O que se refere à formação de professores que atuaram na educação básica?

Introdução

O objetivo deste artigo é examinar a inserção da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no âmbito da educação básica. Para tanto, toma como referência os principais programas, promovidos por essa instituição, para a formação de professores da educação básica. A coordenadoria, desde a sua criação, teve como foco a qualificação de professores para a educação superior, entre outros profissionais de alto nível, e só mais recentemente passou a atuar na educação básica.

Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico e documental. Examinaram-se os documentos legais referentes à criação, à implementação e às alterações na estrutura e nas atribuições da Capes, às políticas de formação de profissionais do magistério da educação básica, entre outros. Como suporte teórico para a análise, valeu-se de Scheibe (2010), Farias e Rocha (2012), Montandon (2012), Fernandes e Mendonça (2013) e Souza (2014).

Uma breve reconstituição histórica da Capes

Em um contexto histórico marcado pelo modelo nacional-desenvolvimentista, as décadas de 1950 e 1960 caracterizaram-se por um período de grande expansão do ensino superior no Brasil. Esse processo tem relação direta com a criação da Capes, uma vez que, por meio do Decreto n.º 29.741/51, foi instituída uma Comissão Executiva para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a qual objetivava “[...] assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam o desenvolvimento econômico e social do país” (BRASIL, 1951, Art. 2°).

Para que esse objetivo fosse alcançado, a Comissão deveria:

a) promover o estudo das necessidades do país em matéria de pessoal especializado, particularmente nos setores onde se verifica escassez de pessoal em número e qualidade; b) mobilizar, em cooperação com as instituições públicas e privadas, competentes, os recursos existentes no país para oferecer oportunidades de treinamento, de modo a suprir as deficiências identificadas nas diferentes profissões e grupos profissionais; c) Promover em coordenação com os órgãos existentes o aproveitamento das oportunidades de aperfeiçoamento oferecidas pelos programas de assistência técnica da Organização das Nações Unidas, de seus organismos especializados e resultantes de acordos bilaterais firmados pelo Govêrno brasileiro; d) Promover, direta ou indiretamente, a realização dos programas que se mostrarem indispensáveis para satisfazer às necessidades de treinamento que não puderem ser atendidas na forma das alíneas precedentes; e) Coordenar e auxiliar os programas correlatos levados a efeito por órgãos da administração federal, governos locais e entidades privadas; f) Promover a instalação e expansão de centros de aperfeiçoamentos e estudos pós-graduados (BRASIL, 1951, Art. 3º).

A Comissão Executiva era composta por instituições ligadas à burocracia estatal, instituições públicas e privadas do setor econômico, comissões internacionais das áreas técnica e científica e confederações da indústria e do comércio. “A diversidade dessa composição é corolário da diversidade dos interesses políticos e econômicos em disputa em todos os campos” (GOUVÊA, 2012, p. 379).

Diante dos conflitos de interesses – um grupo preocupado com a qualificação profissional mais imediata e outro preocupado com a produção científica nacional – Anísio Teixeira, secretário-geral da Comissão, atuou como mediador entre esses dois grupos. Nesse sentido, “[...] as diretrizes da CAPES nasceram de um compromisso entre essas duas tendências” (MENDONÇA, 1999, p. 3).

Só dez anos mais tarde, o Decreto n.º 50.737/61 organiza a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, subordinada à Presidência da República (Art. 1°), no qual consta:

Art. 2° Incumbe à CAPES formular e pôr em execução programas anuais de trabalho, orientados com os seguintes propósitos: 1 - o estímulo à melhoria das condições de ensino e pesquisas dos centros universitários brasileiros, visando a melhor formação dos quadros profissionais de nível superior do país; 2 - o aperfeiçoamento do pessoal de nível superior já existente, promovido em função das prioridades ditadas pelas necessidades do desenvolvimento econômico e social do País; 3 - a realização de levantamentos, estudos e pesquisas sôbre os problemas envolvidos em seu campo de ação; 4 - a administração das bôlsas de estudo oferecidas pelo Govêrno Brasileiro a latino-americanos e afro-asiáticos para cursos de graduação e pós-graduação no Brasil [...] (BRASIL, 1961).

