Para que serve o método de coloração de Gram?

A Microbiologia Clínica é sem dúvidas uma das principais áreas de atuação para profissionais de laboratório das mais diversas formações. Sua importância no cenário atual de pandemia em decorrência de um vírus – o coronavírus ou Sars-Cov 2 – é também inegável, destacando a importância desta área de atuação para a saúde e sobrevivência humana.

Segundo a Bióloga Doutora em Microbiologia e Professora da Pós-Graduação em Microbiologia Clínica do Instituto GPI (Teresina-Piauí), Drª Josie Haydée L. Ferreira Paranaguai, a pandemia reforçou a importância do olhar atento à microbiologia, que é uma ciência diretamente relacionada com as principais áreas da saúde e com uma alta relevância de saúde pública. Segundo a professora Drª Josie Haydée, as doenças infecciosas ainda possuem um grande impacto para a saúde pública no que se refere à mortalidade e morbidade, tendo a pandemia reforçado a necessidade de estudos acerca do controle biológico em todo o mundo.

Uma das principais metodologias utilizadas em laboratórios de microbiologia em todo o mundo é a bacterioscopia, que consiste na visualização direta das estruturas bacterianas através de microscopia óptica. Essa visualização é possível graças a utilização de corantes que evidenciam e classificam as bactérias de acordo com características estruturais, como por exemplo, a Coloração de Gram.

Desenvolvida em 1884, pelo pesquisador Hans Christian Joachim Gram, a técnica de coloração que leva seu nome consiste na utilização de uma sequência de corantes em uma lâmina contendo bactérias previamente fixadas. Essa coloração permite a diferenciação de bactérias de acordo com a presença (Gram positivas) ou ausência/escassez (Gram negativas) da camada de peptídeoglicanos sob a membrana plasmática da bactéria.

O passo a passo da coloração é simples e pode ser observado na imagem abaixo. Ao final do processo, será possível observar bactérias coradas em roxo (Gram Positivas) e róseas (Gram Negativas). Além de classificar as bactérias através da estrutura da parede de peptídeoglicanos, pode-se também levar em consideração aspectos morfológicos e organizacionais das estruturas observadas.

Sua importância para a microbiologia clínica é incontestável, haja vista que na maioria dos laboratórios a coloração de Gram é o primeiro passo na classificação e identificação de amostras bacteriológicas, oriundas de materiais biológicos diversos como escarro, pús ou outros fluidos orgânicos. Determinadas bactérias envolvidas em processos infecciosos podem ser prontamente identificadas e classificadas através da bacterioscopia permitindo uma intervenção médica que pode ser de extrema importância para o quadro clínico do paciente até que se obtenham resultados oriundos da cultura.

O profissional de saúde microbiologista deve estar sempre atento aos aspectos revelados na bacterioscopia, sendo essencial para a obtenção de resultados precisos e em tempo hábil, permitindo melhores condições de melhoria para os principais quadros

infecciosos.

Por Denilson de Araújo e Silva

Graduando em Biomedicina pelo Centro Universitário UNINOVAFAPI

Pós-Graduando em Microbiologia Clínica pelo Instituto GPI

Extensa variedade de espécimes bacterianos pode ser isolada nas amostras biológicas, com vistas ao diagnóstico do agente etiológico de uma infecção. Uma das principais formas de se categorizar as bactérias, consiste na análise de suas características morfotinturiais (forma, arranjos/grupamentos das células e sua afinidade pelos corantes).

Uma das etapas mais importantes para o auxílio diagnóstico do patógeno causal de uma infecção, consiste na sua análise microscópica direta, através do material biológico obtido diretamente do local onde se pretende investigar (o mesmo material que será utilizado para a cultura).

Para o exame bacteriológico direto, existem diversos métodos de coloração que podem ser utilizados no laboratório de microbiologia clínica (ex.: tinta nanquim, Ziehl-Neelsen, Albert-Laybourn), sendo a coloração de Gram, indiscutivelmente, a mais amplamente disponível e utilizada.

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É uma técnica de coloração secular, descrita em 1884 pelo médico dinamarquês Hans Christian Joachim Gram, que consiste na preparação de um esfregaço em lâmina de vidro para microscopia, de preferência da porção mais purulenta/sanguinolenta da amostra.

No caso de líquidos corporais, pode-se realizar uma citocentrifugação para se concentrar o material, obtendo assim uma melhor visualização das estruturas. A amostra é então mantida em ar ambiente para sua secagem e fixada por metanol ou por meio de um leve aquecimento. Um corante (cristal violeta) é adicionado, por um a dois minutos, e, em seguida, inserido o lugol, também por um a dois minutos. Dessa reação, forma-se o complexo iodo-pararrosalina na parede celular das bactérias, que coram-se de roxo (nessa fase, tanto as bactérias Gram-positivas e Gram-negativas retêm o corante).

Na próxima etapa, após a lavagem da lâmina, inicia-se a etapa de descoloração, acrescentando-se uma solução de álcool-éter ou de álcool-acetona ao material. Nesse momento, em virtude das diferenças entre a constituição das paredes celulares (as bactérias Gram-positivas possuem uma espessa camada de peptideoglicanos e de ácidos teicóicos, já nas Gram-negativas essa camada é mais delgada, com maior proporção lipídica), as Gram-positivas resistem à descoloração, retendo o corante, permanecendo roxas. Em contrapartida, as finas e lipídicas paredes celulares das bactérias Gram-negativas, quando expostas ao álcool, fazem com que as mesmas percam o corante, tornando-se incolores.

