Como se organizou o comércio de escravos entre os europeus e os reinos africanos?

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Como se organizou o comércio de escravos entre os europeus e os reinos africanos?

O imperador Mansa Musa liderou o Mali no século 14 (Foto: Wikimedia Commons)

Desde 2003, uma lei tornou obrigatório o ensino de história da África e cultura afrobrasileira nas escolas do país. O continente não é importante só para o Brasil: ele é o berço da humanidade, pois são de lá as primeiras descobertas arqueológicas sobre os seres humanos.

Também vêm de lá algumas das civilizações mais estudadas, como os egípcios e o Império Cartaginês. Mas o que mais se sabe sobre o resto do continente? A seguir, trazermos mais detalhes sobre a história da África Subsaariana: 

Isolamento
Cercados por florestas densas, savanas ricas em vida animal, litoral de um lado e montanhas e lagos de outro, os africanos viveram milênios isolados do restante do mundo. Isso não significa, porém, que não desenvolveram sociedades tão avançadas quanto a egípcia — no interior da África em 100 d.C., o ouro era um fundido com um processo que só chegou à Europa no início da Idade Média.

Reinos e impérios
A região era dividida em reinos e impérios. Na África Oriental, havia o Império de Gana, que durou do século 8 ao 11 e era baseado no comércio de ouro; e o do Mali, que durou do século 13 ao 18 e tinha como força o comércio de sal, ouro, especiarias e couro.

Na África Ocidental, o Império da Etiópia, também conhecido como Abissínia, durou de 1270 a 1975 e foi o único a resistir à colonização europeia.

No sul da África, o Reino do Congo compreendia o que hoje é Angola, Congo e Gabão. Foi independente até o século 18, quando se tornou vassalo de Portugal. Havia ainda o Sultanato de Kilwa, território na costa do sudoeste africano habitado por bantos que foram conquistados por muçulmanos, e os reino zulu, onde hoje estão África do Sul, Lesoto, Suazilândia, Zimbábue e Moçambique. Os zulus foram os primeiros a perceber o perigo da colonização branca e tentaram resistir, mas foram derrotados.

Organização política e social
Além dos reinos mais conhecidos, havia uma série de outros reinos e cidades-estado altamente organizados. Eles contavam com sistemas de conselhos de anciões e de administração para controlar as tribos, que tinham áreas de influência e as disputavam.

É daí que vem o argumento de quem tenta defender os europeus do processo de escravidão: “os próprios africanos escravizavam uns aos outros, que eram os inimigos de outras tribos”, dizem. Embora isso de fato ocorresse entre as tribos que guerreavam, os inimigos capturados tinham direitos sociais e não sofriam a agressão observada durante a escravidão praticada no Brasil.

A religião
A maioria dos grupos africanos acreditava em um deus único, criador, maior e distante do homem. Em cada etnia, esse deus recebia um nome diferente: os Ashanti o chamavam de Onyankopoa; os Ewe, de Mawu; e os Iorubá, de Olorum.

Havia também culto às forças da natureza, que ganhavam personalidades humanas (orixás), por exemplo Ogum (do ferro, guerra, fogo) e Iemanjá (mãe de muitos orixás, orixá feminino dos lagos, mares e fertilidade).

A escravidão na África e a escravidão no atlântico

5. O impacto da escravidão e do comércio de escravos sobre o continente africano

Desde que John Fage incorporou os números apresentados pelo Censo de Curtin, em 1969, e com eles construiu a tese de que o comércio atlântico de escravos não teve um impacto tão profundo nas sociedades africanas como imaginado por alguns, este se tornou um tópico de acalorada discussão entre historiadores dedicados ao tema. Para Fage, a participação da África no comércio atlântico de escravos apenas retardou o crescimento populacional em regiões como a África Ocidental, mas esse impacto não representou o desastre demográfico defendido por autores como Walter Rodney, nem causou as transformações defendidas por Paul Lovejoy.

Patrick Manning foi outro historiador do tema que procurou rebater as conclusões de John Fage em relação ao impacto da escravidão e do comércio de escravos sobre as sociedades africanas. Para Manning, as análises de Fage levam a uma conclusão quantitativa explicita de que não houve despovoamento na África em decorrência da escravidão e uma conclusão quantitativa implícita de que também não houve transformação social ou demográfica nas áreas envolvidas com o comércio de escravos. Para criticar essas conclusões, Manning criou o que chama de “modelo demográfico desagregado”, que leva em conta fatores como preço, idade e gênero dos escravos exportados para determinar o impacto do comércio sobre as sociedades que forneceram esses escravos. Este modelo pretende também tornar possível a comparação deste impacto em diferentes regiões africanas, como no caso da África Ocidental e da África Centro-Ocidental (MANNING, 1981, p. 499).