Apesar dos danos causados pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985) para a sociedade brasileira em geral e para a vida acadêmica em particular, não se pode negar que foi durante esse período que a universidade brasileira se desenvolveu mais acentuadamente, a partir de um processo de modernização.

Nesse sentido, com a aprovação do Parecer n.º 977/65, foram regulamentados os cursos de pós-graduação, já previstos na LDB n.º 4.024/61, mas ainda sem critérios de credenciamento. Concomitantemente, foi promulgado o Estatuto do Magistério Superior Federal, que impulsionou a procura por programas de pós-graduação pelos candidatos à carreira docente. A qualidade desses programas deveria ser regulada pelo Conselho Federal de Educação e pela Capes. De acordo com Trindade (2003, p. 170),

A reforma de 1968 e os seus substanciosos recursos oferecidos pelas agências de financiamento da pós-graduação e da pesquisa (CAPES, CNPq e FINEP), [...] implementaram uma consistente política de pós-graduação, com a avaliação pelos pares sob a coordenação da CAPES.

Nessa direção, em 1976, a Capes implantou a sistemática de avaliação por meio de consultores e, em 1981, assumiu o papel de órgão responsável pela formulação do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), sendo reconhecida pelo MEC como a Agência Executiva do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

Embora nos sucessivos PNPG o objetivo continuasse a ser o de “[...] formação de recursos humanos qualificados para as atividades docentes, de pesquisa e técnicas visando o atendimento dos setores públicos e privados” (HOSTINS, 2006, p. 138), as diretrizes enfatizaram a institucionalização e o aperfeiçoamento da avaliação da pós-graduação.

Analisando o percurso das políticas de pós-graduação no Brasil, principalmente nos seus primeiros vinte anos, observa-se que, inicialmente, visou-se a capacitação dos docentes para atuar nas universidades, o desenvolvimento da atividade científica e um aumento progressivo de sua importância estratégica no cenário do ensino superior e da Ciência e Tecnologia no Brasil. Posteriormente, com a consolidação da pós-graduação, notadamente a partir dos anos de 1980, a avaliação do desempenho do sistema torna-se o centro das preocupações [...] (HOSTINS, 2006, p. 141).

Progressivamente, a Capes foi aprimorando o seu sistema de avaliação e de monitoramento dos programas, por meio da informatização e do aperfeiçoamento dos formulários de coleta de dados que visavam gerar indicadores objetivos, tanto do ponto de vista da relação custo/benefício quanto da quantificação dos produtos obtidos. Nesse processo, formaram-se comissões de especialistas nas diferentes áreas que se encarregaram de classificar os programas. Esses comitês, que incorporavam a comunidade acadêmica, transformaram-se em importantes fóruns para a legitimação dos processos avaliativos (BALBACHEVSKY, 2005).

Quando instituída como fundação pública, por meio da Lei n.º 8.405/92, a Capes manteve seu campo de atuação concentrado na pós-graduação. Seus objetivos eram subsidiar o MEC na formulação de políticas para a pós-graduação, coordenar e avaliar cursos na modalidade presencial e a distância, e estimular, mediante concessão de bolsas de estudo, auxílios e outros mecanismos, a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior, a pesquisa e o atendimento da demanda dos setores público e privado (BRASIL, 1992).

Mais recentemente, com a Lei n.º 11.502/2007, as competências e a estrutura organizacional da Capes são modificadas, passando a atuar, também, na formação de professores da educação básica (BRASIL, 2007b).

A Capes para a educação básica ou a Nova Capes

A Nova Capes, cujas competências e estrutura organizacional foram modificadas pela Lei n.º 11.502/2007, representa uma mudança expressiva no papel desenvolvido historicamente por essa instituição.

