A linhagem do deus monoteistas são as mesmas

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As concepções sobre Deus têm variado ao longo do tempo e do espaço, conforme as diferentes culturas que as adotam. Historicamente é possível encontrar diversificadas definições sobre a divindade, desde tribos ancestrais até os princípios dogmáticos das religiões modernas.

Deus é concebido a maior parte das vezes como o Criador do Universo, Aquele que tudo rege. Na Teologia Ele tem sido definido através de atributos como a onisciência, a onipotência, a onipresença, a suprema bondade, a sagrada modéstia, o sublime desvelo, Ser transcendente, eterno e desprovido de corpo, de quem nasce toda a moral. Tanto judeus quanto cristãos e muçulmanos têm tolerado estes conceitos com maior ou menor intensidade.

Na Idade Média, vários pensadores, como Santo Agostinho e Tomás de Aquino, elaboraram teorias defendendo a existência de Deus, lutando contra ilusórias incoerências inerentes às qualidades atribuídas à Divindade. Ao longo da História as idéias sobre Deus revelaram-se bem diversificadas. Desde o nascimento da Humanidade surgiram as diferentes formas de compreender o Sagrado - como a percepção abraâmica de Deus, também conhecida como monoteísmo do deserto; assim se denominam as religiões provenientes das convenções dos semitas, que têm como ícone a figura do patriarca Abraão, ou seja, o cabalismo judaico, o Islamismo e a trindade defendida pelo Cristianismo.

Outra visão importante de Deus provém dos cultos indianos, que não são homogêneos em sua forma de conceber a Divindade, mas se diferenciam de uma doutrina para a outra, conforme a área da Índia enfocada e a casta em questão, desde as que possuem uma crença monoteísta até as que professam o politeísmo. No Budismo Ele não é percebido do ponto de vista teísta, ou seja, da fé na existência de um único Deus, criador do Universo, pois apesar de postular a realidade de vários deuses, esta religião vê estas entidades tão somente como seres que residem, por algum tempo, em universos divinos que oferecem aos seus habitantes uma intensa felicidade, mas que ao mesmo tempo estão submetidos ao jugo da morte e à ocasional reencarnação em mundos inferiores.

Hoje aparecem novos conceitos sobre Deus, como a Teologia do Processo ou Teologia Neoclássica, segundo a qual esta entidade não pode ser considerada onipotente se isto indicar que Ele deve ser repressor, e a Divindade não seria perfeita se fosse restringida pela presença de determinados atributos, entre outros princípios; e o Teísmo Aberto, teologia que rejeita a onipotência, a onipresença e a onisciência de Deus.

No Ocidente, atualmente, chega-se a autores que defendem a morte de deus, na verdade não do Ser em si, mas do conceito que predomina sobre a Divindade na esfera ocidental, revelando o desencanto do mundo, no sentido da idéia defendida pelo filósofo Max Weber. Isto significa que a idéia sobre o Divino estaria exilada dos distintos círculos da existência humana, tanto do social quanto do pessoal.

Alguns também lançam hipóteses sobre uma origem extraterrena de Deus, na linhagem de escritores como Erich Von Däniken, autor de Eram os Deuses Astronautas, enquanto outros, como o também escritor de ficção científica, Arthur C. Clarke, defendem a possibilidade Dele ser futuramente gerado pelo Homem, como uma espécie de inteligência artificial. Há igualmente estudiosos que consideram as religiões e, portanto, Deus, nada mais do que mitos, frutos do medo da morte e daquilo que não se conhece.

A visão científica condena os dogmas, rejeitando assim as religiões que se baseiam nestes princípios, os quais vão contra as mais recentes descobertas científicas, e assim não atualizam seus postulados, o que gera um inevitável confronto entre a Ciência e a Religião. Até mesmo os que têm fé em Deus hoje questionam determinados ensinamentos dogmáticos transmitidos pelas crenças que neles se fundamentam, o que abre um vasto campo para o crescimento do materialismo e do ateísmo declarado. As religiões atingem neste momento um impasse nunca antes vivenciado, pois o desenvolvimento tecnológico invalida, em nossos dias, muitos dos dogmas até agora considerados verdadeiros alicerces das crenças partidárias do dogmatismo.

Fontes
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teísmo_aberto
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_do_processo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_no_budismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Religião_abraâmica
http://www.gotquestions.org/Portugues/fe-Deus-ciencia.html
http://o-reino-dos-fins.blogspot.com/2008/05/morte-de-deus-ou-o-nascimento-da.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus

Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/religiao/deus-das-diversas-religioes-e-na-ciencia/

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Yuval Noah Harari publicou pela Vogais a “História Breve da Humanidade”, oferecendo uma leitura diferente dos acontecimentos passados e presentes da história humana. A sua teoria é simples: o ser humano mantém-se como espécie porque acredita em ficções coletivas que são as narrativas sociais que partilhamos. Harare coloca nesse campo da ficção a religião e o dinheiro, num dos capítulos desta obra. Depois do capítulo sobre o dinheiro, aqui fica o capítulo relativo à religião.

A Lei da Religião

No mercado medieval de Samarkand, uma cidade construída num oásis da Ásia Central, os mercadores sírios passavam as mãos pelas finas sedas chinesas, ferozes membros das tribos das estepes exibiam o mais recente grupo de escravos de cabelo cor de palha, vindos do Oeste longínquo, e os lojistas embolsavam brilhantes moedas de ouro gravadas com palavras exóticas e perfis de reis estranhos. Aqui, numa das maiores encruzilhadas do seu tempo, entre o Ocidente e o Oriente, o Norte e o Sul, a unificação da humanidade era um facto quotidiano. O mesmo processo poderia ser observado quando o exército de Kublai Khan se reuniu para invadir o Japão, em 1281. Os cavaleiros mongóis, envergando cabedais e peles, avançavam lado a lado com soldados rasos chineses com os seus chapéus de bambu, enquanto os auxiliares coreanos ébrios brigavam com os marinheiros tatuados do mar do Sul da China e os engenheiros da Ásia Central ficavam de queixo caído perante as histórias dos aventureiros europeus, obedecendo todos às ordens de um só imperador.

Se o leitor tivesse sido um peregrino em viagem a Meca, contornando o altar mais sagrado do Islão em 1300, ter-se-ia descoberto na companhia de um grupo da Mesopotâmia, com as suas túnicas flutuando ao vento, os olhos brilhantes de êxtase e as bocas a repetir, um após outro, os 99 nomes de Deus.

Entretanto, em redor da Caaba sagrada de Meca, a unificação humana prosseguia de outra forma. Se o leitor tivesse sido um peregrino em viagem a Meca, contornando o altar mais sagrado do Islão em 1300, ter-se-ia descoberto na companhia de um grupo da Mesopotâmia, com as suas túnicas flutuando ao vento, os olhos brilhantes de êxtase e as bocas a repetir, um após outro, os 99 nomes de Deus. Logo à frente poderia ver um cansado patriarca turco das estepes asiáticas apoiando-se, vacilante, num cajado e alisando pensativamente a barba. De um lado, com as joias douradas a brilhar sobre a pele negra como azeviche, poderia estar um grupo de muçulmanos oriundo do reino africano do Mali. O aroma a cravo, açafrão, cardamomo e sal marinho poderia assinalar a presença de irmãos da Índia ou, quiçá, das misteriosas ilhas das especiarias, mais para leste.

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Hoje em dia a religião é, muitas vezes, considerada uma fonte de discriminação, discórdia e desunião. Contudo, na verdade, a religião tem sido o terceiro maior unificador da humanidade, ao lado do dinheiro e dos impérios. Como as ordens sociais e hierárquicas são imaginadas, todas elas são frágeis, e quanto maior a sociedade, mais frágil se torna. O papel histórico vital da religião tem sido conceder legitimidade sobre-humana a estas estruturas frágeis. As religiões garantem que as nossas leis não são o resultado de caprichos humanos, antes foram ordenadas por uma autoridade absoluta e suprema. Isto ajuda a colocar pelo menos algumas leis fundamentais fora do alcance de qualquer desafio, garantindo assim a estabilidade social.

A religião pode ser definida como um sistema de normas e valores humanos que tem por base a crença numa ordem sobre-humana.

Como tal, a religião pode ser definida como um sistema de normas e valores humanos que tem por base a crença numa ordem sobre-humana. Tal envolve dois critérios distintos:

1) As religiões defendem a existência de uma ordem sobre-humana, que não é o produto de caprichos ou acordos humanos. O futebol profissional não é uma religião porque, apesar das suas muitas leis, ritos e rituais, muitas vezes bizarros, todos sabem que foram os seres humanos que inventaram o futebol e a FIFA pode, a qualquer momento, aumentar as dimensões da baliza ou acabar com a lei do fora de jogo.

