar, defende Fernandés, na própria estruturação e repetição de atividades religiosas durante 80 gerações, e não no acesso exclusivo de uma elite aos excedentes ou modos de produção.

Essa proposta me parece instigante, mas fica a dúvida sobre o papel da intencionalidade e da complexificação social em seu texto. Primeiro, seu argumento parece atribuir agência nem a indivíduos nem ao coletivo, mas à própria estrutura (a repetição de atividades rituais). Nesse contexto, o coletivo teria angariado a estabilidade dos sistemas rituais por uma política de taxação baixa e receptiva. Não há uma relação bem estabelecida entre como a elite religiosa teria ponderado sobre a manutenção de seu poder, o controle simbólico e a política de taxas. Ou seja, há uma superestrutura que organiza as funções sociais e há uma população que a repete, com pequenas doses de reformulação, uma premissa inquestionada. O que tem força, assim me parece que conclui o autor, é a estrutura social e não os seres humanos.

Segundo, nem ele, nem os autores que seguem, explicitam o que querem dizer por “sociedades complexas” e “complexificação social”. Uma sociedade complexa é uma sociedade hierarquizada? No texto de Victor, ficamos com essa impressão. Apesar de derrubar barreiras sobre as origens da complexificação social, não faz uso crítico desse conceito. A divisão de papeis sociais indica a existência de categorias sociais? Seriam todas as formas de prestígio igualmente formas de hierarquização? Não seria hora de repensar o uso do adjetivo “complexo” para sociedades humanas? Afinal, é preciso ser hierárquica e desigual para ser complexa? Em suma, seria interessante fugir também das categorias evolucionistas de classificação social se quisermos alcançar formas menos colonialistas de interpretação arqueológica.

Hope Henderson vai um pouco mais além ao procurar em Eric Wollf as reflexões sobre diferentes graus de acesso ao poder social. Para ela, há que desarticular as capacidades de agenciamento das imagens de grandes chefias políticas. Em seu estudo de caso sobre a antiga ocupação Muisca, no Vale do Leiva, Colômbia, entre os séculos XI e XVI da era cristã, percebe que o possível surgimento de categorias sociais distintas (marcada pela leve predominância de cerâmica em algumas residências, combinado com seu cercamento) não impediu que a ocupação territorial ocorresse de maneira independente. Ou seja, em todo o processo de ocupação Muisca no Vale de Leiva, a organização dos assentamentos parecia obedecer a parâmetros não associados com os de uma elite que surgira desde o quarto século antes da chegada dos espanhóis. Sua sugestão é de que o status social não era suficiente para limitar os campos de ação dos demais setores da sociedade.

Por essa razão, a autora defende as formas de exercício de poder delimitadas por Wollf e acredita que o poder organizativo (capacidade de controlar os contextos que permitem criar as organizações e expressões das pessoas) e o poder estrutural (capacidade de gerar configurações sociais que permitem as possibilidades e limites de atuação) podem ser mais úteis em contextos pré-hispânicos que as reflexões sobre agenciamento centradas no poder individual (capacidades pessoais de influência sobre os demais) e poder de mandar (capacidade de forçar obediência).

Os casos de agenciamento individual que aqui foram contemplados não puderam ser pensados sem as referências documentais a indivíduos específicos, além de ser mister pensarmos nas possibilidades de vontade coletiva como importante agente na condução e modificação da sociedade.

Andrea M. Cuellartoca na questão da visibilidade individual versus visibilidade coletiva no registro arqueológico de populações pré-históricas; e como é possível combinar os interesses trazidos pela agência com as conquistas teóricas de proposições clássicas como a do cacicado. Seu estudo de caso é no Vale de Quijos, a partir do quinto século a.C., e argumenta contra o rechaço do conceito de cacicado e sua referência à centralização social. Se, por um lado, o crescimento populacional não teve aparente relação com a distribuição de recursos (assentamentos estudados mantinham uma aparente independência na produção de gêneros alimentícios – preponderando aqueles adequados ao ambiente local – e de ferramentas líticas de obsidiana), por outro é evidente a tendência ao agrupamento em torno de centros específicos. Ou seja, pode ser que a centralização não tenha ocorrido por razões econômicas, mas não há por que ignorar os indícios de centralização geográfica, indicando alguma forma de centralidade política.