No que se refere especificamente à educação básica, a lei prevê no Art. 2°:

§ 2o No âmbito da educação básica, a Capes terá como finalidade induzir e fomentar, inclusive em regime de colaboração com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal e exclusivamente mediante convênios com instituições de ensino superior públicas ou privadas, a formação inicial e continuada de profissionais de magistério, respeitada a liberdade acadêmica das instituições conveniadas, observado, ainda, o seguinte:

I - na formação inicial de profissionais do magistério, dar-se-á preferência ao ensino presencial, conjugado com o uso de recursos e tecnologias de educação a distância;

II - na formação continuada de profissionais do magistério, utilizar-se-ão, especialmente, recursos e tecnologias de educação a distância (BRASIL, 2007b).

Nota-se, assim, que a formação inicial se daria preferencialmente na modalidade presencial e a formação continuada, a distância. Por essa razão, foram criadas duas diretorias voltadas para essas questões: a Diretoria de Educação Básica (DEB) e a Diretoria de Educação a Distância (DED).

A institucionalização dessa Lei ocorreu no mesmo ano em que o Ministério da Educação publicou o relatório Escassez de professores no Ensino Médio: propostas estruturais e emergenciais (BRASIL, 2007a). Segundo o documento,

Instituir uma política nacional de formação de professores é condição inerente ao Sistema Nacional de Educação, dele se beneficiando na medida em que se estabeleçam formas e mecanismos de cooperação entre os entes federativos, e, ao mesmo tempo, contribuindo para fortalecê-lo pela qualificação de seus agentes. (BRASIL, 2007a, p. 18).

Nesse sentido, instituiu-se, por meio do Decreto n.º 6.755/2009, a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, no âmbito da Capes, a qual vem “[...] organizar, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério para as redes públicas da Educação Básica”.

O Relatório de 2007 também apresentava propostas de soluções, entre as quais podem ser destacadas: a) a instituição de programas de incentivo às licenciaturas; b) a criação de bolsas de incentivo à docência; c) a integração da educação básica e o ensino superior. O Decreto de 2009 parece ter eleito a Capes como um dos agentes para a concretização de tais ações, uma vez que modificou as suas atribuições, destacando-a para o fomento a programas de formação inicial e continuada de professores. Assim, ela passa a ser responsável por incentivar a formação de professores por meio de programas de iniciação à docência e de concessão de bolsas a licenciandos, promovendo, assim, a articulação entre escola e universidade, e inserindo o professor em formação no espaço de ensino-aprendizagem. Tais objetivos podem ser verificados por meio dos recentes programas lançados, alguns dos quais trataremos no tópico subsequente.

Políticas de formação de professores: os programas da Nova Capes

As novas competências atribuídas à Capes a partir de 2009 favoreceram o surgimento de diversas políticas voltadas para a formação de professores, tanto inicial quanto continuada. Com isso, a fundação passa a lançar diversos programas nesse sentido, para os quais oferece, ainda, o subsídio financeiro.

De acordo com a DEB, o conjunto dos programas visa articular três vertentes: a formação de qualidade; a integração entre pós-graduação, formação de professores e escola básica; e a produção de conhecimento. De acordo com o Relatório de Gestão da DEB 2009-2014 (doravante Relatório), os programas estão assim organizados:

Quadro 1

As linhas de ação da DEB


Relatório de Gestão da DEB/CAPES 2009-2014 Apresentaremos, a seguir, alguns desses programas, vigentes no momento atual.

O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor

O Parfor foi lançado em 2009 como uma ação emergencial destinada à formação de professores em serviço. Sua operacionalização se dá por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) entre a Capes e as Secretarias Estaduais de Educação. Quantos às Instituições de Ensino Superior (IES), a participação é efetivada por meio de assinatura de Termo de Adesão ao ACT, para a oferta de cursos na modalidade presencial. Já a oferta do Parfor a distância é de responsabilidade da DED. Segundo dados do Relatório, foram firmados ACTs com 26 estados e o Distrito Federal, tendo 142 IES participantes.