2) Tendo por base as ordens sobre-humanas, a religião estabelece normas e valores que considera vinculativos. Muitos Ocidentais acreditam em fantasmas, fadas e na reincarnação, mas estas crenças não são uma fonte de padrões morais e comportamentais. Como tal, não constituem uma religião.

Apesar da sua capacidade para legitimar ordens sociais e políticas generalizadas, nem todas as religiões aplicaram este potencial. Para unir sob a sua égide um vasto território, habitado por grupos diferentes de seres humanos, uma religião deve possuir mais duas qualidades: a) deve abraçar uma ordem sobre-humana universal que seja verdadeira em todos os momentos e locais; e b) tem de insistir na disseminação da sua crença por todos. Por outras palavras, deve ser universal e missionária.

A emergência de religiões universais e missionárias é uma das mais importantes revoluções da História e deu um contributo vital para a unificação da humanidade, tal como o aparecimento dos impérios universais e do dinheiro universal.

As religiões melhor conhecidas da História, como o Islão ou o Budismo, são universais e missionárias. Consequentemente, as pessoas tendem a acreditar que todas as religiões são como elas. Na verdade, a maior parte das religiões antigas eram locais e exclusivas. Os seus seguidores acreditavam em divindades e espíritos locais, e não tinham qualquer interesse em converter toda a raça humana. Tanto quanto sabemos, as religiões universais e missionárias só apareceram no primeiro milénio antes de Cristo. A sua emergência é uma das mais importantes revoluções da História e deu um contributo vital para a unificação da humanidade, tal como o aparecimento dos impérios universais e do dinheiro universal.

Silenciando os inocentes

Quando o animismo era o sistema de crenças dominante, as normas e valores humanos tinham de ter em consideração a perspetiva e os interesses de uma multidão de outros seres vivos, como animais, plantas, fadas e fantasmas. Por exemplo, um grupo de recoletores no vale do Ganges podia ter estabelecido como regra proibir as pessoas de derrubar uma figueira particularmente grande, não fosse o espírito da figueira zangar-se e vingar-se. Outro bando recoletor que vivesse no vale do Indo podia proibir as pessoas de caçarem raposas de cauda branca, porque uma raposa de cauda branca tinha revelado, certa vez, a uma sábia, onde o bando podia encontrar a preciosa obsidiana.

As pessoas do Indo não se davam ao trabalho de enviar missionários ao Ganges, para convencerem os locais a não caçar raposas de cauda branca.

Tais religiões tendem a ser muito locais na sua perspetiva e a realçarem os aspetos únicos de locais, climas e fenómenos específicos. A maior parte dos recoletores passava toda a sua vida numa área de não mais de mil quilómetros quadrados. Para sobreviver, os habitantes de um vale em particular precisavam de compreender a ordem sobre-humana que regulava o seu vale e ajustar a ela o seu comportamento. Era inútil tentar convencer os habitantes de um vale distante a seguir as mesmas regras. As pessoas do Indo não se davam ao trabalho de enviar missionários ao Ganges, para convencerem os locais a não caçar raposas de cauda branca.

O primeiro efeito religioso da Revolução Agrícola foi transformar as plantas e os animais, de membros igualitários de uma mesa-redonda espiritual em propriedade.

A Revolução Agrícola parece ter sido acompanhada por uma revolução religiosa. Os caçadores-recoletores colhiam e perseguiam plantas e animais selvagens, que podiam ser vistos como tendo igual estatuto ao do Homo sapiens. O facto de o Homem caçar ovelhas não fazia com que as ovelhas lhe fossem inferiores, tal como a circunstância de os tigres caçarem humanos não fazia com que estes fossem inferiores aos tigres. Os seres comunicavam uns com os outros diretamente e negociavam as regras que governavam o seu habitat partilhado. Os agricultores, por outro lado, possuíam e manipulavam plantas e animais e dificilmente se rebaixavam a negociar os seus bens. Como tal, o primeiro efeito religioso da Revolução Agrícola foi transformar as plantas e os animais, de membros igualitários de uma mesa-redonda espiritual em propriedade.

Isto, contudo, criou um grande problema. Os agricultores podiam ter desejado um controlo absoluto sobre as suas ovelhas, mas sabiam perfeitamente que o seu controlo era limitado. Podiam fechar as ovelhas em currais, castrar os carneiros e criar ovelhas de forma seletiva, mas não podiam garantir que as ovelhas engravidassem e dessem à luz cordeiros saudáveis, tal como não podiam impedir o surgimento de epidemias mortíferas. Então, como salvaguardar a fecundidade dos rebanhos?

Deuses como a deusa da fertilidade, o deus do céu e o deus da medicina assumiram o centro do palco quando as plantas e os animais perderam a capacidade de falarem e o principal papel dos deuses era a mediação entre os seres humanos e as plantas e animais mudos.

Uma importante teoria quanto à origem dos deuses defende que estes ganharam importância por oferecerem uma solução para este problema. Deuses como a deusa da fertilidade, o deus do céu e o deus da medicina assumiram o centro do palco quando as plantas e os animais perderam a capacidade de falarem e o principal papel dos deuses era a mediação entre os seres humanos e as plantas e animais mudos. Grande parte da mitologia antiga é, de facto, um contrato legal através do qual os seres humanos prometem devoção eterna em troca do domínio das plantas e dos animais — os primeiros capítulos do livro do Génesis são um excelente exemplo. Durante milhares de anos, depois da Revolução Agrícola, a liturgia religiosa consistia, sobretudo, em seres humanos a sacrificar carneiros, vinho e bolos aos poderes divinos, que, em troca, prometiam colhei-tas abundantes e rebanhos fecundos.

A mitologia antiga é, de facto, um contrato legal através do qual os seres humanos prometem devoção eterna em troca do domínio das plantas e dos animais 

A Revolução Agrícola teve, inicialmente um impacto muito mais pequeno no estatuto de outros membros do sistema animista, como as rochas, as nascentes, os fantasmas e os demónios. No entanto, também estes foram perdendo gradualmente o seu estatuto a favor dos novos deuses. Enquanto as pessoas passaram toda a sua vida no interior de territórios limitados, de algumas centenas de quilómetros, a maior parte das suas necessidades puderam ser satisfeitas por espíritos locais. Contudo, quando os reinos e as redes de comércio se alargaram, as pessoas precisaram de contactar entidades cujos poder e autoridade englobassem um reino inteiro ou toda uma zona de comércio.

Quando os reinos e as redes de comércio se alargaram, as pessoas precisaram de contactar entidades cujos poder e autoridade englobassem um reino inteiro ou toda uma zona de comércio.

A tentativa de responder a estas necessidades conduziu ao surgimento das religiões politeístas (do grego: poly = muitos, theos = deus). Estas religiões entendiam o mundo como sendo controlado por uma série de deuses poderosos, como a deusa da fertilidade, o deus da chuva e o deus da guerra. Os seres humanos podiam realizar apelos a estes deuses e os deuses podiam, caso recebessem devoções e sacrifícios, dignar-se a trazer a chuva, a vitória e a saúde.

O animismo não desapareceu por completo com o surgimento do politeísmo. Demónios, fadas, fantasmas, rochas, nascentes e árvores sagradas continuaram sendo uma parte integrante de quase todas as religiões politeístas. Estes espíritos eram muito menos importantes do que os grandes deuses, mas, para as necessidades mundanas da maior parte das pessoas, eram suficientes. Enquanto o rei, na capital, sacrificava dezenas de cordeiros gordos ao grande deus da guerra, rezando por uma vitória sobre os bárbaros, o camponês, na sua cabana, acendia uma vela à fada da figueira, rezando para que esta ajudasse a curar o seu filho doente.

Enquanto o rei, na capital, sacrificava dezenas de cordeiros gordos ao grande deus da guerra, rezando por uma vitória sobre os bárbaros, o camponês, na sua cabana, acendia uma vela à fada da figueira

No entanto, o maior impacto da ascensão dos grandes deuses não foi sobre as ovelhas ou os demónios, mas sobre o estatuto do Homo sapiens. Os animistas achavam que os seres humanos eram apenas mais uma das muitas criaturas que habitavam o mundo. Os politeístas, por outro lado, viam cada vez mais o mundo como um reflexo da relação entre deuses e homens. As nossas orações, os nossos sacrifícios, os nossos pecados e as nossas boas ações determinavam o destino de todo o ecossistema. Uma inundação terrível podia arrasar milhares de milhões de formigas, gafanhotos, tartarugas, antílopes, girafas e elefantes, só porque alguns sapiens tolos tinham irritado os deuses. Como tal, o politeísmo exaltava não só o estatuto único dos deuses, como também da humanidade. Membros menos afortunados do antigo sistema animista perderam o seu estatuto e transformaram-se em figurantes ou decorações silenciosas, no grande drama da relação do Homem com os deuses.