O artigo da autora não apresenta nenhum argumento contra a proposição de agenciamento. No entanto, está mais preocupada em defender a hierarquia como princípio organizativo do que efetivamente refletir sobre as capacidades individuais ou coletivas de mudança social.

Finalmente, o artigo de Carlos Augusto Sanchéz é um ataque direto ao conceito de agência ao propor que ele nos traz uma visão ilusória de mobilidade social, enganando-nos quanto aos reais efeitos da hierarquia social. O poder não é uma inerência a todas as relações humanas, como o querem Giddens, Bourdieu e Foucault, mas “outorgado pelo controle econômico da sociedade” (p. 210). Em um projeto de arqueologia regional pelo alto do Magdalena, Colômbia, o autor vê a transição de uma sociedade agrícola sedentária com independência produtiva, para uma sociedade centralizada em torno de centros políticos, com claras delimitações de paisagem, construção de canais não-comunitários (associados a umas poucas casas) e tumbas megalíticas a partir do primeiro século a.C. Para ele, fica clara a relação entre a centralidade e o controle econômico dos meios de produção (agricultura), com respaldo de instâncias da vida religiosa (tumbas monumentais). Os dados etnohistóricos mencionam sociedades indígenas centralizadas já no século XVI e reafirma a estabilidade e força dos mecanismos de controle da produção e subordinação dos “caciques secundários” aos “caciques principais”.

O trabalho de Carlos Sanchéz aborda o registro arqueológico por uma perspectiva marxista e acredita que dotar os protagonistas históricos de liberdade de atuação é deixar para segundo plano as forças coercivas e constritoras da estrutura social. Em poucas palavras, lhe parece uma proposta interpretativa viciada na pretensa liberdade empreendedora típica da sociedade capitalista, que discursa pelo liberalismo meritocrático enquanto esconde seus mecanismos de controle da produção.

Esse último artigo parece fechar o livro como um ciclo que percorre as vantagens e desvantagens interpretativas de pensarmos o conceito de agência. De sua liberdade ao seu liberalismo, do rompimento das correntes forçosas do estruturalismo para a ilusão traiçoeira do capitalismo. As discussões propostas neste livro deixam clara a carência epistemológica que ainda cerca o uso das teorias de agência em arqueologia. Ao mesmo tempo em que não parece mais viável buscarmos respostas atemporais apenas nos mecanismos coletivos previstos pela sociologia, história e antropologia, devemos tomar cuidado para não desbancar no livre-cambismo de forças. Se não podemos perder de vista as pautas vivas dos movimentos de minorias sociais, perceber o poder de mudança e manejo que reside nos indivíduos ou em determinados setores além das elites é politicamente reconfortante. Embora a vida em coletivo não seja suficiente para impedir o desvio de conduta e a subversão da ordem imposta, não podemos dedicar toda a história de um povo a breves figuras exaustivamente historiografadas.

Pensar agência é pensar em atuação, nas forças que constroem as normas sociais e naquelas que tentam alterá-las.

Vale observar, ainda, que há uma lacuna geral entre os artigos de arqueologia – os métodos, descrições de materiais e imagens ilustrativas deixam muito a desejar. Entendo que a ideia central desta obra não seja uma apresentação precisa das coleções e métodos de campo, mas os argumentos dos autores, quando tem como objeto os vestígios arqueológicos, devem ser mais explícitos nos modos de registro e coleta de dados. Os mapas costumam ser de baixa resolução e pouco ilustrativos dos argumentos, e há poucas (quando há) imagens dos artefatos descritos. Particularmente frustrante é a pouca reflexão e descrição dos métodos de campo.

Como encontrar a intencionalidade no registro arqueológico? Como fazer uma arqueologia que escape dos moldes colonialistas nos quais a disciplina foi engendrada? Essas questões são centrais no desenvolvimento de uma arqueologia mais democrática e diversificada. O único artigo que me pareceu ponderado na apresentação dos materiais, imagens ilustrativas, planos claros e legíveis e descrição dos métodos foi o de Silvana Buscaglia.