O Parfor fomenta turmas especiais em cursos de licenciatura, para professores que não têm formação superior; de segunda licenciatura, para os que atuam em área distinta de sua formação inicial; e de formação pedagógica, para graduados não licenciados. Scheibe (2010, p. 986) indica que, em 2009, o país contava com 600 mil professores sem formação considerada adequada ao trabalho. Há que se levar em conta as implicações negativas de tal quadro, já que, quanto maior o percentual de docentes atuando com formação inadequada, menor é a nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb (FERRO, 2013)

Nesse sentido, o programa é voltado exclusivamente para professores em exercício na rede pública. De acordo com o Relatório, o Parfor implantou 2.428 turmas em 451 municípios. Dessas, 496 foram concluídas em 2014. Foram efetivadas 79.060 matrículas, entre as quais 12.103 representa o número de formados e 51.008, o de professores frequentando os cursos.

De acordo com a literatura produzida, é possível inferir que o programa apresenta potencial para contribuir com a melhoria da qualidade da educação. Valendo-se do conceito de Rua (2007) de que a análise dos resultados de uma política pode ser diferenciada em produto, efeito e impacto, Souza (2014, p. 650) faz a seguinte consideração:

[...] o Parfor presencial apresenta como produto a capacitação de professores em serviço por IES; como efeito, a profissionalização do professor pela obtenção da formação exigida pela lei n. 9.394 (Brasil, 1996); e, finalmente, como impacto, a melhoria da qualidade da educação básica.

Em termos de indicadores educacionais, os dados do Observatório do PNE mostram que, em 2009, apenas 67,8% dos docentes da educação básica possuíam curso superior, sendo 3,2% não licenciados. Dados mais recentes, de 2013, mostram que esses números subiram para 74,8%, mas 9,4% deles sem licenciatura, o que mostra um crescimento de profissionais qualificados mas sem habilitação para a docência.

Há, ainda, autores que problematizam outras questões relacionadas ao programa. Souza (2014, p. 642) aborda a equidade no acesso aos cursos do Parfor:

Embora o levantamento de dados disponibilizados pela CAPES não contemple indicadores sobre a qualidade estrita de cada curso, o indicador sobre as instituições permite questionar a equidade no acesso aos cursos em termos da qualidade da formação oferecida pelo programa, ante a diversidade das realidades institucionais.

Assim, poderiam ser levantadas questões relativas à coerência entre a oferta do Parfor e a situação de cada região em termos de percentual de professores com necessidades formativas. Também são levantadas hipóteses quanto ao regime de colaboração entre os entes federados. De acordo com Scheibe (2010, p. 986),

Os entes federados não estão, contudo, suficientemente articulados na execução das políticas públicas destinadas ao desenvolvimento de tais objetivos, necessários para a valorização docente, por meio de uma formação mais articulada e planejada dos quadros para o magistério.

Essa questão é defendida também por Montandon (2012, p. 49), ao reconhecer como primordial a necessidade de as ações serem “[...] conduzidas de forma sistêmica entre União, Estados, Distrito Federal e municípios”.

Análises aprofundadas nas direções aqui apontadas serão necessárias, já que é a partir do ano de 2014 que as primeiras turmas criadas começam a concluir o curso. Dessa forma, será possível analisar dados que permitam aferir os impactos do Parfor na qualificação docente.

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – Pibid

O Pibid é um programa de incentivo e valorização do magistério e de aprimoramento do processo de formação de docentes para a educação básica. Nesse Programa, são oferecidas bolsas para que licenciandos exerçam atividades pedagógicas em escolas públicas, contribuindo para a integração entre teoria e prática, e da aproximação entre universidade e escola, necessidade apontada por diferentes autores (FARIAS; ROCHA, 2012; MONTANDON, 2012; FERNANDES; MENDONÇA, 2013; FERRO, 2013).

Para Farias e Rocha (2012, p. 43),

Entre os problemas pode-se mesmo afirmar que a dicotomia teoria e prática concorre em condições de igualdade com os baixos salários e a desvalorização social da profissão docente, posicionando-se como um dos maiores desafios da agenda educacional do país.

Para os autores, a aproximação universidade e escola, além de contribuir para o desenvolvimento de práticas formativas inovadoras, constitui vínculo estratégico para estimular o interesse pela docência, inserir estudantes de graduação no cotidiano de escolas públicas e qualificar a formação acadêmica.