Para Manning, a exportação de escravos foi a principal força por detrás da escravidão africana. Seu modelo de análise valoriza a influência do mercado externo para o desenvolvimento da instituição da escravidão e do comércio de escravos:

A escravidão africana existia, é claro, antes do comércio atlântico de escravos e provavelmente antes do comércio transaariano de escravos. O modelo embora não tente refutar esses fatos pode, não obstante, ser visto como um teste para a noção de que a significância quantitativa da escravidão na África é atribuível primeiramente à demanda externa (MANNING, 1981, p. 500).

Além disso, Manning defende claramente que o comércio de escravos causou retardamento no desenvolvimento do crescimento das sociedades africanas e que a exportação desses escravos levou a redução populacional em algumas regiões. Mais ainda, o comércio de escravos causou transformações na estrutura das famílias africanas e na composição etária e de gênero dessas sociedades (MANNING, 1981, p. 501).

O modelo construído por Manning fez alguns historiadores recuarem em suas afirmações anteriores. Segundo o demógrafo John Caldwell, seu modelo o fez enxergar que tanto ele quanto Fage haviam superestimado a capacidade de recuperação populacional das sociedades africanas. Consequentemente, o impacto demográfico da exportação de escravos para estas sociedades foi muito maior do que previsto por suas estimativas (CALDWELL; INIKORI; MANNING, 1982, p. 127).

John Thornton, especialista na África Centro Ocidental, também procura analisar os impactos demográficos da escravidão e do comércio de escravos para o continente africano. Para isso, ele contou com uma valiosa documentação que não está disponível para a África Ocidental, mas que são abundantes para a região conhecida pelos portugueses como Reino de Angola. Para esta região existem séries de censos populacionais produzidos pelos oficiais portugueses a partir do último quartel do século XVIII. De posse dessa documentação, Thornton desenvolveu um argumento que acaba por fortalecer a tese de John Fage de que o impacto demográfico sobre as sociedades africanas não foi grande. John Thornton acredita numa grande capacidade de reprodução e crescimento dessas sociedades africanas devido a práticas poligâmicas. Especialmente naquelas regiões onde, por causa do comércio de escravos, houve um desequilíbrio de gênero e havia grande quantidade de mulheres disponíveis, o impacto demográfico teria sido minimizado por uma elevada capacidade reprodutiva. Assim, regiões como Angola poderiam fornecer um grande número de escravos sem grandes consequências populacionais desde que “relativamente poucas mulheres fossem exportadas” (THORNTON, 1980, p. 424).

O impacto demográfico do comércio de escravos

(...) as conclusões encontradas para Angola podem ser cuidadosamente aplicadas em outras partes, onde há menos dados quantitativos disponíveis. É bastante claro, no entanto, que modelos simples de despovoamento não funcionarão para o comércio de escravos, e que os efeitos do trato são complexos. Também é claro que densidades populacionais modernas podem não ter nenhuma relação com a intensidade do comércio de escravos. De fato, podemos sugerir que as áreas costeiras da África Ocidental são tão densamente povoadas hoje parcialmente por causa do comércio de escravos, e não, como alguns têm sugerido [John Fage], apesar dela (THORNTON, 1980, p. 427).

Para John Thornton, os efeitos econômicos da interação comercial entre africanos e europeus também não foram prejudiciais para as sociedades africanas. Segundo ele, os europeus não saquearam a África, nem diretamente como invasores, nem indiretamente como comerciantes de economias mais avançadas (THORNTON, 2004, p. 99). Para o autor, a escravidão era bastante difundida em todo o continente, assim como o comércio de escravos que estava totalmente operante quando da chegada dos europeus. Por sua vez, esses africanos atuavam de forma ativa no Atlântico e seus sobreanos não foram compelidos a ingressar no mercado de escravos, mas participavam dele por iniciativa própria. Ele acredita que a ideia de que a escravidão e comércio atlântico foram danosos para o continente africano é resultante do trabalho de historiadores demógrafos, cuja metodologia leva a um amplo consenso quanto aos efeitos negativos do tráfico de escravos, especialmente quando analisados em escala local ou regional e não continental (THORNTON, 2004 p. 122).