Os Benefícios da idolatria

Dois milhares de anos de lavagem cerebral monoteísta levaram os Ocidentais a verem o politeísmo como uma idolatria ignorante e infantil. De facto, a maior parte das religiões politeístas, e até animistas, reconhece um poder supremo que se ergue por trás de todos os diferentes deuses, demónios e rochas sagradas. No politeísmo grego clássico, Zeus, Hera, Apolo e os seus colegas estavam sujeitos a um poder omnipotente e global — o Destino (Moira, Ananke). Também os deuses nórdicos estavam presos ao Destino, que os condenou a perecer no cataclismo do Ragnarök (o Crepúsculo dos Deuses). Na religião politeísta dos Yoruba, da África Ocidental, todos os deuses nasceram do deus supremo Olodumare e permaneciam sujeitos a ele. No politeísmo hindu, um só princípio, Atman, controla a miríade de deuses e espíritos, a humanidade e os mundos biológico e físico. Atman é a essência ou alma eterna de todo o Universo, bem como de todo o indivíduo e de todos os fenómenos.

Dois milhares de anos de lavagem cerebral monoteísta levaram os Ocidentais a verem o politeísmo como uma idolatria ignorante e infantil.

O ponto de vista fundamental do politeísmo, que o distingue do monoteísmo, é que o poder supremo que governa o mundo é vazio de interesses e preconceitos e, como tal, não se preocupa com os desejos mundanos, os cuidados e as preocupações dos seres humanos. É inútil pedir a esta potência a vitória na guerra, saúde ou chuva, porque, do seu ponto de vista global, não faz diferença se um reino em particular ganha ou perde, se uma cidade específica prospera ou definha ou se uma pessoa recupera ou morre. Os Gregos não desperdiçavam sacrifícios com o Destino, e os Hindus não construíram templos a Atman.

A única razão para abordar a potência suprema do Universo seria para renunciar a todos os desejos e abraçar o mau juntamente com o bom — abraçar inclusive a derrota, a pobreza, a doença e a morte. Assim, alguns hindus, conhecidos como sadhus e sannyasis, dedicavam a sua vida a unirem-se com Atman, alcançando deste modo o conhecimento. Esforçavam-se por ver o mundo a partir do ponto de vista deste princípio fundamental, e compreender que, da sua perspetiva eterna, todos os desejos e medos mundanos eram fenómenos insignificantes e efémeros.

A maior parte dos hindus, contudo, não é composta por sadhus— está profundamente mergulhada no pântano das preocupações mundanas, onde Atman não lhes pode servir de grande ajuda. Para receberem assistência em tais assuntos, os hindus abordam os deuses com poderes parciais. Precisamente por os seus poderes serem parciais e não globais, deuses como Ganesha, Lakshimi e Saraswati têm interesses e preconceitos. Os seres humanos podem, como tal, fazer acordos com estes poderes parciais e depender da sua ajuda para ganhar guerras e recuperar a saúde. Existem, necessariamente, muitas destas potências mais pequenas, já que quando se começa a dividir o poder global de um princípio supremo acaba-se, inevitavelmente, com mais de uma divindade. Daí a pluralidade de deuses.

O ponto de vista do politeísmo conduz a uma mais vasta tolerância religiosa. Como os politeístas acreditam, por um lado, num poder supremo completamente desinteressado e, por outro, em muitos poderes parciais e preconceituosos, os devotos de um deus não têm qualquer dificuldade em aceitar a existência e a eficácia de outros deuses. O politeísmo é, inerentemente, aberto e raramente persegue «hereges» e «infiéis».

Os Egípcios, os Romanos e os Astecas não enviavam missionários a terras estranhas para espalharem a adoração de Osíris, Júpiter ou Huitzilopochtli (o principal deus asteca) e decerto não enviavam exércitos com esse propósito.

Mesmo quando os politeístas conquistavam impérios enormes, não tentavam converter os seus súbditos. Os Egípcios, os Romanos e os Astecas não enviavam missionários a terras estranhas para espalharem a adoração de Osíris, Júpiter ou Huitzilopochtli (o principal deus asteca) e decerto não enviavam exércitos com esse propósito. Esperava-se que os povos subjugados de todo o império respeitassem os deuses e rituais do império, já que estes deuses e rituais protegiam e legitimavam esse mesmo império. Contudo não lhes era pedido que abdicassem dos deuses e rituais locais. No Império Asteca, os povos subjugados eram obrigados a construir templos a Huitzilopochtli, mas estes templos eram construídos ao lado dos de deuses locais, não em vez deles. Em muitos casos, a própria elite local adotava os deuses e os rituais dos povos subjugados. Os Romanos acrescentaram alegremente a deusa asiática Cibele e a deusa egípcia Ísis ao seu panteão.

Nos 300 anos entre a crucificação de Cristo e a conversão do imperador Constantino, os imperadores politeístas romanos iniciaram apenas quatro perseguições gerais aos cristãos, apesar de os administradores e governadores locais incitarem a alguma violência anticristã.

O único deus que os Romanos se recusaram a tolerar durante muito tempo foi o deus monoteísta e evangelizador dos cristãos. O Império Romano não exigia que os cristãos abdicassem das suas crenças e rituais, mas esperava que respeitassem os deuses protetores do império e a divindade do imperador. Isto era encarado como uma declaração de lealdade política. Quando os cristãos se recusaram veementemente a fazê-lo, e rejeitaram todas as tentativas de chegar a um compromisso, os Romanos reagiram perseguindo aquilo que entendiam ser uma fação politicamente subversiva. E mesmo isso foi feito com pouca convicção. Nos 300 anos entre a crucificação de Cristo e a conversão do imperador Constantino, os imperadores politeístas romanos iniciaram apenas quatro perseguições gerais aos cristãos, apesar de os administradores e governadores locais incitarem a alguma violência anticristã. Ainda assim, se combinarmos todas as vítimas das perseguições, durante estes três séculos, os Romanos politeístas mataram apenas alguns milhares de cristãos. Por outro lado, durante os 1500 anos seguintes, os cristãos chacinaram milhões de cristãos para defenderem interpretações ligeiramente diferentes da religião do amor e da compaixão.

A linhagem do deus monoteistas são as mesmas

A religião tem sido o terceiro maior unificador da humanidade, ao lado do dinheiro e dos impérios

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As guerras religiosas entre católicos e protestantes, que varreram a Europa nos séculos XVI e XVII, foram particularmente notórias. Todos os envolvidos aceitavam a divindade de Cristo e o seu evangelho de compaixão e amor. No entanto, discordavam quanto à natureza desse amor. Os protestantes acreditavam que o amor divino era tão grande que Deus tinha encarnado e tinha permitido que fosse torturado e crucificado, assim redimindo do pecado original e abrindo os portões do Céu a todos os que professassem a sua fé n’Ele. Os católicos defendiam que a fé, ainda que essencial, não era suficiente. Para entrarem no Céu, os crentes tinham de participar nos rituais da Igreja e praticar boas ações. Os protestantes recusavam-se a aceitar isto, argumentando que este quid pro quo aviltava a grandiosidade e o amor de Deus. Todos os que acreditam que entrar no Céu depende das suas boas ações realçam a sua própria importância e dão a entender que o sofrimento de Cristo na cruz e o amor de Deus pela humanidade não foram suficientes.

Todos os envolvidos aceitavam a divindade de Cristo e o seu evangelho de compaixão e amor. No entanto, discordavam quanto à natureza desse amor.

Estas disputas teológicas tornaram-se tão violentas que, durante os séculos XVI e XVII, católicos e protestantes mataram-se uns aos outros às centenas de milhar. A 23 de agosto de 1572, os católicos franceses, que realçavam a importância das boas ações, atacaram comunidades de protestantes franceses que enalteciam o amor de Deus pela humanidade. Neste ataque, o dia do massacre de S. Bartolomeu, foram chacinados entre 5000 e 10000 protestantes em menos de 24 horas. Quando o papa, em Roma, soube o que tinha acontecido em França, ficou de tal forma feliz que organizou orações festivas para celebrar a ocasião e contratou Giorgio Vasari para decorar uma das salas do Vaticano com um fresco do massacre (a sala está, hoje, encerrada aos visitantes). Foram mortos mais cristãos por outros cristãos nessas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua existência.

Deus é Uno

Com o tempo, alguns dos seguidores dos deuses politeístas tornaram-se de tal forma adeptos de um patrono em especial que se afastaram do ponto de vista básico do politeísmo.

Com o tempo, alguns dos seguidores dos deuses politeístas tornaram-se de tal forma adeptos de um patrono em especial que se afastaram do ponto de vista básico do politeísmo. Começaram por acreditar que o seu deus era o único deus e que era, de facto, o poder supremo do Universo. No entanto, ao mesmo tempo, continuavam a encará-lo como possuidor de interesses e preconceitos e a acreditar que podiam negociar com ele. Assim nasceram as religiões monoteístas, cujos seguidores apelam à potência suprema do universo para os curar de doenças, ganhar o euromilhões e alcançar a vitória na guerra.