Na fase de contra-coloração, após uma lavagem da lâmina com água, é adicionado safranina (corante de cor vermelha), o qual é o responsável pela coloração avermelhada das bactérias Gram-negativas. Nova lavagem com água é realizada, secando-se cuidadosamente o material em seguida. A lâmina é então colocada no microscópio, sendo primeiramente visualizada em objetiva de pequeno aumento, para em seguida ser observada em objetiva de imersão em óleo (aumento de mil vezes).

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Alguns exemplos de bactérias, suas características morfotinturiais e respectivas infecções mais relacionadas:

  • Cocos Gram-positivos: Staphylococcus aureus (infecções de pele e partes moles, síndrome do choque tóxico, bacteremia); Streptococcus pyogenes (infecções de pele e partes moles, faringite e suas complicações não supurativas), Streptococcus agalactiae (meningite, bacteremia neonatal); Streptococcus pneumoniae (pneumonia comunitária, meningite); Enterococcus faecalis e Enterococcus faecium (bacteremia e infecções nosocomiais do trato urinário);
  • Cocos Gram-negativos: Neisseria meningitidis (meningite); Neisseria gonorrhoeae (gonorreia); Moraxella catarrhalis (otite média em crianças, sinusite, pneumonia);
  • Bacilos Gram-positivos: Listeria monocytogenes (meningite, bacteremia); Nocardia sp. (pneumonia, infecções de partes moles, abscesso cerebral); Bacillus anthracis (infecções de pele e partes moles, pneumonia, utilizado como um agente de bioterrorismo); Corynebacterium diphtheriae (difteria);
  • Bacilos Gram-negativos: Escherichia coli (infecção do trato urinário, diarreia, bacteremia); Klebsiella pneumoniae e Klebsiella oxytoca (infecção do trato urinário, diarreia, bacteremia); Proteus sp. (infecção do trato urinário); Salmonella sp. (diarreia, febre tifoide); Shigella sp. (diarreia); Enterobacter sp. (pneumonia nosocomial, infecção do trato urinário, bacteremia); Serratia sp. (pneumonia nosocomial); Pseudomonas aeruginosa; Acinetobacter baumanii; Campylobacter; Helicobacter; Legionella sp.; Bordetella sp.; Brucella sp.; Haemophilus sp.

Limitações da técnica

Dentre as limitações da coloração de Gram, podemos destacar:

  • Fornece um diagnóstico presuntivo/preliminar;
  • Só é capaz de identificar até o gênero bacteriano, não sendo possível, na maioria dos casos, o diagnóstico a nível de espécie;
  • Necessita de um grande número/concentração de patógenos na amostra para uma melhor sensibilidade;
  • Baixa acurácia em espécimes clínicas que possuem naturalmente alta presença de flora bacteriana normal (ex.: fezes, swab orofaríngeo e retal, pele);
  • Alguns microrganismos não se coram adequadamente pelo Gram (ex.: Treponema pallidum, espécies de Legionella, Mycoplasma e Mycobactérias).

Conclusão

Apesar de ser uma técnica antiga, possuir algumas limitações e da disponibilidade de técnicas mais avançadas de identificação bacteriana, a coloração pelo Gram ainda é muito utilizada nos dias de hoje pelo setor de microbiologia. Sua grande vantagem consiste na sua rápida, fácil e barata execução, fornecendo assim valiosas informações no sentido de orientar o diagnóstico presuntivo, o início precoce e guiado do tratamento e a avaliação, pelo laboratório clínico, da qualidade da amostra coletada.

Referências bibliográficas:

  • Jacobs DS, Demott WR, Oxley DK. Jacobs & demott laboratory test handbook with key word index, 5th ed. Hudson, OH: Lexi-Comp, Inc; 2001.
  • Kanaan S. Laboratório com interpretações clínicas. 1a ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2019.
  • McPherson RA, Pincus MR, eds. Henry’s Clinical Diagnosis and Management by Laboratory Methods. 23rd ed. St. Louis, MO: Elsevier; 2017.
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Graduação em Medicina pela Universidade Gama Filho (UGF) • Residência Médica em Patologia Clínica/Medicina Laboratorial pela Universidade Federal Fluminense (UFF) • Membro titular da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) • Pós-Graduado em Medicina do Trabalho pela Faculdade Souza Marques (FTESM) • Médico Patologista Clínico do Laboratório Morales • Médico Patologista Clínico do Laboratório Central do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP/UFF) • Médico do corpo clínico do Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras (IETAP)

Para que serve a técnica de coloração Gram?

Princípio da coloração de Gram Em suma, o procedimento de coloração de Gram permite que as bactérias retenham a cor com base nas diferenças nas propriedades químicas e físicas da parede celular. De fato, o uso dos corantes permite aumentar o contraste e evidenciar a estrutura bacteriana.

Qual a finalidade das colorações em Microbiologia?

Essas coloração tem um valor taxonômico e diagnostico, são utilizadas para distinguir diferentes tipos de bactérias e estruturas. microrganismos como esporos, flagelos ou ainda revelar a presença de cápsulas. Esses são métodos pouco usados na rotina laboratorial.

Como é o método de coloração de Gram?

Escorra o lugol e lave em um filete de água corrente; 5. Adicione álcool etílico (99,5º GL) sobre a lâmina; descorando-a, até que não desprenda mais corante; 6. Lave em um filete de água corrente; 7. Cubra a lâmina com safranina e deixe agir por aproximadamente 30 segundos; 8.

Quais os possíveis resultados que a coloração de Gram pode informar?

A técnica de coloração Gram em análises clínicas é usada principalmente para identificar preliminarmente a morfologia das bactérias ou para estabelecer se há um número significativo de bactérias nas amostras clínicas.

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