Conceitos de Base
Compartimentos de fluidos
Para entender a regulação do sódio renal e da água, é importante entender como a água é normalmente distribuída no corpo.
Água corporal total (ACT):
- Uma percentagem do peso da massa magra corporal
- A ACT é responsável por:
- 60% do peso magro nos homens
- 50% de peso magro nas mulheres
Fluido intracelular (FIC):
- Todo o fluido contido dentro das células pelas suas membranas plasmáticas.
- ⅔ da ACT
Fluido extracelular (FEC):
- Todo o fluido fora das células
- ⅓ da ACT
- Dividido em 2 sub-compartimentos:
- Líquido intravascular:
- O componente fluido do sangue (também conhecido como plasma)
- ¼ do FEC
- Aproximadamente 8% dos ACT (⅓ x ¼)
- Fluido intersticial:
- O fluido que envolve as células que não estão dentro do sangue.
- ¾ do FEC
- Aproximadamente 25% da ACT (⅓ x ¾)
- Líquido intravascular:
Compartimentos corpo-fluido
Imagem por Lecturio.Osmolalidade
A osmolalidade plasmática refere-se à concentração combinada de todos os solutos no sangue.
- Determinantes da osmolalidade plasmática:
- Determinado principalmente pelo Na+ sérico (sNa+)
- A glicose e o nitrogénio ureico (BUN) contribuem, mas num grau muito menor quando presentes em valores normais.
- Todos os outros solutos contribuem apenas com uma percentagem insignificante → não incluídos na fórmula
- Equação: osmolalidade plasmática = (2 x sNa+) + (glucose/18) + (BUN/2.8)
- Valores normais: 275-295 mOsm/kg H2O
- Regulação:
- Osmorecetores no hipotálamo sentem a osmolalidade.
- Importante para a regulação da água
Tonicidade
A tonicidade plasmática refere-se à concentração apenas dos solutos osmoticamente ativos no sangue e é muitas vezes referida como osmolalidade efetiva.
- Solutos osmoticamente ativos:
- Não se equilibram através de uma membrana semipermeável (estes solutos não se movem livremente através das membranas celulares)
- Diferença nas concentrações em cada lado da membrana → cria uma força osmótica
- Estes solutos são chamados “osmoles eficazes”.
- Solutos não-omoticamente ativos:
- Equilibram-se através de uma membrana semipermeável (estes solutos podem mover-se livremente através das membranas celulares)
- Concentrações iguais em cada lado da membrana → sem força osmótica
- Estes solutos são chamados “osmoles ineficazes”.
- Equação: osmolalidade plasmática efetiva = (2 x sNa+) + (glucose/18)
- O Na+ e a glicose são osmoles eficazes:
- A tonicidade plasmática é maioritariamente determinada pelo sNa+.
- As concentrações normais de glicose não contribuem muito para a tonicidade.
- A ureia (por exemplo, BUN) é um omole ineficaz → não considerado para a equação de tonicidade
- Outros osmoles eficazes contribuem apenas com uma percentagem insignificante → não incluídos na fórmula
- O Na+ e a glicose são osmoles eficazes:
- Regulação:
- Osmorecetores no rim sentem a tonicidade.
- Importante para a regulação de Na+
- A tonicidade determina como a água se desloca entre os compartimentos de fluidos do corpo.
- Em comparação com o plasma normal, um fluido pode ser:
- Hipertónico: contendo mais solutos osmoticamente ativos no fluido
- Isotónico: contendo a mesma quantidade de solutos osmoticamente ativos no fluido
- Hipotónico: solutos menos osmoticamente ativos no fluido
- A tonicidade pode ser discordante com a osmolalidade plasmática:
- Insuficiência renal → BUN elevado → ↑ osmolalidade plasmática mas tonicidade normal
- Intoxicação por etanol (omole ineficaz) → ↑ osmolalidade plasmática mas tonicidade normal
Distúrbios do equilíbrio hídrico
- O
Na+ total no corpo determina o volume do FEC:
- Hipovolemia: há depleção de volume → ↓ Na+ corporal total
- Hipervolemia: há sobrecarga de volume → ↑ Na+ corporal total
- Avaliado no exame físico, e não nos níveis de sNa+
- Os distúrbios do equilíbrio hídrico são caracterizados por anomalias na concentração de sNa+:
- Hiponatremia: demasiada água
- Hipernatremia: muito pouca água
- Ambos os distúrbios podem existir com qualquer nível de Na+ total do corpo.