A primeira religião monoteísta conhecida surgiu no Egito, c. 1350 a. C., quando o faraó Akhenaton declarou que uma das divindades menores do panteão egípcio, o deus Aton, era, na verdade, a potência suprema que controlava o Universo. Akhenaton institucionalizou a adoração de Aton como religião oficial do império e tentou controlar a adoração de todos os outros deuses. Esta revolução religiosa, contudo, não foi bem-sucedida. Depois da sua morte, a adoração de Aton foi abandonada em prol do antigo panteão.

O politeísmo continuou a dar origem, aqui e ali, a outras religiões monoteístas, mas estas permaneceram marginais, nomeadamente por terem sido incapazes de digerir a sua própria mensagem universal. O Judaísmo, por exemplo, defendia que a potência suprema do Universo tinha interesses e preconceitos, no entanto o seu principal interesse seria a minúscula nação judaica e a obscura terra de Israel. O Judaísmo tinha pouco a oferecer às outras nações e, durante a maior parte da sua existência, não tem sido uma religião missionária. Esta fase pode ser considerada uma fase de «monoteísmo local».O grande avanço ocorreu com o Cristianismo. Esta fé começou como uma seita esotérica judaica, que procurava convencer os judeus que Jesus da Nazaré era o messias há muito esperado. No entanto, um dos primeiros líderes da seita, Paulo de Tarso, achava que, se a potência suprema do Universo tinha interesses e preconceitos, e se se tinha dado ao trabalho de encarnar e morrer na cruz para salvação da humanidade, isso era algo que todos deviam conhecer, não apenas os judeus. Como tal, era necessário espalhar a palavra — o evangelho — de Jesus pelo mundo.

O cristão Paulo de Tarso achava que, se a potência suprema do Universo tinha interesses e preconceitos, e se se tinha dado ao trabalho de encarnar e morrer na cruz para salvação da humanidade, isso era algo que todos deviam conhecer.

Os argumentos de Paulo encontraram terreno fértil. Os cristãos começaram a realizar atividades missionárias alargadas, dirigidas a todos os seres humanos. Numa das mais estranhas reviravoltas da História, esta seita judaica esotérica apoderou-se do poderoso Império Romano.

O êxito cristão serviu de modelo para outra religião monoteísta, surgida na península Arábica no século VII — o Islão. Como o Cristianismo, o Islão também começou como uma pequena seita num canto remoto do mundo mas, num evento surpreendente, ainda mais estranho e rápido, conseguiu libertar-se dos desertos da Arábia e conquistar um império imenso, que se estendia do oceano Atlântico até à Índia. A partir daí, a ideia monoteísta passou a desempenhar um papel central na história do mundo.

Ao longo dos últimos dois milénios, os monoteístas tentaram, repetidamente, fortalecer a sua posição, exterminando de forma violenta a concorrência.

Os monoteístas tendiam a ser bem mais fanáticos e missionários do que os politeístas. Uma religião que reconhece a legitimidade de outras fés dá a entender que o seu deus não é a potência suprema do Universo ou que recebeu de Deus apenas uma parte da verdade universal. Como os monoteístas acreditam, por norma, que estão na posse de toda a mensagem do Deus único, têm sido forçados a desacreditar as outras religiões. Ao longo dos últimos dois milénios, os monoteístas tentaram, repetidamente, fortalecer a sua posição, exterminando de forma violenta a concorrência.

Funcionou. No início do século i d. C. quase não existiam monoteístas no mundo. Por volta de 500 d. C., um dos maiores impérios do mundo — o Império Romano — era cristão e os missionários estavam atarefados a espalhar o Cristianismo por outras partes da Europa, da Ásia e de África. No final do primeiro milénio depois de Cristo, a maior parte da Europa, da Ásia Ocidental e do Norte de África eram monoteístas e os impérios do Atlântico aos Himalaias alegavam receber o seu poder de um só Deus grandioso. No início do século XVI, o monoteísmo dominava a maior parte da Afro-Ásia, com exceção da Ásia Oriental e de algumas zonas mais a sul de África, e começava a estender os seus longos tentáculos em direção à África Meridional, à América e à Oceânia. Hoje em dia, a maior parte das pessoas da Ásia Oriental adere a uma ou outra religião monoteísta e a ordem política global tem por base fundações monoteístas.

A teologia monoteísta tende a negar a existência de todos os deuses, com exceção do Deus supremo, e a lançar para o fogo do Inferno todos os que os adoram.

No entanto, tal como o animismo continuou a sobreviver dentro do politeísmo, também o politeísmo continuou a sobreviver dentro do monoteísmo. Em teoria, se uma pessoa acredita que a potência suprema do Universo tem interesses e preconceitos, de que serve adorar poderes parciais? Quem preferiria abordar um burocrata pouco importante, se o gabinete do presidente estivesse aberto? De facto, a teologia monoteísta tende a negar a existência de todos os deuses, com exceção do Deus supremo, e a lançar para o fogo do Inferno todos os que os adoram.

No entanto, houve sempre um abismo entre as teorias teológicas e as realidades históricas. A maior parte das pessoas tem dificuldade em digerir a ideia monoteísta. As pessoas continuaram a dividir o mundo entre «nós» e «eles» e a ver a potência suprema do Universo como demasiadamente distante e estranha para as suas necessidades mundanas. As religiões monoteístas expulsaram os deuses pela porta da frente, com grande fanfarra, apenas para voltar a recebê-los pela janela lateral. O Cristianismo, por exemplo, desenvolveu o seu próprio panteão de santos, cujos cultos pouco diferem da veneração dos deuses politeístas.

O Cristianismo, por exemplo, desenvolveu o seu próprio panteão de santos, cujos cultos pouco diferem da veneração dos deuses politeístas.

Tal como Júpiter defendia Roma e Huitzilopochtli protegia o Império Asteca, também todos os reinos cristãos tinham o seu santo patrono, que os ajudava a superar dificuldades e a vencer guerras. Inglaterra era protegida por S. Jorge, a Escócia por Santo André, a Hungria por Santo Estêvão e França por S. Martinho. Cidades e vilas, profissões e até doenças, todas têm o seu próprio santo. A cidade de Milão tinha Santo Ambrósio, enquanto S. Marco protegia Veneza. S. Floriano protegia os limpa-chaminés, enquanto S. Mateus dava uma mão aos cobradores de impostos em apuros. Se sofresse de dores de cabeça devia rezar a Santo Acácio, mas se as dores fossem de dentes, então Santa Apolónia teria muito mais audiência.

Se sofresse de dores de cabeça devia rezar a Santo Acácio, mas se as dores fossem de dentes, então Santa Apolónia teria muito mais audiência.

Os santos cristãos não se assemelhavam apenas aos deuses politeístas. Muitas vezes eram esses mesmos deuses dissimulados. Por exemplo, a principal deusa da Irlanda celta, antes da chegada do Cristianismo, era Brigid. Quando a Irlanda foi cristianizada, também Brigid foi batizada. Transformou-se em Santa Brigite, até hoje a santa mais adorada da Irlanda católica.

A batalha do Bem e do Mal

O politeísmo deu origem não só às religiões monoteístas, como também às religiões dualistas. As religiões dualistas defendem a existência de dois poderes opostos: o Bem e o Mal. Ao contrário do monoteísmo, o dualismo acredita no Mal como poder independente, não criado por Deus nem subordinado a Este. O dualismo explica que todo o Universo é um campo de batalha entre estas duas forças e que tudo o que acontece no mundo é parte dessa luta.

O dualismo explica que todo o Universo é um campo de batalha entre estas duas forças e que tudo o que acontece no mundo é parte dessa luta.

O dualismo é uma visão do mundo deveras atraente, porque tem uma resposta curta e simples para o famoso problema do Mal, uma das principais preocupações do pensamento humano. «Porque existe Mal no mundo? Porque existe sofrimento? Porque acontecem coisas más a pessoas boas?» Os monoteístas necessitam de alguma ginástica intelectual para explicar como pode um Deus todo-poderoso, que tudo sabe e que é perfeitamente bom, permitir tanto sofrimento no mundo. Uma explicação famosa é ser essa é forma de Deus permitir o livre-arbítrio humano. Se não houvesse Mal, os seres humanos não podiam escolher entre o Bem e o Mal e, como tal, não existiria livre-arbítrio. Esta é, contudo, uma resposta não intuitiva que levanta de imediato uma série de novas perguntas. O livre-arbítrio permite que os seres humanos escolham o Mal. Muitos escolheram, de facto, o Mal, e, de acordo com o normal relato monoteísta, esta escolha acarreta o castigo divino. Ora, se Deus já sabia que determinada pessoa iria usar o seu livre-arbítrio para escolher o Mal e que, em resultado disso, teria de a castigar com eternas torturas no Inferno, porque foi que Deus a criou? Os teólogos já escreveram inúmeros livros em resposta a estas perguntas. Alguns consideram as respostas convincentes, outros não. O inegável é que os monoteístas têm dificuldade em lidar com o problema do Mal.

