A mulher que aprendeu a rir de si mesma

A vida é muito, mas mesmo muito minha amiga! Ela me deu o pai mais incrível deste mundo.

Hoje, ele celebra mais um aniversário de nascimento e eu estou tão feliz! Parabéns, papai! Sou a filha mais realizada que existe, a menina mulher que você criou e cria com tanta transparência, amor e cuidado.

Acho que nunca lhe agrade-ci devidamente todas as coisas que seu coração de ouro me proporciona! Espero que este dia fique marcado por momentos simplesmente hilariantes, muito felizes, cheios de coisa boa, presentes e alegrias! Nunca mude, papai, porque é desse jeito que eu o amo! Feliz aniversário!

Uma história bem diferente | Imagem: divulgação Disney Animation

Tradicionalmente nas animações Disney, as histórias são coesas, com personagens bem definidos, uma boa dose de drama, alívios cômicos, musicais e tudo o que faz um longa-metragem deles ser o que é, desde Branca de Neve!

Porém, no final de 2000, os estúdios do Mickey colocaram em cartaz um filme que subverteu totalmente toda essa tradição e ainda por cima lançou as bases para um novo estilo.

Em 1996, foi dado o sinal verde para a produção de mais um épico Disney: Reino do Sol. Não conhece? É porque a história saiu um pouquinho diferente. Os estúdios aproveitavam o sucesso de grandes filmes, que se tornaram clássicos instantâneos: Aladdin, A Bela e a Fera, O Rei Leão, Mulan… então, surgiu a ideia de criar um enredo baseado na mitologia Inca.

O Reino do Sol traria um rei ganancioso, que trocaria de lugar com um camponês humilde, numa trama parecida com o conto de Mark Twain, O Príncipe e o Mendigo. Entretanto, uma bruxa descobriria o ocorrido, e transformaria o rei em lhama, para chantageá-lo. Tudo muito dramático e sério. Mas a história lembra levemente outro filme, não?

Acontece que outro clássico do estúdio, que vinha numa linha mais “séria”, O Corcunda de Notre Dame, teve um desempenho de bilheteria bem abaixo do esperado. Isso deixou o Mickey de orelhas em pé.

Fracasso anunciado

Até que alguém, em alguma reunião, possivelmente um estagiário, lembrou-se que em Aladdin, uma das melhores coisas era o caos promovido pelo Gênio, naquela interpretação fantástica de Robin Williams. E também lembrou de Hércules, que mesmo não indo assim tão bem nos cinemas, fez sucesso deixando um tanto de lado a parte mais dramática da história e dando vazão à comédia.

E se… esse O Reino do Sol fosse virado de cabeça para baixo?

Tudo muito bom, fora o fato do filme ter data marcada para estreia, no final do ano 2000. E já estava quase pronto, naquele final de 1998, após consumir cerca de 30 milhões de dólares.

Trabalho intenso

O Reino do Sol passou pela maior – e mais rápida – refação de um filme da Disney desde Pinóquio (1940). E causou uma crise interna gigantesca, com boa parte dos animadores, e o diretor Roger Allers, deixando o projeto.

Para tocar o novo filme, foi chamado Mark Dindal. Dois anos antes, havia dirigido o simpático Gatos Não Sabem Dançar, para a Warner. A equipe de animação foi rearranjada, com integrantes do recente Fantasia 2000, com profissionais de vários estilos.

Mas O Reino do Sol ainda tinha um problema: o título. Sério demais. Então, alguém, quem sabe aquele estagiário, lembrou do conto A Roupa Nova do Rei. Pronto! O novo roteiro ganhou o nome de A Nova Onda do Imperador.

Mantinha-se o governante egocêntrico, o camponês simplório, a bruxa e até a lhama… mas o tom mudou completamente. O filme virou uma comédia maluca, como a Disney jamais havia arriscado, abusando de piadas, referências, gags visuais e muita metalinguagem. Praticamente todos os musicais foram arrancados, mantendo-se basicamente a canção da abertura.

Mudança total

As mudanças não pouparam sequer o nome do personagem principal. O rei Manco (um nome tradicional Inca) foi trocado para Kuzco, e o personagem foi promovido a Imperador. Yzma, a bruxa, tornou-se bem mais caricata, e ganhou um auxiliar que roubou a cena: Kronk. Um soldado imenso, sempre pronto a realizar as ordens de sua superior, mas com um bom coração que acaba mudando os rumos da história.

O trio foi dublado por David Spade, Eartha Kitt e Patrick Warburton. Pacha, o camponês, foi interpretado por John Goodman.

A dublagem brasileira, por sinal, é considerada até pela Disney um espetáculo à parte. O filme por aqui tornou-se ainda mais amalucado, cheio de expressões regionais e piadas que fazem muito mais sentido para o público local. 