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Balanço Renal de Sódio e Água
Um nefrónio é a unidade funcional do rim através da qual o fluido e os solutos, incluindo o Na+, são filtrados, reabsorvidos e secretados.
Glomérulo e túbulo proximal
- Glomérulo: A água e o Na+ são filtrados livremente.
- Túbulo proximal:
- Aproximadamente ⅔ da água e do Na+ filtrados são reabsorvidos.
- O fluido tubular é isotónico ao plasma.
Reabsorção no túbulo proximal:
Os números acima dos túbulos representam a osmolalidade do tecido circundante.
Porção ascendente espessa da ansa de Henle (PAE)
- Localização do cotransportador de cloreto-sódio-potássio 2 (NKCC2 cotransporter)
- O Na+, o K+, e o Cl– são reabsorvidos.
- A PAE não é permeável à água.
- A água não segue os solutos (Na+, K+, Cl–) até à medula.
- Gera um gradiente osmótico entre o fluido tubular e a medula renal
- O fluido tubular é hipotónico em relação ao plasma.
- Conhecido como um “segmento de diluição” (a urina é diluída)
Reabsorção na porção ascendente espessa:
O sódio, o potássio e o cloreto são reabsorvidos através do cotransportador NKCC2, mas a porção ascendente espessa não é permeável à água. A porção ascendente espessa é um segmento de diluição do nefrónio.
Túbulo contornado distal (TCD)
- Localização do cotransportador de NaCl sensível aos tiazídicos
- O Na+ e o Cl– são reabsorvidos.
- O TCD não é permeável à água.
- A água não segue os solutos (Na+, Cl–) até à medula.
- Gera um gradiente osmótico ainda mais forte entre o fluido tubular e a medula renal.
- O fluido tubular é ainda mais hipotónico para o plasma neste ponto.
- Outro “segmento de diluição”.
Reabsorção no túbulo contornado distal (TCD):
O sódio e o cloreto são reabsorvidos no TCD, mas o TCD não é permeável à água. O TCD é outro segmento de diluição.
Ductos coletores
- O segmento principal responsável pela manutenção da osmolalidade plasmática através da concentração ou diluição da urina
- Contém os canais de aquaporina:
- Permite a passagem de água do fluido tubular para a medula renal por difusão
- A medula renal é hipertónica devido à reabsorção do soluto nos segmentos de diluição (PAE e TCD).
- A hormona antidiurética (ADH) estimula a produção e a inserção de aquaporinas
- ↑ níveis de ADH → ↑ aquaporinas → ↑ reabsorção de água → urina concentrada
- ↓ níveis de ADH → ↓ aquaporinas → ↓ reabsorção de água → urina diluída
Reabsorção de água nos ductos coletores
Imagem por Lecturio.Vídeos recomendados
Regulação do Sódio
Descrição Geral
O organismo regula o equilíbrio de Na+ através da deteção de alterações no volume de circulação efetivo (VCE), também conhecido como volume de sangue arterial efetivo (VSAE).
- O VCE é a porção do volume intravascular que se encontra apenas no lado arterial.
- As alterações no balanço de Na+ resultam em alterações no VCE.
- As alterações no VCE são transmitidas ao rim principalmente através de:
- Eixo RAA
- Peptídeos natriuréticos
Eixo renina-angiotensina-aldosterona
O eixo RAA é estimulado por um VCE baixo:
- O aparelho justaglomerular e os barorrecetores dos seios carotídeo e aórtico desencadeiam a libertação de renina dos rins quando o VCE é ↓
- Renina (rins) → converte angiotensinogénio (fígado) em angiotensina I
- ECA (pulmões) → converte angiotensina I em angiotensina II
- Angiotensina II:
- Provoca vasoconstrição
- Estimula a libertação de aldosterona (a partir do córtex adrenal)
O sistema renina-angiotensina-aldosterona
Imagem por Lecturio.Efeitos da aldosterona:
- Estimula a produção das
seguintes proteínas dentro das células principais dos ductos coletores:
- ATPase Na+/K+ na membrana basolateral
- Canais epiteliais de sódio (ENaC) na membrana luminal: permite a reabsorção de Na+ do lúmen para as células principais
- Canais externos renais de potássio medular (ROMK) na membrana luminal: permitem a excreção de K+ para a urina
- Estimula
a reabsorção de Na+ a partir dos túbulos renais
- A água segue o Na+.