Para os dualistas, as coisas más acontecem mesmo às pessoas boas porque o mundo não é governado por um Deus todo-poderoso, que tudo sabe e que é perfeitamente bom. Existe um poder maléfico independente à solta no mundo. Esse poder maléfico faz coisas más.

Os monoteístas são bons a explicar o problema da ordem, mas não o problema do Mal.

O ponto de vista dos dualistas tem os seus problemas. É verdade que oferece uma solução muito simples para o problema do Mal. No entanto, é debilitado pelo problema da ordem. Se existem dois poderes opostos no mundo, um bom e outro mau, quem criou as regras que governam a luta entre ambos? Dois estados rivais podem lutar um contra o outro porque existem no tempo e no espaço e obedecem às mesmas leis da física. Um míssil lançado do Paquistão pode atingir o seu alvo em território indiano porque as mesmas leis da física se aplicam aos dois países. Quando Bem e Mal lutam, a que leis comuns obedecem e quem decretou essas leis?

Por outro lado, os monoteístas são bons a explicar o problema da ordem, mas não o problema do Mal. Existe uma forma lógica de resolver o quebra-cabeças: argumentar que existe um Deus omnipotente que criou o Universo e que existe um Deus mau. No entanto, ainda não apareceu alguém com coragem para propalar tal crença.

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As religiões dualistas floresceram durante mais de mil anos. Algures entre 1500 a. C. e 1000 a. C., um profeta chamado Zoroastro (Zaratustra) esteve ativo algures na Ásia Central. O seu credo foi transmitido de geração em geração, até se ter transformado na mais importante das religiões dualistas — o Zoroastrismo. Os zoroastristas viam o mundo como palco de uma batalha cósmica entre o deus bom, Ahura Mazda, e o deus mau, Angra Mainyu. Os seres humanos tinham de ajudar o deus bom nesta batalha. O Zoroastrismo foi uma religião importante durante o Império Persa Aqueménida (550–330 a. C.) e, mais tarde, tornou-se na religião oficial do Império Persa Sassânida (224–651 d. C.). Exerceu uma importante influência em quase todas as religiões subsequentes do Médio Oriente e da Ásia Central e inspirou várias doutrinas dualistas, como o gnosticismo e o maniqueísmo.

Durante os séculos III e IV d.C., o credo maniqueísta espalhou-se da China para o Norte de África e, por um momento, parecia prestes a vencer o Cristianismo e a dominar o Império Romano. No entanto, os maniqueístas perderam a alma de Roma para os cristãos, o Império Sassânida zoroastriano foi derrubado pelos muçulmanos monoteístas e a onda dualista recuou. Hoje em dia, já só resta uma mão-cheia de comunidades dualistas na Índia e no Médio Oriente.

Ainda assim, a maré ascendente do monoteísmo não limpou, verdadeiramente, o dualismo. Os monoteísmos judaico, cristão e muçulmano absorveram numerosas crenças e práticas e algumas das ideias mais básicas daquilo a que chamamos «monoteísmo» são, de facto, dualistas, na origem e no espírito. Inúmeros cristãos, muçulmanos e judeus acreditam numa poderosa força maléfica — como aquela a que os cristãos chamam Demónio ou Satanás —, capaz de agir de forma independente, lutar contra o Deus bom e criar o caos sem a autorização de Deus.

Os seres humanos têm uma capacidade extraordinária para acreditar em contradições. Por isso não nos devia surpreender que os devotos cristãos, muçulmanos e judeus consigam acreditar, ao mesmo tempo, num Deus omnipotente e num Demónio independente.

Como pode um monoteísta aderir a uma tal crença dualista (que, já agora, é impossível de encontrar no Velho Testamento)? Logicamente, é impossível. Ou se acredita num só Deus omnipotente ou se acredita em duas potências opostas, nenhuma das quais omnipotente. Ainda assim, os seres humanos têm uma capacidade extraordinária para acreditar em contradições. Por isso não nos devia surpreender que os devotos cristãos, muçulmanos e judeus consigam acreditar, ao mesmo tempo, num Deus omnipotente e num Demónio independente. Inúmeros cristãos, muçulmanos e judeus chegaram ao ponto de imaginar que o Deus bom até precisa da nossa ajuda para lutar contra o Demónio, o que inspirou, entre outras coisas, o apelo às jihads e às cruzadas.

Outro conceito-chave dualista, em especial no gnosticismo e no maniqueísmo, era a forte distinção entre corpo e alma, matéria e espírito. Gnósticos e maniqueístas defendiam que o Deus bom criara o espírito e a alma, ao passo que a matéria e os corpos eram uma criação do Deus mau. O Homem, de acordo com este ponto de vista, serve de campo de batalha entre a alma, boa, e o corpo, mau. De uma perspetiva monoteísta, isto é um disparate — porquê distinguir entre corpo e alma, ou matéria e espírito? Afinal de contas, tudo foi criado pelo mesmo Deus bom. No entanto, os monoteístas não conseguiram escapar à atração das dicotomias dualistas, precisamente porque estas ajudavam a abordar o problema do Mal. Assim, estes opostos acabaram por se tornar pedras de toque do pensamento cristão e muçulmano. A crença no Céu (o reino do Deus bom) e no Inferno (o reino do Deus mau) também era dualista na sua origem.

Não existe qualquer vestígio desta crença no Antigo Testamento, que também nunca afirma que as almas das pessoas continuam vivas depois da morte do corpo.

O sincretismo talvez seja, de facto, a única grande religião do mundo.

De facto, o monoteísmo, tal como se desenvolveu ao longo da História, é um caleidoscópio de legados monoteístas, dualistas, politeístas e animistas, que se misturam sob uma só proteção divina. O cristão comum acredita no Deus monoteísta, mas também no Demónio dualista, nos santos politeístas e nos fantasmas animistas. Os estudiosos da religião têm um nome para esta confissão de ideias diferentes, e até contraditórias, e para a combinação de rituais e práticas retirados de várias fontes: chamam-lhe sincretismo. O sincretismo talvez seja, de facto, a única grande religião do mundo.

A Lei da Natureza

Todas as religiões que abordámos até agora partilham uma caraterística importante: centram-se na crença em deuses e noutras entidades sobrenaturais. Isto parece óbvio aos Ocidentais, que estão familiarizados, sobretudo, com os credos monoteísta e politeísta. Contudo, na verdade, a história religiosa do mundo não se resume à história dos deuses. Durante o primeiro milénio antes de Cristo, religiões de um tipo completamente novo começaram a alastrar através da Afro-Ásia. Os recém-chegados, como o Jainismo e o Budismo, na Índia, o Taoismo e o Confucionismo, na China, e o estoicismo, o cinismo e o epicurismo, na bacia do Mediterrâneo, eram caraterizados pelo seu menosprezo pelos deuses.

Estas doutrinas defendiam que a ordem sobre-humana que governa o mundo é o produto de leis naturais, mais do que de vontades e caprichos divinos.

Estas doutrinas defendiam que a ordem sobre-humana que governa o mundo é o produto de leis naturais, mais do que de vontades e caprichos divinos. Algumas destas religiões das leis naturais continuavam a defender a existência de deuses, mas os seus deuses estavam sujeitos às leis da natureza tal como os seres humanos, os animais e as plantas. Os deuses tinham o seu nicho no ecossistema, como os elefantes e os porcos-espinhos, mas não podiam mudar as leis da natureza, tal como os elefantes. O Budismo é um excelente exemplo, a mais importante das antigas religiões da lei da natureza, que continua a ser uma das religiões mais proeminentes.

Algumas destas religiões das leis naturais continuavam a defender a existência de deuses, mas os seus deuses estavam sujeitos às leis da natureza tal como os seres humanos, os animais e as plantas. 

A figura central do Budismo não é um deus mas um ser humano, Siddhartha Gautama. De acordo com a tradição budista, Gautama era o herdeiro de um pequeno reino nos Himalaias, por volta de 500 a. C. O jovem príncipe sentia-se profundamente afetado pelo sofrimento que via à sua volta. Observou que homens e mulheres, crianças e idosos, todos sofriam, não devido a calamidades ocasionais, como a guerra e a peste, mas também de ansiedade, frustração e descontentamento, coisas que pareciam ser uma parte inseparável da condição humana. As pessoas procuravam o poder e a riqueza, adquiriam conhecimentos e bens, geravam filhos e filhas, construíam casas e palácios. No entanto, independentemente do que alcançavam, nunca estavam satisfeitas. Os que vivem na pobreza sonham com riquezas. Os que têm um milhão querem dois milhões. Os que têm dois milhões querem 10 milhões. Mesmo os ricos e famosos raramente se sentem satisfeitos. Também eles são assombrados por intermináveis cuidados e preocupações, até a doença, a idade e a morte acabarem com tudo. A totalidade do que se acumulou desaparece como fumo. A vida é uma corrida inútil. Mas, como escapar?