Thornton se posiciona, juntamente com David Eltis, contra a tese da “transformação” de Paul Lovejoy. Segundo os críticos de Lovejoy, a escravidão era inata e disseminada nas sociedades africanas e os europeus simplesmente entraram em um comércio já existente. A África não teria, portanto, sido transformada pela escravidão e pelo comércio de escravos, mas tão somente respondido ao aumento da demanda externa oferecendo cada vez mais escravos (THORNTON, 2004, p. 123).

Ainda segundo esses autores, diferentemente do que afirmava Walter Rodney (1972), as relações comerciais e culturais estabelecidas entre as nações europeias e as sociedades africanas não teriam levado o continente ao subdesenvolvimento que o caracteriza hoje em dia. Paul Lovejoy, seguidor declarado de algumas ideias de Rodney, responde a esta crítica no prefácio da segunda edição de seu livro clássico dizendo que seu principal interesse com a tese da “transformação” não foi demonstrar que o comércio atlântico de escravos causou o subdesenvolvimento da África, embora ele veja aí uma relação causal. Seu maior objetivo era “explorar as maneiras pelas quais a demanda por escravos nas Américas e em qualquer outro lugar afetou a economia política das áreas de onde vinham os escravos, assim fazendo demonstrar a interação entre as forças locais e globais” (LOVEJOY, 2011, p. xviii).

Para Thornton, “o impacto demográfico, embora importante, foi local e difícil de dissociar das perdas em razão de lutas internas e do comércio de escravos no mercado doméstico da África.” (THORNTON, 2004, p. 123). David Eltis (1987) concluiu, com base em seu estudo sobre o comércio atlântico no século XIX, que nem a escala nem o valor do trato atlântico foram suficientes para exercerem mais que uma “influência marginal” no curso da História da África. Ou seja, para Eltis o comércio atlântico de escravos não foi assim tão importante para as sociedades africanas e, portanto, não teria exercido uma influência fundamental na transformação de tais sociedades, como alega Lovejoy. Para Eltis, a economia do tráfico de escravos não exerceu grande impacto sobre a África. O desenvolvimento deste argumento pode levar à tese de que as sociedades africanas não foram profundamente prejudicadas pelo comércio atlântico de escravos, ideia repudiada por historiadores africanistas, como Walter Rodney, Paul Lovejoy, Joseph Inikori, entre outros.

No ano seguinte ao lançamento de seu livro, David Eltis lançou um artigo em conjunto com Lawrence Jennings na revista acadêmica American Historical Review, com o intuito de fortalecer sua tese de que o comércio de escravos teve um papel marginal na economia africana. Os autores procuraram demonstrar que a média anual per capita das regiões africanas envolvidas com o tráfico atlântico de escravos era menor do que a de outras regiões. Eles também identificaram um acentuado declínio da participação africana no mercado mundial no período entre 1680 e 1860.  Assim, os autores concluíram que nem o valor absoluto, nem o valor relativo do comércio atlântico de escravos foram tão significativos e que o mercado externo teve pouca influência na economia africana. Outra conclusão de Eltis e Jennings é de que antes do século XIX os termos na economia atlântica pendiam em favor das sociedades africanas, ou seja, para esses autores, a participação da África no comércio atlântico não foi prejudicial para o continente, pelo menos no período pré-colonial. Eles afirmam ainda que “teóricos da dependência, marxistas assim como liberais, têm exagerado quanto à significância do comércio atlântico africano, particularmente para a primeira parte do século XIX” (ELTIS; JENNINGS, 1988, p. 944-959).

Joseph Inikori aponta que parte dos argumentos de Eltis se baseia na comparação de processos demográficos em regiões com diferentes modos de produção. Assim, a análise de David Eltis seria falha ao comparar sociedades africanas sob um modo de produção comunal com sociedades que estavam pautadas por modos de produção capitalista ou pré-capitalista. Aliás, esta análise seria particularmente incorreta ao comparar movimentos migratórios voluntários de sociedades com modos de produção complexos com a migração forçada de indivíduos escravizados provenientes de sociedades menos complexas (INIKORI 1994, p. 49).  