- Cria um gradiente elétrico negativo através do lúmen promovendo a secreção de K+ e H+ para a urina.
- Resultado final com ↑ aldosterona:
- ↑ Na+ sérico (↓ excreção urinária de Na+)
- ↑ TA (↑ reabsorção de água nos rins)
- ↓ K+ sérico (↑ excreção urinária de K+)
- ↑ pH sérico (↑ excreção urinária de H+)
Efeitos da aldosterona nas proteínas reguladoras do transporte de sódio e potássio nas principais células dos ductos coletores
Imagem por Lecturio.Peptídeos natriuréticos
- Os peptídeos natriuréticos incluem:
- Peptído natriurético auricular (ANP)
- BNP
- Regulação:
- Os barorreceptores cardíacos sentem um ↑ no VEC
- Desencadeia a libertação de peptídeos natriuréticos das aurículas e ventrículos
- Funções dos peptídeos natriuréticos:
- Estimulam a excreção urinária de Na+ (conhecida como “natriurese”)
- A água segue o Na+.
- O ANP também tem ações contrarregulatórias para inibir o eixo RAA.
Sumário
As alterações no VEC são detetadas pelo aparelho justaglomerular, barorrecetores do seio carotídeo e do arco aórtico e barorrecetores cardíacos.
- ↑ Na+ causa ↑ VEC (↑ estiramento), o que resulta em:
- ↓ Libertação de renina
- ↑ Libertação do peptídeo natriurético
- Resultado final: ↑ Na+ e excreção de água
- ↓ Na+ causa ↓
VEC (↓ estiramento), o que resulta em:
- ↑ Libertação de renina
- ↓ Libertação do peptídeo natriurético
- Resultado final: ↑ Na+ e retenção de água
Regulação da Água
Descrição Geral
- Para excretar a água, a urina é diluída, o que requer:
- Entrega de solutos e líquido ao rim
- Segmentos de diluição em funcionamento
- Supressão da ADH
- Para reter a água livre, a urina é concentrada, o que requer:
- ↑ Reabsorção de soluto na porção ascendente espessa da ansa
- Presença de ADH
- Capacidade dos ductos coletores para responder à ADH através da inserção de canais de aquaporina
- A ADH pode ser libertada em resposta à regulação osmótica e não osmótica.
Regulação da ADH osmótica
A regulação da água é principalmente controlada por osmorecetores no hipotálamo, que mantêm a osmolalidade plasmática numa faixa de valores estreita. Alterações muito pequenas na osmolalidade plasmática resultam em alterações na libertação de ADH e na sensação de sede.
- Osmorecetores:
- Localizados no hipotálamo
- Detetam alterações na osmolalidade do plasma (causadas por alterações no equilíbrio hídrico)
- ↑ Osmolalidade plasmática percebida
pelos ativadores do hipotálamo:
- Libertação de ADH da hipófise posterior
- Sede
- A ADH liga-se a:
- Recetores V2 na membrana basolateral das células do ducto coletor → estimulam a inserção de canais de aquaporina na membrana apical
- Os recetores V1A na vasculatura → causam vasoconstrição
- Efeito geral:
- ↑ osmolalidade plasmática → ↑ ADH → ↑ aquaporinas → ↑ reabsorção de água
- ↓ osmolalidade plasmática → ↓ ADH → ↓ aquaporinas → ↑ excreção de água
- Níveis normais de ADH:
- Normalmente mínimos quando a osmolalidade do plasma está em valores normais.
- A secreção de ADH aumenta linearmente quando a osmolalidade do plasma é elevada.
Regulação osmótica da hormona antidiurética (ADH):
Pequenos aumentos na osmolalidade de
plasma estimulam a libertação de ADH de forma linear.
Localização e função do recetor da hormona antidiurética (ADH) V2 nos ductos coletores
AQP: AquaporinaImagem por Lecturio.
Libertação não osmótica de ADH
Diminuições muito grandes no VEC podem causar a libertação de ADH independentemente, numa tentativa de preservar o volume.
- Pode ocorrer mesmo que a tonicidade plasmática não esteja elevada.
- Ocorre apenas em ambientes extremos, onde as perdas de VEC são elevadas o suficiente para causar hipotensão:
- Hemorragia grave aguda
- Diarreia severa
- Constitui um mecanismo de salvamento:
- O corpo reabsorve o máximo de água possível para suportar a TA quando outros mecanismos (por exemplo, funcionamento do eixo RAA) não são suficientes.