Fernandes e Mendonça (2013) também entendem a articulação entre ensino superior e educação básica como premissa do Pibid, além de considerarem que a atuação dos licenciandos no contexto escolar poderá diminuir o “choque de realidade” no início da carreira (o que, muitas vezes, afugenta licenciados da continuidade no magistério) e contribuir para o desenvolvimento de novas metodologias de ensino.

Também há que se referir à corresponsabilidade do processo educativo no bojo desse programa. Isso porque, durante o trabalho nas escolas, os bolsistas são orientados tanto pelos docentes das licenciaturas (coordenadores de área) quanto pelos professores das unidades escolares (supervisores). Para Farias e Rocha (2012, p. 48), “É no ‘chão da escola’ que as políticas ganham vida e significado. Nesse contexto, estudantes e professores (escola e universidade) têm um papel a cumprir”.

A escola é, portanto, entendida como espaço formativo, no qual tanto os docentes da universidade quanto os da escola exercem papel de coformadores. Montandon (2012) entende esse aspecto como premissa que acompanha as bases para as ações decorrentes de políticas públicas para a educação, qual seja, a articulação entre o MEC, as instituições formadoras e as redes de ensino básico, indicando compromissos e responsabilidades compartilhadas. Segundo Montandon (2012, p. 49),

Os documentos oficiais sugerem que as ações decorrentes dessas políticas garantam a qualidade dos cursos presenciais e a distância, promovendo a articulação entre teoria e prática e entre conhecimentos científicos e didáticos, reconhecendo a escola como um espaço de formação. Além disso, incentivam a formação continuada e sua articulação com a inicial, a atualização teórico-metodológica e o estabelecimento de programas que reflitam a especificidade da formação docente.

Desse modo, a presença do licenciando na escola, de maneira articulada e com diretrizes estabelecidas, permite combater, por exemplo, a problemática apontada por Fernandes e Mendonça (2013, p. 222): a tradição dos “[...] estágios curriculares que utilizam a escola apenas como local de cumprimento das horas exigidas pela legislação”.

Tal articulação é reconhecida entre os próprios participantes do programa como profícua para a formação docente. Segundo Montandon (2012, p. 54) “[...] relatos dos alunos envolvidos são enfáticos ao reconhecerem o papel fundamental da vivência nas escolas para sua formação, principalmente pelo acompanhamento regular dos orientadores e supervisores”. Na direção oposta, a presença de licenciandos contribui para a reflexão e a “atualização teórico-metodológica” dos profissionais da escola imbricados nesse processo de coformação.

O programa nasceu, de fato, em 2007, para atender à carência de professores de ensino médio nas áreas de física, química, biologia e matemática. Contudo, em 2009, com os resultados positivos, as políticas de valorização do magistério e o crescimento da demanda, o programa foi estendido para toda a educação básica, incluindo a educação de jovens e adultos, indígena, campo e quilombolas.

Segundo o Relatório, o programa conta, atualmente, com 283 instituições de ensino superior participantes, as quais contabilizam 2.996 subprojetos envolvendo 90.254 bolsistas. Quanto aos estudos sobre os impactos do Pibid, afirma-se que há sintonia entre as avaliações interna e externa, e que, em síntese, o programa parece ter impacto em vários dos problemas tratados no âmbito deste artigo, nomeadamente:

a) a desvalorização do magistério (diminuição da evasão e aumento da procura por licenciaturas; valorização das licenciaturas na comunidade acadêmica; definição pelo exercício do magistério por parte dos que fizeram licenciatura como opção secundária; aprovação de ex-bolsistas em concursos públicos e cursos de pós-graduação; contratação de ex-bolsistas pelas escolas onde atuaram; bolsistas Pibid como inspiração para alunos das escolas públicas; elevação da autoestima e reconhecimento entre os pares);

b) a articulação teoria/prática e escola/universidade (aproximação entre IES e escolas públicas de educação básica; articulação entre ensino, pesquisa e extensão; diálogo com as instituições formadoras).

Acrescenta-se a isso outros impactos positivos, relacionados às metodologias de ensino, ao uso de tecnologias na escola, ao melhoramento de espaços escolares – bibliotecas, laboratórios –, à realização de eventos culturais, e mesmo à construção de conhecimento a partir das vivências do programa, tais como a participação de bolsistas Pibid em eventos científicos, a publicação de estudos desenvolvidos no âmbito do programa, e, finalmente, o aumento do Ideb das escolas participantes.