Kuzco ganhou a interpretação divertidíssima e cheia de improvisos e manhas de Selton Mello. Marieta Severo incorporou Yzma, enquanto Guilherme Briggs deu vida – e muitas expressões – para Kronk. Pacha ficou a cargo de Humberto Martins, na época fazendo sucesso nas novelas da Globo, dando-lhe uma personalidade tão bonachona quanto John Goodman.

Estreia contida

A Nova Onda do Imperador estreou no final de dezembro de 2000. Houve quem torcesse o nariz para o novo estilo, mas não foi esse o responsável pela modesta abertura de bilheteria. A própria Disney “sabotou” sua campanha de lançamento, concentrando a maior parte do marketing no live action cheio de cãezinhos 102 Dálmatas, lançado quase ao mesmo tempo.

A animação, como muitas outras Disney, abre com um musical envolvente. Mas esqueça o que viu em O Rei Leão, Pocahontas, Aladdin, entre outros. Em dois minutos, a canção mostra ao que o filme veio. Dá a ideia exata do incrível poder do Imperador, o tamanho de seu egocentrismo, mostrando até o intérprete da canção!

A metalinguagem não pára por aí, muito pelo contrário. Em determinado ponto, num momento dramático (ou quase), o Imperador em pessoa interrompe a projeção do cinema para contar sua versão ao público; Em uma cena de ação, Kronk faz sua própria trilha sonora, com direito a comentários em off do próprio Imperador.

Uma das produções mais engraçadas da Disney, não perdoa nem o elenco original. Numa determinada cena, Yzma ordena que Kronk a acompanhe ao seu laboratório particular. Aciona uma alavanca que os faz descer por um típico carrinho de montanha russa, ambos trajando uniformes que remetem à série Batman de 1966. Seria apenas uma piada a mais, caso a intérprete de Yzma não fosse Eartha Kitt, atriz que personificou a Mulher Gato nas temporadas do programa.

Kuzco, conforme a sinopse original, também é transformado em lhama. Porém, não como se previa: a transformação é parcial, e ele permanece consciente que é o Imperador na forma de lhama. Isso rende ótimas gags, e não impede que em determinado momento a lhama se disfarce como esposa do camponês.

O legado de Kuzco

Há citações a fast foods, parques temáticos, diversos filmes (não apenas da Disney) e muito mais. O estilo gráfico do desenho remete muito mais ao jeitão de animações mais descompromissadas do que aquele visual mais sisudo de outras. Diria que se aproxima um pouco do visual de Hércules, mas ainda mais alucinado.

Paralelamente à estreia de A Nova Onda do Imperador, o estúdio concorrente, Dreamworks, lançava Shrek, que perverteu de vez a linguagem dos contos de fada. Dentro da Disney, os reflexos de A Nova Onda nesta época estão claramente em Lilo & Stitch, depois em A Princesa e o Sapo, com seu ponto máximo no divertidíssimo Nem Que a Vaca Tussa, última animação 2D do estúdio até o momento.

Em todos estes, o humor é muito mais valorizado do que o drama. E isso perdura mesmo nas novas animações. Enrolados colocou humor na velha história de Rapunzel. Detona Ralph se diverte criticando a cultura pop; Wi-Fi Ralph ri descaradamente das Princesas Disney, um dos grandes patrimônios da empresa; Frozen não seria o que é se não fosse pela presença de Olaf, que usa a metalinguagem o tempo todo.

Mesmo uma das mais novas animações da casa, Encanto, quebra a quarta parede com frequência, basta ficar atento ao musical de abertura.

O novo estilo do Imperador

A Nova Onda do Imperador, mesmo sem ter a bilheteria merecida, foi muito bem logo depois, no lançamento para vídeo doméstico. Funcionou tanto em VHS e DVD que teve uma continuação cinco anos depois, lançada diretamente para este mercado. 

A Nova Onda do Kronk conta as desventuras do guarda-costas de Yzma tentando ganhar a aprovação, ou melhor, "o dedão positivo” de seu pai. Basicamente todo o elenco retorna. 

Mais recentemente, a série animada A Nova Escola do Imperador chegou ao canal Disney Júnior.

Muito além de Kuzcotopia

A importância de A Nova Onda do Imperador na história dos Estúdios Disney é decisiva. Daquele ponto em diante, roteiristas, diretores e animadores foram liberados para ousar ainda mais. 

Mesmo o personagem mais importante da casa, o símbolo de tudo o que é ligado à Disney, acabou sendo influenciado: a atual série de animação O Maravilhoso Mundo do Mickey quebra qualquer paradigma estético e narrativo da casa. O camundongo continua com sua velha personalidade, mas a animação em todos os seus aspectos é uma herdeira direta da loucura iniciada ali em A Nova Onda.

Todas estas animações estão disponíveis no Disney+, e é aquele típico filme para assistir sem se preocupar com nada, a não ser rir muito.

A mulher que aprendeu a rir de si mesma

Radialista, publicitário, jornalista e escritor de assuntos aleatórios


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