Aos 29 anos, Gautama fugiu do palácio, a meio da noite, deixando para trás a família e os seus bens. Viajou de forma errante pelo Norte da Índia, procurando uma escapatória para o seu sofrimento. Visitou ashrams e sentou-se aos pés de gurus, mas nada o libertou por completo — havia sempre uma sensação de insatisfação. Não desesperou. Resolveu investigar o sofrimento até encontrar um método para a libertação completa. Passou seis anos a meditar sobre a essência, as causas e as curas para a angústia humana. Por fim, compreendeu que o sofrimento não é provocado pela má sorte, pela injustiça social ou pelos caprichos divinos. Pelo contrário, o sofrimento é provocado pelos padrões comportamentais da nossa mente.

Se, ao experimentar algo agradável ou desagradável, a mente compreender, simplesmente, que as coisas são como são, então não existirá sofrimento.

Do ponto de vista de Gautama, independentemente do que a mente experimenta, esta reage, por norma, com desejo e os desejos envolvem sempre insatisfação. Quando a mente experimenta algo desagradável deseja ver-se livre da irritação. Quando a mente experimenta algo agradável deseja que o prazer continue e se intensifique. Como tal, a mente está sempre insatisfeita e inquieta. Isto é muito claro quando experimentamos coisas desagradáveis como a dor. Enquanto a dor permanece, sentimo-nos insatisfeitos e fazemos tudo o que podemos para a evitar. No entanto, mesmo quando experimentamos coisas agradáveis, nunca ficamos satisfeitos: tememos que o prazer possa desaparecer ou esperamos que se intensifique. As pessoas sonham, durante anos, com a possibilidade de encontrar o amor, mas raramente se sentem satisfeitas quando o encontram. Algumas sentem-se ansiosas com a possibilidade de o parceiro partir; outras sentem que se contentaram com pouco e que podiam ter encontrado alguém melhor. E todos conhecemos pessoas que conseguem sentir as duas coisas.

Os grandes deuses podem enviar-nos chuva, as instituições sociais podem garantir justiça e bons cuidados de saúde, felizes coincidências podem transformar-nos em milionários, mas nada pode alterar os nossos padrões mentais basilares. Como tal, mesmo o maior dos reis está condenado a viver em angústia existencial, fugindo constantemente ao sofrimento e à angústia, sempre atrás de prazeres maiores.

Gautama descobriu que havia uma forma de sair deste círculo vicioso. Se, ao experimentar algo agradável ou desagradável, a mente compreender, simplesmente, que as coisas são como são, então não existirá sofrimento. Se sentir tristeza sem desejar que a tristeza passe, continuará a sentir tristeza mas não sofrerá com ela. Na verdade, podem existir riquezas na tristeza. Se experimentar alegria sem desejar que a alegria permaneça e se intensifique, continuará a sentir alegria sem perder a paz de espírito.

Mas, como fazer com que a mente aceite as coisas como são, sem desejos? Aceitar a tristeza como tristeza, a alegria como alegria, a dor como dor? Gautama desenvolveu um conjunto de técnicas de meditação, que treinam a mente a experimentar a realidade tal como ela é, sem desejos. Estas práticas adestram a mente para que concentre toda a sua atenção na pergunta «O que estou a experimentar agora?», em vez de «O que gostaria de estar a experimentar?» É difícil atingir este estado de espírito, mas não é impossível.

Gautama fundamentou estas técnicas de meditação num conjunto de regras éticas, cujo objetivo era tornar mais fácil para as pessoas concentrarem-se na experiência atual e evitarem cair em desejos e fantasias. Aconselhou os seus seguidores a evitarem o assassinato, o sexo promíscuo e o roubo, já que tais atos acendem necessariamente o fogo do desejo (pelo poder, pelo prazer sensual ou pela riqueza). Quando as chamas se extinguem por completo, o desejo é substituído por um estado de contentamento e serenidade perfeitos, conhecido como nirvana (cujo significado literal é «extinção do fogo»). Os que alcançam o nirvana são libertados de todo o sofrimento. Experimentam a realidade com a maior clareza, livre de fantasias e ilusões. Ainda que, muito provavelmente, continuem a encontrar coisas desagradáveis e dor, tais experiências não os tornam miseráveis. Uma pessoa que não deseja não sofre.

De acordo com a tradição budista, o próprio Gautama alcançou o nirvana e foi libertado de todo o sofrimento. A partir de então foi conhecido como «buda», que significa «o iluminado». Buda passou o resto da vida a explicar as suas descobertas aos outros, para que todos pudessem libertar-se do sofrimento. Resumiu os seus ensinamentos numa só lei: o sofrimento nasce do desejo; a única forma de nos libertarmos completamente do sofrimento é libertarmo-nos completamente dos desejos; e a única forma de nos libertarmos completamente dos desejos é treinando a mente para experienciar a realidade tal como ela é.

Esta lei, conhecida como Dharma ou Dhamma, é vista pelos budistas como uma lei universal da natureza. Que «o sofrimento nasce do desejo» é verdadeiro em todos os períodos e locais, tal como na física moderna, e equivale sempre a mc2. Os budistas são pessoas que acreditam nesta lei e que fazem dela o ponto central das suas atividades. Acreditar nos deuses, por outro lado, é de menor importância para eles. O primeiro princípio das religiões monoteístas é «Deus existe. O que quer Ele de mim?» O primeiro princípio do Budismo é «O sofrimento existe. Como posso evitá-lo?»

No entanto, 99 por cento dos budistas não chegavam ao nirvana e, mesmo que esperassem alcançá-lo numa vida futura, dedicavam a maior parte das suas vidas presentes perseguindo feitos mundanos

O Budismo não nega a existência dos deuses — estes são descritos como seres poderosos, que podem trazer chuvas e vitórias — mas não têm qualquer influência sobre a lei segundo a qual o sofrimento nasce do desejo. Se a mente de uma pessoa estiver livre de todo o desejo, nenhum deus pode torná-la miserável. Por outro lado, uma vez despertado o desejo na mente de uma pessoa, nem todos os deuses do Universo a podem salvar do sofrimento.

No entanto, de forma muito semelhante às religiões monoteístas, as religiões da lei natural pré-modernas, como o Budismo, nunca se libertaram plenamente da adoração dos deuses. O Budismo dizia às pessoas que deviam apontar para o derradeiro objetivo da completa libertação do sofrimento, em vez de procurarem paragens pelo caminho, como a prosperidade económica e o poder político. No entanto, 99 por cento dos budistas não chegavam ao nirvana e, mesmo que esperassem alcançá-lo numa vida futura, dedicavam a maior parte das suas vidas presentes perseguindo feitos mundanos, pelo que continuavam a adorar vários deuses, como os deuses hindus na Índia, os deuses Bon no Tibete e os deuses Shinto no Japão.

Além disso, à medida que o tempo foi passando, várias seitas budistas desenvolveram panteões de budas e bodhisattvas. Trata-se de seres humanos e não humanos com a capacidade de alcançarem a completa libertação do sofrimento, mas que abdicavam desta libertação por compaixão, para ajudar os inúmeros seres presos no ciclo de miséria. Em vez de adorarem deuses, muitos budistas começaram a adorar estes seres iluminados pedindo-lhes ajuda, não só para alcançarem o nirvana como também para lidarem com os problemas mundanos. Assim, podemos encontrar muitos budas e bodhisattvaspor toda a Ásia Oriental, que passam o tempo a trazer chuva, impedir pragas e até a ganhar guerras sangrentas — em troca de orações, flores coloridas, incensos fragrantes e oferendas de arroz e doces.

A Adoração do Homem

Os últimos 300 anos foram, muitas vezes, retratados como uma época de crescente secularismo, durante a qual as religiões foram perdendo, cada vez mais, importância. Se estivermos a falar de religiões teístas, isso é, em grande medida, correto. No entanto, se tivermos em consideração as regiões da lei natural, então a modernidade revela-se uma era de intenso fervor religioso, de esforços missionários sem paralelo e das guerras religiosas mais sangrentas da História. A Era Moderna testemunhou a ascensão de várias novas religiões das leis naturais, como o liberalismo, o comunismo, o capitalismo, o nacionalismo e o nazismo. Estas doutrinas não gostam de ser chamadas religiões e apelidam-se a si mesmas de ideologias. No entanto, trata-se apenas de um exercício semântico. Se a religião é um sistema de normas e valores humanos que tem por base a crença numa ordem sobre-humana, então o comunismo soviético não era menos religioso do que o Islão.

A Era Moderna testemunhou a ascensão de várias novas religiões das leis naturais, como o liberalismo, o comunismo, o capitalismo, o nacionalismo e o nazismo.