Quadro: A tirania do paradigma

A tirania do paradigma é ainda mais séria na análise das consequências econômicas do comércio atlântico de escravos para a África tropical. Provavelmente um dos melhores exemplos seja a análise desenvolvida por David Eltis e Lawrence Jennings. Esses acadêmicos, trabalhando com um modelo econômico neoclássico, começam sua análise com a pergunta “Quão importante foi a África Ocidental para a economia atlântica, e quão importante foi a economia atlântica para a África Ocidental durante os dois séculos que precederam a partilha europeia do continente?” A resposta para a pergunta, limitada a segunda parte, é provida através da bem conhecida metodologia neoclássica: uma análise da composição das importações e exportações de commodities; uma estimativa do valor monetário das importações e exportações; uma estimativa da população total da África Ocidental de anos específicos de um determinado período; e a mensuração do valor per capita de metade da soma das exportações, reexportações e importações em libras esterlinas. O resultado é que o valor per capita do comércio atlântico da África Ocidental, no período 1784-1826, era um décimo de uma libra esterlina, ou dois shillings. A partir daqui tira-se a conclusão de que o comércio atlântico foi irrelevante para os processos socioeconômicos na África Ocidental durante o período em questão (INIKORI, 1994, p. 50-51).

Segundo Joseph Inikori, para quem os volumes do tráfico atlântico de escravos africanos são muito maiores do que aqueles apresentados por Philip Curtin e Paul Lovejoy, o choque demográfico desse comércio sobre a África provocou o retardamento do desenvolvimento do continente (INIKORI, 1981, p. 20-59). Inikori desafia o argumento daqueles que acreditam que a escravidão e o comércio atlântico de escravos não tiveram um impacto tão importante nas sociedades africanas, apontando a rápida expansão populacional na África Ocidental entre 1870 e 1939. De acordo com ele, este impressionante crescimento populacional não ocorreu graças aos avanços médicos ocidentais aplicados à África, tampouco por causa dos esforços de ajuda humanitária internacional às vítimas de secas e outros desastres naturais (INIKORI, 1994, p. 50).

Para Eltis e Jennings a economia atlântica após o fim do comércio de escravos (pós-1860) era de crescente importância para a África, uma vez que uma variedade sem precedentes dos produtos africanos adentrava o mercado atlântico. Ao mesmo tempo, de acordo com suas análises quantitativas, a África estava perdendo importância para a economia atlântica. Para os autores, os parcos números resultantes do envolvimento da África com os mercados europeus através do Atlântico demonstram a marginalidade da participação africana e a pouca influência que esses mercados externos teriam na economia africana. De fato, os autores chegam a afirmar que, caso as sociedades africanas jamais tivessem se envolvido com o mercado atlântico, isso pouco teria afetado seu desenvolvimento, ou influenciado suas estruturas socioeconômicas (ELTIS; JENNINGS, 1988, p. 958). Lovejoy criticou duramente aquilo que chama de “surpreendentes” conclusões de Eltis, destacando que suas impressões sobre a importância do comércio de escravos baseavam-se em cálculos imprecisos sobre os rendimentos per capita dessas trocas atlânticas (LOVEJOY, 1989, p. 366).

Como vimos anteriormente, a tese da “transformação” de Paul E. Lovejoy indica a escravidão como instituição central para a história do continente africano no último milênio. Vários de seus aspectos foram alterados com o desenvolvimento das relações comerciais e culturais das chamadas “sociedades tradicionais africanas” com culturas estrangeiras. As rotas comerciais criadas por esses agentes estrangeiros modificaram profundamente as relações econômicas, políticas e sociais internas à África. Essa combinação de fatores internos e externos transformou as sociedades africanas. De acordo com Lovejoy, o trabalho do historiador consiste em pesar a importância relativa dos vários fatores que incorporaram a África em um “sistema internacional de escravidão” que incluía o continente africano, as Américas, a Europa Ocidental e o mundo islâmico (LOVEJOY, 2011, p. xiv).

Para Lovejoy, o custo econômico do comércio de escravos para as economias e sociedades africanas foi severo, ao contrário das interpretações de David Eltis. Ele aponta que a baixa renda per capita identificada por Eltis demonstra que as vantagens econômicas de se exportar escravos não eram grandes o suficiente para superar os custos sociais e políticos de sua participação neste comércio. Argumenta ainda que o volume total de vítimas do comércio de escravos – contando aqueles que morreram durante a captura e o transporte – gerou um deslocamento imenso de pessoas de suas comunidades de origem. Essa migração forçada representou um verdadeiro desastre demográfico para essas comunidades (LOVEJOY, 1989, p. 393).

Minha posição pessoal neste debate é clara: o comércio de escravos europeu através do Atlântico marcou um rompimento radical na história da África, especialmente porque ele foi a maior influência na transformação da sociedade africana (LOVEJOY, 1989, p. 365).