Montandon (2012, p. 49) considera que, embora haja questionamentos sobre as bases e características de propostas como essa, e elas aconteçam mais no âmbito da formação do que da atuação docente,

[...] a percepção geral é de que esse é um momento profícuo para se discutir e participar das várias frentes abertas, uma vez ser aparente a expansão quantitativa e mesmo qualitativa de ações voltadas à formação docente, nos seus vários níveis, contextos e formatos.

Assim, a autora conclui que o sucesso do programa é inegável, pela oportunidade de formar alunos fora do “protótipo de docente idealizado” e por contemplar a vivência cotidiana com a docência, com as instabilidades das situações de trabalho e as incertezas com as quais o professor se defronta diariamente nos contextos escolares (MONTANDON, 2012, p. 59).

Para Fernandes e Mendonça (2013), o pouco tempo de vigência do programa já revelou sua “potencialidade e ousadia” para enfrentar os problemas estruturais da educação, e pode-se reconhecer que passos importantes foram dados nessa direção. Porém, também fazem uma ressalva quanto à necessidade de ampliar os horizontes do programa para outros aspectos da carreira, acrescentando compreenderem o Pibid como uma política de “transição”:

Porém, ainda se fazem necessárias ações que abarquem outras dimensões do trabalho docente, como a criação de bolsas de permanência para os egressos Pibid que optam por exercer o cargo de professor na Educação Básica, bem como a publicação de editais voltados para o desenvolvimento de pesquisas nas escolas a partir da proposição de seus professores e envolvimento das equipes de gestão escolar. Obviamente, são políticas de “transição”, pois o que se almeja é que a escola e seus profissionais tenham salários dignos e condições objetivas de infraestrutura para realizarem o trabalho visando uma escola pública, laica, democrática e de qualidade para todos. (FERNANDES; MENDONÇA, 2013, p. 234).

Por fim, o Relatório também traz como impacto do Pibid a coesão com outros programas que valorizam a formação e o exercício da docência. Alguns deles serão abordados a seguir.

Outros Programas – Prodocência, Obeduc, Novos Talentos, Life

O Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência) teve início em 2006, no âmbito da Secretaria de Educação Superior; em 2008, a Capes passou a atuar como parceira e, em 2010, assumiu por completo o financiamento e a gestão. Nesse caso, o foco não é o aluno do curso de licenciatura, mas o próprio curso. Por meio de referenciais diversos, inclusive dos próprios programas da Capes, essa iniciativa visa propor inovações e aprimoramentos na formação de professores. De 2008 a 2014, o programa aprovou 186 projetos das diversas áreas do conhecimento, envolvendo 1.139 licenciaturas em 372 IES.

O Observatório da Educação (Obeduc) foi criado em 2006 em parceria Capes/Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Visa articular a produção acadêmica e a formação de profissionais com a pós-graduação em educação, estimulando a formação de mestres e doutores cujas pesquisas tenham como ponto de partida a utilização dos indicadores educacionais existentes no Inep, por meio, ainda, do trabalho coletivo de construção do conhecimento, envolvendo mestrandos, doutorandos, professores da educação básica, alunos dos cursos de licenciatura e pesquisadores das IES. Podem participar programas de pós-graduação (individualmente ou por meio de redes) com nota igual ou superior a 3 na avaliação da Capes, e os projetos propostos podem ter duração de 2 a 4 anos. Nos editais lançados entre 2006 e 2013, o Obeduc apoiou 243 projetos. Entre os projetos ativos no ano de 2014, participaram 96 IES que abrigaram 186 programas de pós-graduação de diferentes áreas, envolvendo 2.513 bolsistas. Não houve edital no ano de 2014 em razão de restrições orçamentárias.