De todos os artigos de arqueologia, os métodos de escavação, ou o que foi possível conceber deles, não parecem se distanciar muito do que usamos cotidianamente. A chave parece residir na própria escolha teórica. Se compararmos dos dados apresentados por Carlos Sanchéz, Hope Henderson, Andre Cuellar, por exemplo, podemos ver que todos trabalham projetos de escala regional, tratando de populações pré-hispânicas, discutindo o surgimento de hierarquias sociais, mas com resultados analíticos muito diferentes. Certamente que são diferenças oriundas de múltiplos contextos (populações distintas, regiões distintas), mas a similaridade dos dados apresentados (crescimento populacional, vestígios de tecnologias produtivas e simbólicas, diferenciação social) deixa claro que muito do que foi entendido parte das escolhas dos próprios autores.

Referências

FERREIRA, Lucio Menezes. “Diálogos de arqueologia sul-americana: Hermann von Ihering, o Museu Paulista e os museus argentinos no final do século XIX e início do XX.” Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia Vol. 19 (2009): 63-78.

FERREIRA, Lucio Menezes. “Footsteps of the American Race: archaeology, ethnography and romanticism in imperial Brazil.” In: Global Archaeology Theory: contextual voices and thoughts, por Pedro Paulo A. FUNARI, Andrés ZARANKIN e Emily STOVEL. New York: Springer, 2005b.

FERREIRA, Lucio Menezes. “Solo civilizado, chão antropofágico: a arqeuologia imperial e os sambaquis.” In: Identidades, discursos e poder: estudos da arqueologia contemporânea, por Pedro Paulo A. FUNARI, Charles E. ORSER Jr. e Solange Nunes de O. SCHIAVETTO.São Paulo: Annablume/PAFESP, 2005a.

—. Território Primitivo – A institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.

Bruno Sanches Ranzani da Silva – Doutorando em Arqueologia pelo MAE/USP.

Acessar publicação original

[MLPDB]

FUENTES, Miguel. Rapa Nui y la Compañía Explotadora 1895-1953. Santiago: Rapanui Press, 2013. 408p. Resenha de: GONZÁLEZ, Paola. Revista Chilena de Antropología, n. 28, p.105-106, jul./dic.. 2013.

Este libro es resultado del proyecto de investigación “El Fundo Vaitea. Patrimonio y Memoria en Rapa Nui durante el período de la Compañía Explotadora” y constituye un homenaje al próximo cumplimiento de los 100 años de la rebelión dirigida por María Angata y Daniel Teave en 1914. El volumen se divide en seis secciones que poseen diversos artículos temáticos elaborados por distintos investigadores y académicos de diverso origen (chileno, rapanui, extranjero) que tratan, desde diversos enfoques provenientes de la Arqueología, Historia, Antropología y los Estudios Patrimoniales, el periodo de desarrollo de la llamada “Compañía Explotadora”, una empresa ganadera que se instaló en Rapa Nui entre fines del siglo XIX y mediados del siglo pasado. Estas secciones se articulan al modo de una reflexión amplia que gira alrededor de tres ejes: producción académica, reflexión patrimonial y discusión política, abarcándose desde aquí a un público diverso que incluye tanto a académicos (arqueólogos, historiadores, antropólogos, etc.) así como a las propias organizaciones sociales rapanui y la comunidad rapanui y chilena.

En cuanto al primero de los ejes de esta publicación: discusión académica (Secciones I, II y III), se desarrolla al comienzo del libro una contextualización histórica del llamado “ciclo ganadero” en Isla de Pascua, abordándose luego una serie de temáticas procedentes de la Arquitectura, Arqueología, Antropología e Historia. En esta línea se encuentran los trabajos de Rolf Foerster, Flora Vilches, Francisco Rivera, María Francisca Ramírez y Valentina Fajreldin, girando estos últimos alrededor de las siguientes problemáticas: la evolución de la economía interna de la Compañía y su relación con el Estado chileno y la comunidad isleña; el desarrollo de nuevos patrones alimentarios en Rapa Nui durante el periodo de la CEDIP y su impacto sobre el marco social y cultural de la isla; la relación existente entre los restos materiales de la Compañía y los sucesivos contextos coloniales y neocoloniales establecidos en Pascua a partir de esos años; las características y dilemas del posible proceso de “patrimonialización” y puesta en valor de sitios históricos en Rapa Nui (por ejemplo en el caso del complejo industrial de Vaitea), etc.