O Islão é, claro, diferente do comunismo, porque vê a ordem sobre-humana que governa o mundo como um édito de um Deus criador omnipotente, ao passo que o comunismo soviético não acreditava em deuses. No entanto, também o Budismo castiga severamente os deuses e, no entanto, classificamo-lo usualmente como sendo uma religião. Como os budistas, os comunistas acreditam numa ordem natural sobre-humana e em leis imutáveis que deviam guiar as ações humanas. Enquanto os budistas acreditam que a lei da Natureza foi descoberta por Siddhartha Gautama, os comunistas creem que a lei da natureza foi descoberta por Karl Marx, Friedrich Engels e Vladimir Ilych Lenine. As semelhanças não terminam aqui. A par de outras religiões, também o comunismo tem os seus textos sagrados e livros proféticos, como o Das Kapital, de Marx, que previam que a História terminaria em breve com a inevitável vitória do proletariado. O comunismo tinha as suas festas e festivais, como o 1o de Maio e o aniversário da Revolução de Outubro. Tinha teólogos conhecedores da dialética marxista e todas as unidades do exército soviético tinham um capelão, chamado comissário, que monitorizava a piedade de soldados e oficiais. O comunismo tinha mártires, guerras santas e heresias, como o trotskismo. O comunismo soviético era uma religião fanática e missionária. Um comunista devoto não podia ser cristão ou budista, e esperava-se que difundisse o evangelho de Marx e Lenine mesmo com o risco da própria vida.

Os comunistas acreditam numa ordem natural sobre-humana e em leis imutáveis que deviam guiar as ações humanas.

Alguns leitores podem sentir-se muito desconfortáveis com esta linha de raciocínio. Se o faz sentir melhor, pode continuar a chamar ao comunismo uma ideologia e não uma religião. Não faz qualquer diferença. Podemos dividir os credos em religiões centradas em Deus e ideologias sem Deus, que alegam ter por base leis naturais. No entanto, para sermos consistentes, teremos de catalogar pelo menos algumas seitas budistas, taoistas e estoicas como ideologias e não religiões. Por outro lado, devemos ter em conta que a crença em Deus persiste em muitas ideologias modernas e que algumas delas, nomeadamente o liberalismo, não fazem sentido sem esta crença.

Se o faz sentir melhor, pode continuar a chamar ao comunismo uma ideologia e não uma religião. Não faz qualquer diferença. 

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Seria impossível analisar aqui a história de todos os novos credos modernos, em especial porque não existem fronteiras claras entre eles. Não são menos sincréticos do que o monoteísmo e o Budismo popular. Tal como um budista podia adorar divindades hindus e um monoteísta podia acreditar na existência de Satanás, também o típico norte-americano é, hoje em dia, simultaneamente um nacionalista (acredita na existência de uma nação americana com um papel específico na História), um capitalista do mercado livre (acredita que a livre concorrência e a persecução dos próprios interesses são a melhor forma de criar uma sociedade próspera) e um humanista liberal (acredita que os seres humanos foram dotados, pelo seu criador, com certos direitos inalienáveis). O nacionalismo será discutido no Capítulo 18. O capitalismo — a mais bem-sucedida de todas as religiões modernas — tem direito a um capítulo inteiro, o Capítulo 16, que interpreta as suas principais crenças e rituais. Nas restantes páginas deste capítulo abordarei as religiões humanistas.

As religiões teístas centram-se na adoração dos deuses (daí chamarem-se «teístas», da palavra grega para «deus», theos). As religiões humanistas adoram a humanidade ou, para ser mais correto, o Homo sapiens. O humanismo é a crença de que o Homo sapiens tem uma natureza única e sagrada, que é fundamentalmente diferente da natureza de todos os outros animais e de todos os demais fenómenos. Os humanistas acreditam que a natureza única do Homo sapiens é a coisa mais importante do mundo e que esta determina o significado de tudo o que acontece no Universo. O bem supremo é o bem do Homo sapiens. O resto do mundo e todos os outros seres existem apenas para benefício da sua espécie.

As religiões humanistas adoram a humanidade ou, para ser mais correto, o Homo sapiens.

Todos os humanistas adoram a humanidade, mas não concordam na sua definição. O humanismo dividiu-se em três seitas rivais, que lutam entre si pela definição exata de «humanidade», tal como as seitas cristãs rivais combatiam pela definição exata de Deus. Hoje em dia, a seita humanista mais importante é o humanismo liberal, que acredita que a «humanidade» é uma qualidade dos seres humanos individuais e que, como tal, a liberdade do indivíduo é sacrossanta. De acordo com os liberais, a natureza sagrada da humanidade reside dentro de cada Homo sapiens individualmente. O núcleo interno dos seres humanos individuais dá significado ao mundo e é a fonte de toda a autoridade ética e política. Se nos depararmos com um dilema ético ou político, devemos olhar para dentro e ouvir a nossa voz interior — a voz da humanidade. Os principais mandamentos do humanismo liberal têm como objetivo proteger a liberdade desta voz interior contra a intrusão ou o Mal. Estes mandamentos são, coletivamente, conhecidos como «direitos humanos».

A linhagem do deus monoteistas são as mesmas

Comunismo. Como os budistas, os comunistas acreditam numa ordem natural sobre-humana e em leis imutáveis que deviam guiar as ações humanas

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Esta é a razão pela qual os liberais se opõem à tortura e à pena de morte. Nos alvores da Europa moderna, pensava-se que os assassinos violavam e desestabilizavam a ordem cósmica. Para voltar a equilibrar o Cosmos, era necessário torturar e executar publicamente o criminoso, para que todos testemunhassem o restabelecimento da ordem. Assistir a execuções sangrentas era um dos passatempos preferidos de londrinos e parisienses no tempo de Shakespeare e Molière. Na Europa de hoje, o assassinato é visto como uma violação da natureza sagrada da humanidade. Para restaurar a ordem, os Europeus de hoje não torturam nem executam criminosos. Em vez disso, castigam um assassino de uma forma que entendem ser o mais «humana» possível, assim salvaguardando, e até reconstruindo, a sua santidade humana. Ao honrar a natureza humana do assassino, todos são recordados da santidade da humanidade e a ordem é restabelecida. Ao defender o assassino, corrigimos o que o assassino fez de errado.

Embora o humanismo liberal santifique os seres humanos, não nega a existência de Deus e baseia-se, na verdade, em crenças monoteístas. A crença liberal na natureza livre e sagrada de cada indivíduo é um legado direto da tradicional crença cristã nas almas individuais, livres e eternas. Na ausência de almas eternas e de um Deus criador, torna-se embaraçosamente difícil para os liberais explicar o que têm os sapiens individuais de tão especial.

Os socialistas acreditam que a «humanidade» é coletiva e não individualista.

Outra seita importante é o humanismo socialista. Os socialistas acreditam que a «humanidade» é coletiva e não individualista. Não consideram sagrada a voz interior de cada indivíduo, mas a espécie Homo sapiens como um todo. Enquanto o humanismo liberal procura tanta liberdade quanto possível para os seres humanos individuais, o humanismo socialista procura a igualdade entre todos os seres humanos. De acordo com os socialistas, a desigualdade é a pior blasfémia contra a santidade da humanidade, porque privilegia as qualidades periféricas dos seres humanos e não a sua essência universal. Por exemplo, quando os ricos são privilegiados em relação aos pobres, tal significa que valorizamos o dinheiro mais do que a essência de todos os seres humanos, que é igual nos ricos e nos pobres.

Como o humanismo liberal, o humanismo socialista assenta em fundações monoteístas. A ideia de que todos os seres humanos são iguais é uma versão rejuvenescida da crença monoteísta de que todas as almas são iguais perante Deus. A única seita humanista que conseguiu, de facto, libertar-se do monoteísmo tradicional foi o humanismo evolutivo, cujos representantes mais famosos são os nazis. O que distinguia os nazis das restantes seitas humanistas era uma diferente definição de «humanidade», uma definição profundamente influenciada pela teoria da evolução. Ao contrário de outros humanistas, os nazis acreditavam que a humanidade não é algo universal e eterno, mas antes uma espécie mutável que pode evoluir ou degenerar. O Homem pode evoluir para um Super-homem ou degenerar para um Sub-humano.

Religiões humanistas — Religiões que adoram a humanidade

O Homo sapiens tem uma natureza única e sagrada, que é fundamentalmente diferente da natureza de todos os outros seres e fenómenos. O bem supremo é o bem da humanidade.