A discussão sobre as consequências do comércio de escravos para a África e os africanos traz consigo uma série de questões sobre o legado da escravidão e do trato atlântico nas regiões que participaram dessa diáspora africana. O estigma da escravidão carrega consigo um silêncio difícil de quebrar. Tanto aqueles que foram escravizados, quanto os que participaram da captura, transporte e venda de escravos procuram se afastar das trajetórias vividas por seus antepassados, engendrando assim uma cadeia de silêncios sobre esta instituição essencial para o surgimento das sociedades modernas (LOVEJOY; IYE, 2012, p. 01).  O que aconteceu com os descendentes de escravos após a proibição da escravidão no mundo atlântico? Como foi a inclusão desses indivíduos na economia e na sociedade daqueles países até então baseados no modo de produção escravista? No caso do Brasil, último país das Américas a abolir o trabalho escravo, quais as sequelas sociais, econômicas e culturais do modelo escravista que organizava a sociedade até 1888?

O maior legado da escravidão nas sociedades que receberam as vítimas do comércio atlântico de escravos é o racismo. Ideia filosófica desenvolvida durante os séculos do comércio de escravos, o racismo caracteriza a escravidão no mundo atlântico e até hoje causa conflitos em nações que receberam escravos africanos e mesmo naquelas que nunca vivenciaram este processo histórico. O pensamento iluminista ocidental e sua tendência de universalizar as particularidades físicas e culturais europeias como sendo o padrão de normalidade para a humanidade acabou por fabricar teses sobre a hierarquização da espécie humana em diferentes raças, nas quais o “negro” encontra-se sempre em posição inferior. A naturalização dessa inferioridade como justificativa para a dominação e a transformação de preconceitos e mitos sociais em conhecimento científico caracterizou a ciência e o colonialismo europeus no século XIX e parte do século XX.   Tentar compreender como a escravização de milhões de pessoas resultou em preconceito, racismo e as injustiças e desigualdades herdadas por nossa sociedade é um dos maiores objetivos de educadores e especialistas do tema (LOVEJOY; IYE, 2012, p. 01).

Mas é preciso também lembrar que a história do continente africano é muito mais do que escravidão e comércio de escravos. De fato, a escravidão é uma instituição que teve profundas consequências para o desenvolvimento histórico das sociedades africanas, mas suas histórias não se resumem a essa tragédia. O continente africano não se resume a um grande armazém de povos escravizados. É importante apresentar a África para além da escravidão e do comércio de escravos, mostrando como as diversas sociedades africanas possuíam organizações políticas e econômicas bem estruturadas antes de sua inserção no comércio atlântico de escravos. É preciso também reconhecer a violência e brutalidade que acompanhavam a instituição da escravidão, assim como a força e resistência daqueles indivíduos explorados por sua força de trabalho (LOVEJOY; IYE, 2012, p. 06).

A dívida do Mundo Ocidental com esses africanos escravizados e seus descendentes jamais poderá ser paga. As vítimas diretas desta exploração já estão mortas e seus descendentes ainda são estigmatizados nas sociedades que exploraram seus antepassados. É preciso entender que ações afirmativas como as cotas em universidades federais não representam a subestimação das capacidades dos cidadãos negros. Elas devem ser encaradas por todos aqueles que vivem em sociedades que possuíam escravos africanos como uma medida simbólica de reparação. Afinal de contas, a história da escravidão não pertence aos africanos e seus descendentes, mas ao mundo inteiro. 

Como era o comércio entre europeus e africanos?

O encontro entre europeus e os habitantes da África Ocidental não foi exatamente novidade, uma vez que as rotas transaarianas já conectavam o Mediterrâneo a esta região. Já na África Centro-Ocidental, a chegada das embarcações portuguesas abriu um capítulo totalmente inédito na relação entre Europa e África.

Como funcionava o comércio europeu de escravos?

Nesses portos, os africanos prisioneiros eram trocados por alguma mercadoria valiosa, que poderia ser tabaco, cachaça, pólvora, entre outros. Depois de vendidos para algum comerciante europeu, os africanos embarcavam no navio que os transportaria para a América ou Europa.

Como os reinos africanos faziam seu comércio com a Europa e o Oriente?

Essas caravanas ofereciam mercado para os produtos africanos trazidos do interior do continente, como marfim, nós de cola, objetos de ferro, tecidos e uma infinidade de produtos fornecidos pelas populações africanas, mas, também, comercializavam escravos, que eram exportados ou utilizados nos reinos africanos.

Como era o comércio do povo africano?

O comércio Atlântico não era o único tráfico de escravos africanos. Já no século I d.C. eram trazidos escravizados pelo deserto do Saara, vindos da costa oriental africana. Estes cativos tinham como destino a escravatura no norte da África, no Médio Oriente, para o qual seguiam viagem através do Oceano Índico.