- ↓ volume suplanta uma ↓ da osmolalidade: se o volume já for suficientemente baixo, há libertação de ADH mesmo que o paciente já esteja hiposmótico.
- ↓ VEC é detetada por:
- Células da macula densa
- Arteríolas renais aferentes
- Barorrecetores auriculares e dos seios carotídeos
- ↓ VEC desencadeia:
- Ativação do eixo RAA
- Libertação de norepinefrina
- Supressão do ANP
- Libertação de ADH
- Efeito final:
- Vasoconstrição
- ↑ Volume
Diminuições severas no volume de sangue estimulam a libertação de ADH.
ADH: hormona antidiurética
Regulação osmótica e não osmótica da hormona antidiurética (ADH)
ANP: Peptídeo natriurético auricularImagem por Lecturio.
Regulação da hormona antidiurética
Imagem por Lecturio.Vídeos recomendados
Relevância Clínica
- Hipernatremia: concentração elevada de sNa+, definida como níveis de Na+ > 145 mmol/L. A fisiopatologia envolve com maior frequência a falta de acesso a água (por exemplo, alteração do estado mental, demência, paciente sob ventilação mecânica). Outra etiologia importante é a diabetes insipidus (DI). A hipernatremia ligeira é caracterizada por um aumento da sensação de sede, enquanto que a hipernatremia mais grave pode resultar em alteração do estado mental. A etiologia da hipernatremia é muitas vezes fácil de determinar com base na história clínica. O tratamento envolve principalmente a substituição do défice de água livre.
- DI: uma causa de hipernatremia devido ao aumento das perdas urinárias de água. A diabetes insipidus pode ser central, devido à diminuição da libertação de ADH, ou nefrogénica, devido à resistência renal à ADH. Sem uma ADH eficaz, a água não consegue ser absorvida eficazmente nos ductos coletores, levando a uma concentração urinária reduzida e a uma diluição inadequada da urina. Os pacientes irão apresentar poliúria, noctúria, polidipsia, hipernatremia e aumento da osmolalidade. O tratamento pode incluir desmopressina (para a DI central), uma dieta baixa em Na+/baixa em proteínas, diuréticos, e AINEs.
- Hiponatremia: diminuição da concentração de Na+, definida como níveis de Na+ < 135 mmol/L. A fisiopatologia é mais variada do que a hipernatremia, mas envolve mais frequentemente uma diluição do Na+ corporal total devido a um aumento da água corporal total. A apresentação clínica varia muito de assintomática a défice cognitivo subtil, convulsões e morte. O tratamento é orientado pela acuidade e gravidade dos sintomas, e geralmente envolve uma combinação de restrição de fluidos orais e fluidos hipertónicos intravenosos. A correção excessivamente rápida da hiponatremia pode levar a uma complicação neurológica irreversível conhecida como síndrome de desmielinização osmótica.
- Hipervolemia: aumento do volume de FEC que ocorre devido a um aumento do Na+ corporal total. A apresentação clínica inclui hipertensão, edema pulmonar, ascite, edema depressível nas extremidades inferiores e ganho de peso. As etiologias comuns incluem insuficiência cardíaca congestiva, cirrose e insuficiência renal. Nestas doenças, os mecanismos de regulação do Na+ são perturbados e o aumento do Na+ corporal total não é excretado. O tratamento é com diuréticos de ansa, o que resulta em aumento do Na+ urinário e perdas de água.
- Hipovolemia: diminuição do volume de FEC que ocorre devido a uma diminuição do Na+ corporal total. A apresentação clínica inclui hipotensão, diminuição do turgor cutâneo, mucosas secas, sinais vitais ortostáticos e perda de peso. As etiologias comuns incluem diarreia, uso de diuréticos, hemorragia, ingestão oral reduzida e líquidos no 3º espaço. O tratamento inclui a administração de líquidos isotónicos intravenosos, como NaCl a 0,9% ou concentrado eritrocitário.
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References
- Sterns, R.H. (2020). General principles of disorders of water balance (hyponatremia and hypernatremia) and sodium balance (hypovolemia and edema). In Forman, J.P. (Ed.), UpToDate. Retrieved April 1, 2021, from //www.uptodate.com/contents/general-principles-of-disorders-of-water-balance-hyponatremia-and-hypernatremia-and-sodium-balance-hypovolemia-and-edema