Surge en este punto la interesante problemática de definir lo patrimonial en el caso del pasado reciente isleño, tema sensible al momento de la definición de esferas de protección del patrimonio histórico en la isla. En el caso del artículo de 106 Miguel Fuentes Flora Vilches, esta arqueóloga aborda el estudio de las “pircas” (o muros de piedra) alrededor de la isla como una vía para entenderlas como evidencias materiales del colonialismo y subordinación a que se vio sometida la comunidad rapanui frente a la actividad industrial (con la anuencia del Estado chileno). Estos trabajos se complementan además con un importante registro arquitectónico y espacial del complejo industrial Vaitea y de las pircas de la “Compañía Explotadora de Isla de Pascua”, las cuales ocasionaron una profunda alteración espacial de la isla durante el período de operación de la CEDIP, aquello con graves efectos para la cultura rapanui.

Posteriormente, este volumen se centra en la discusión del concepto de “patrimonio histórico” (Sección IV), considerándose aquí los distintos “intereses patrimoniales” involucrados desde un punto de vista social y legal. Se abordan en esta sección los conflictos de interés relativos a la administración del patrimonio histórico de la isla, resultando evidente la existencia de una importante tensión entre el Estado chileno y la comunidad rapanui. Un ejemplo de estas reflexiones lo encontramos, por ejemplo, en el artículo de la antropóloga Riet Delsing, quien hace hincapié en el desconocimiento que ha hecho el Estado chileno de la propiedad ancestral de los rapanui sobre las tierras de la isla y de sus derechos como pueblo indígena, existiendo además una disociación entre el pasado lejano de la cultura rapanui y las evidencias históricas (traduciéndose esto en una escasa protección de los propios vestigios históricos rapanui). En la misma línea se encuentran los trabajos de Cristián Moreno Pakarati (historiador rapanui), Georgianna Pineda (conservadora-restauradora) y Francisco Torres (arqueólogo y director del Museo Antropológico P. Sebastián Englert).

Finalmente se recogen los planteamientos de distintos académicos y actores sociales y políticos de la comunidad rapanui, llevándose a cabo un giro en la reflexión de índole más propiamente política. Se discuten en esta sección algunas de las principales problemáticas del actual conflicto étnico rapanui, reflexionando además en algunas soluciones para la misma. Esta sección es coherente, de esta manera, con el hilo conductor de este libro: lograr una vinculación entre la academia, los proyectos de investigación y los procesos sociales, reemplazando así el quehacer “aséptico” de la investigación científica por un quehacer científico comprometido con las luchas sociales.

Paola González – Arqueóloga, Sociedad Chilena de Arqueología. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

Tags: Arqueologia, Compañía  Explotadora, Estado, FUENTES Miguel (Aut), GONZÁLEZ Paola (Res), Ilha de Páscoa, Patrimônio, Rapa Nui, Rapa Nui y la Compañía Explotadora 1895-1953 (T), Rapanui Press (E), Revista Chilena de Antropología (RCA)

Como são feitos os estudos de arqueologia?

Ciência que estuda culturas por meio da escavação de fósseis, materiais, pinturas, monumentos e objetos, a ARQUEOLOGIA conta histórias que não estão escritas.

Quais são as semelhanças e as diferenças entre os pesquisadores das áreas de história e arqueologia?

A História, na maioria dos casos, se ocupa da análise e interpretação de documentos e relatos deixados em épocas especificas da trajetória da humanidade. Já a Arqueologia, tende a olhar para os artefatos e demais vestígios deixados pelos grupos humanos.

O que a arqueologia estuda Brainly?

Resposta. Resposta: Arqueologia é a ciência que estuda os povos antigos.

O que é arqueologia Cite um exemplo?

O que é a arqueologia? Podemos dizer que é uma disciplina ou uma ciência que se ocupa em procurar, mapear e datar vestígios materiais da presença humana na Terra. A arqueologia é uma disciplina que se ocupa da investigação dos indícios, ou vestígios, de civilizações e culturas passadas.