O Programa de Apoio a Projetos Extracurriculares: Investindo em Novos Talentos da Rede Pública para Inclusão Social e Desenvolvimento da Cultura Científica (Programa Novos Talentos) visa à realização de atividades extracurriculares para alunos e professores das escolas da rede pública, as quais devem ocorrer em horário que não interfira nas aulas, valorizando espaços inovadores, como as dependências das universidades, laboratórios e centros avançados de estudos e pesquisas, museus e outros. O programa teve início em 2011, mas só foi regulamentado e lançado em edital em 2012, e os projetos aprovados, contemplados em 2013. Por isso, ainda estão em execução, mas dados preliminares mostram que há 56 IES participantes, contabilizando 250 subprojetos e 1.018 atividades desenvolvidas. A projeção da Capes para o número de pessoas envolvidas nesses projetos é de 6.629 alunos de graduação, 1.172 de pós-graduação, 104.603 da educação básica e 23.381 professores da educação básica.

O Programa Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores (Life) foi lançado em 2012, com o objetivo de ampliar o acesso aos modernos recursos tecnológicos e de inovação educacional, além de fomentar a interdisciplinaridade. Prevê, portanto, o incentivo ao desenvolvimento de metodologias voltadas para a inovação das práticas pedagógicas; a elaboração de materiais didáticos de caráter interdisciplinar; o uso de tecnologias e inovação educacionais e a articulação entre os programas da Capes relacionados à educação básica. Os pré-requisitos para a participação de IES são ofertar, no mínimo, dois cursos de licenciatura e participar de um dos programas da Capes. Assim, são destinados recursos financeiros à aquisição de bens para a criação e/ou reestruturação de laboratórios nas IES que pretendam investir numa formação docente de qualidade e tecnologicamente atualizada, ou seja, investir na “formação digital” dos educadores. De acordo com o Relatório, foram lançados editais apenas nos anos de 2012 e 2013, os quais aprovaram 126 projetos, totalizando 254 laboratórios em 26 estados. Em 2014, não houve edital por conta de restrições orçamentárias.

Considerações finais

O recente esforço da Capes no sentido de contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica, evidenciado neste artigo, não pode deixar de ser reconhecido. Percebe-se que os programas lançados no âmbito da DEB tocam em pontos levantados por especialistas da área como relevantes e estratégicos para os enfrentamentos atuais da educação brasileira.

Entretanto, tais ações constituem alternativas pontuais, revelando-se insuficientes face às reais necessidades educacionais do país. São poucas as IES que reúnem condições para concorrerem nos editais da Capes, concentrando parte considerável dos projetos nas universidades públicas, ainda que a maioria das matrículas em licenciaturas encontrem-se nas IES privadas. Desse modo, a pontualidade de tais ações compromete a abrangência dessas políticas públicas. Soma-se a isso a política de ajuste fiscal recente para fazer frente à crise econômica e contornar a incapacidade do setor público de financiar seus gastos, demonstrando, mais uma vez, a fragilidade dessas iniciativas. A própria manutenção da pós-graduação, tradicional prioridade da Capes, sofre com os cortes das verbas públicas. A efetiva melhoria da educação, rumo a uma escola pública, democrática e de qualidade para todos, necessita de mudanças estruturais, que possam solucionar os problemas historicamente constituídos.

Referências

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Ligação alternative

//periodicos.uninove.br/index.php?journal=eccos&page=article&op=view&path%5B%5D=6030&path%5B%5D=3272 (pdf)

Qual a formação do docente para atuar na educação básica?

Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) “a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena […]” (BRASIL, 1996, art. 62). Portanto, a graduação constitui a formação inicial do professor ensino fundamental.

O que se refere à formação de professores?

O que é a formação de professores? Formação de professores é um termo amplo, que pode se referir tanto à formação básica quanto à formação complementar ou continuada. Podemos definir a formação básica de professores como o processo obrigatório para que esse profissional esteja habilitado a dar aulas.

Quem são os professores de educação básica?

O professor de educação básica I e II é responsável pelas aulas nas séries iniciais (1º ao 5º ano) e séries finais (6º ao 9º ano), respectivamente. Em outras palavras, o professor de educação básica I cuida da alfabetização, enquanto o professor de educação básica II solidifica o trabalho realizado nas séries iniciais.

Como deve ser a formação dos profissionais da educação?

64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.

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