Humanismo liberal Humanismo socialista Humanismo evolutivo
A «humanidade» é individualista e reside no interior de cada Homo sapiens individual A «humanidade» é coletiva e reside no interior da espécie Homo sapiens como um todo A «humanidade» é uma espécie mutável. Os seres humanos podem degenerar em sub-humanos ou evoluir para sobre-humanos
O mandamento supremo é proteger o núcleo interior e a liberdade de cada Homo sapiens individual O mandamento supremo é proteger a igualdade da espécie Homo sapiens O mandamento supremo é proteger a humanidade da degeneração em sub-humanos e encorajar a sua evolução para sobre-humanos

A principal ambição dos nazis era proteger a humanidade da degeneração e encorajar a sua evolução progressiva. Era por isso que os nazis diziam que a raça ariana, a mais avançada forma de humanidade, tinha de ser protegida e alimentada, enquanto os Homo sapiens degenerados, como judeus, ciganos, homossexuais e doentes mentais tinham de ser isolados ou até exterminados. Os nazis defendiam que o Homo sapiens tinha surgido quando uma população «superior» de antigos humanos evoluiu, enquanto populações «inferiores», como os Neandertais, se extinguiam. Estas diferentes populações eram, a princípio, não mais do que raças diferentes, mas desenvolveram-se independentemente ao longo dos seus caminhos evolutivos. Tal podia voltar a acontecer. De acordo com os nazis, o Homo sapiens já se tinha dividido em várias raças distintas, cada uma delas com as suas qualidades únicas. Uma dessas raças, a ariana, tinha as melhores qualidades — racionalismo, beleza, integridade, empenho. Como tal, a raça ariana tinha o potencial para transformar o Homem no Super-homem. Outros, como os Judeus e os Negros, eram considerados neandertais dos tempos modernos, possuindo qualidades inferiores. Se lhes fosse permitido procriar, e em especial casar com arianos, adulterariam todas as populações humanas e condenariam o Homo sapiens à extinção.

Os nazis defendiam que o Homo sapiens tinha surgido quando uma população «superior» de antigos humanos evoluiu, enquanto populações «inferiores», como os Neandertais, se extinguiam.

Os biólogos desacreditaram, entretanto, a teoria racial nazi. Os estudos genéticos realizados depois de 1945, em particular, demonstraram que as diferenças entre as diversas linhagens humanas são bem mais pequenas do que as postuladas pelos nazis. No entanto, estas conclusões são relativamente novas. Tendo em conta o estado do conhecimento científico em 1933, as crenças nazis dificilmente poderiam ser consideradas para lá dos limites do razoável. A existência de diferentes raças humanas, a superioridade da raça branca e a necessidade de proteger e cultivar esta raça superior eram crenças generalizadas entre a maior parte das elites ocidentais. Os académicos das mais prestigiadas universidades do mundo ocidental, utilizando os métodos científicos ortodoxos da época, publicaram estudos que, alegadamente, provavam que os membros da raça branca eram mais inteligentes, mais éticos e mais dotados do que os Africanos ou os Indianos. Os políticos de Washington, Londres e Camberra tomavam como certo que fazia parte das suas funções prevenir a adulteração e a degeneração da raça branca, por exemplo restringindo a imigração da China, ou mesmo de Itália, para países «arianos» como os EUA e a Austrália.

Os nazis afirmavam que era necessário permitir à seleção natural remover os indivíduos inaptos e deixar que apenas os mais capazes sobrevivessem e se reproduzissem.

Estas posições não mudaram graças à publicação de novos estudos científicos. Os desenvolvimentos sociológicos e políticos foram motores de mudança muito mais poderosos. Nesse sentido, Hitler não cavou apenas a sua própria sepultura, como também a do racismo em geral. Ao lançar a II Guerra Mundial, levou os seus inimigos a estabelecerem claras distinções entre «nós» e «eles». Depois, precisamente por a ideologia nazi ser tão racista, o racismo foi desacreditado no Ocidente. Contudo, esta mudança demorou o seu tempo. A supremacia branca continuou a ser a ideologia mais comum na política norte-americana, pelo menos até aos anos 60 do século XX. A política da Austrália branca, que restringia a imigração de pessoas não brancas, continuou em força até 1973. Os aborígenes australianos não receberam direitos políticos iguais até aos anos 60 e a maior parte foi impedida de votar nas eleições, por serem considerados incapazes de funcionar como cidadãos.

 Os nazis não odiavam a humanidade. Combatiam o humanismo liberal, os direitos humanos e o comunismo precisamente porque admiravam a humanidade e acreditavam no grande potencial da espécie humana.

Os nazis não odiavam a humanidade. Combatiam o humanismo liberal, os direitos humanos e o comunismo precisamente porque admiravam a humanidade e acreditavam no grande potencial da espécie humana. No entanto, seguindo a lógica da evolução darwinista, afirmavam que era necessário permitir à seleção natural remover os indivíduos inaptos e deixar que apenas os mais capazes sobrevivessem e se reproduzissem. Ao socorrer os mais fracos, o liberalismo e o comunismo não só permitiam a sobrevivência dos indivíduos inaptos, como lhes davam uma oportunidade para se reproduzirem, minando a seleção natural. Num mundo assim, os seres humanos mais capazes afogar-se-iam num mar de degenerados inaptos. A humanidade tornar-se-ia cada vez menos apta, a cada nova geração — o que poderia conduzir à sua extinção.

Um manual de biologia alemão, de 1942, explica, no capítulo sobre «As Leis da Natureza e a Humanidade», que a lei suprema da natureza é que todos os seres estão presos numa luta pela sobrevivência sem arrependimentos. Depois de descreverem como as plantas lutam por território, como os escaravelhos lutam para encontrar parceiros, etc., o manual conclui que:

«A batalha pela existência é dura e implacável, mas é a única forma de manter a vida. Esta luta elimina tudo o que é inapto para a vida e seleciona tudo o que é capaz de sobreviver. […] Estas leis naturais são incontroversas: as criaturas vivas demonstram-nas através da sua própria sobrevivência. São implacáveis. Os que lhes resistem serão aniquilados. A biologia não nos fala apenas dos animais e das plantas, também nos mostra as leis que temos de seguir nas nossas vidas e fortalece a nossa vontade de viver e lutar de acordo com estas leis. O significado da vida é luta. Ai daquele que peca contra estas leis.»

Depois segue-se uma citação de Mein Kampf: «A pessoa que tenta lutar contra a lógica férrea da natureza luta contra os princípios a que tem de agradecer pela sua vida, enquanto ser humano. Lutar contra a natureza é provocar a sua própria destruição.»

No despontar do terceiro milénio, o futuro do humanismo evolutivo não é claro. Durante 60 anos, após o final da guerra contra Hitler, foi tabu ligar o humanismo à evolução e defender o uso de métodos biológicos para «melhorar» o Homo sapiens. No entanto, tais projetos voltaram a estar na moda. Ninguém fala sobre o extermínio das raças ou dos povos inferiores, mas muitos consideram utilizar o conhecimento da biologia humana para criar sobre-humanos.

Os cientistas que estudam o funcionamento do organismo humano não encontraram alma alguma.

Ao mesmo tempo, está abrir-se um fosso enorme entre os defensores do humanismo liberal e as mais recentes descobertas das ciências da vida — que não pode continuar a ser ignorado durante muito mais tempo. Os nossos sistemas político e judicial liberais têm por base a crença de que todos os indivíduos possuem uma natureza interna sagrada, indivisível e imutável, que dá significado ao mundo e que é a fonte de toda a autoridade ética e política. Trata-se de uma reincarnação da crença cristã tradicional numa alma livre e eterna, que reside no interior de cada indivíduo. No entanto, ao longo de 200 anos, as ciências da vida minaram profundamente esta crença. Os cientistas que estudam o funcionamento do organismo humano não encontraram alma alguma. Defendem, cada vez mais, que o comportamento humano é determinado por hormonas, genes e sinapses, não pelo livre-arbítrio — as mesmas forças que determinam o comportamento de chimpanzés, lobos e formigas. Os sistemas judicial e político tentam, em grande medida, varrer estas descobertas inconvenientes para baixo do tapete. No entanto, com toda a franqueza, durante quanto tempo conseguiremos manter a parede que separa o departamento de biologia dos departamentos de direito e ciência política?

Qual é a diferença entre o monoteísmo?

O termo Monoteísmo etimologicamente tem origem nas palavras gregas mónos = único, théos = deus. Os monoteístas seguem apenas uma religião e creem em uma única divindade. Ao contrário do Politeísmo, que acredita em vários deuses, o Monoteísmo defende a existência de um só deus criador de todo o universo.

O que é uma religião monoteísta?

A palavra monoteísta é a junção de mónos, que em grego antigo significa único, e theos, deus. Por isso, a característica principal do monoteísmo é acreditar em apenas um Deus supremo. Em todas essas crenças, a entidade é onipotente, onipresente e onisciente.

Quais os tipos de monoteísmo que existem no mundo?

Os monoteístas no mundo contemporâneo: judeus, cristãos e muçulmanos.

Qual a diferença entre religiões monoteístas e politeístas?

Enquanto o politeísmo foi gerado de acordo com necessidades futuras dos indivíduos o monoteísmo surge do próprio politeísmo de forma natural onde o único deus tem características refinadas e aperfeiçoadas excluindo a existência de outros deuses.